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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Mestre Acordeon sofre racismo no Evento do Projeto Pôr do Sol

NOTA DE REPÚDIO

“a capoeira é o símbolo de resistência presente na manutenção da cultura e da força ancestral”

*por Herberson Sonkha

Autoridade policial de alta patente atenta contra Patrimônio Imaterial da Humanidade ao praticar ato discriminatório de racismo contra um mestre de capoeira. Em nota pública, o dirigente de uma das mais respeitadas associações de capoeira de Vitória da Conquista, Associação de Capoeira Viva Conquista, reconhecida dentro e fora do estado pelos excelentes serviços prestados à comunidade de capoeiristas da Bahia, o Mestre Acordeon repudiou veementemente o comportamento abusivo, intransigente e desrespeitoso de uma autoridade policial de alta patente contra um cidadão em pleno gozo de seus direitos fundamentais.


Por que agir contra a dignidade da pessoa humana? Agir contra a instituição sociocultural, contra a sua condição de Mestre e contra a representação de Guardião do Patrimônio Imaterial Cultural da Humanidade: a capoeira? A Nota de Repúdio, expedido pelo Conselho de Mestres de Capoeira de Vitória da Conquista e a Associação de Capoeira Viva Conquista de Mestre Acordeon, revela o tom, a forma e o conteúdo de um racismo institucional e estrutural praticado por mais uma autoridade policial - uma capitã da Policial Militar da Bahia.

O Mestre Acordeon é signatário da 9ª Sessão do Comitê Intergovernamental que Salvaguardou a CAPOEIRA como Patrimônio Imaterial, numa sessão realizada em Paris (2011). A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) declarou há quase uma década atrás que a roda de capoeira, especificamente o berimbau, o pandeiro, o atabaque, o quimono, a ginga e a força fazem parte da manifestação cultura genuinamente brasileira, portanto o conjunto que compreende pessoas, vestuário, instrumentos e os movimentos dançantes são parte integrante do Patrimônio Imaterial da Humanidade.

Não obstante essa honrosa condição de salvaguardar esse bem da humanidade, uma autoridade policial de alta patente violou esse direito, pois não podemos aceitar calados que agentes públicos atentem criminosamente contra a cultura popular na sociedade brasileira. Aliás, já passou da hora de buscar abolir o racismo estrutural, institucional e religioso que está incrustado no pensamento conservador de setores da classe média e das elites atrasadas do Brasil que ainda pensa que a capoeira é uma luta entre marginais.

Enquanto essas mentalidades comezinhas tratam nossos valorosos mestres de capoeira, seus aprendizes, instrumentos, ritmos, danças, as tranças e o quimono como algo marginal, reforçando o arquétipo de racismo, neste exato momento mais de 70 países já registraram suas rodas de capoeiras, só a Alemanha possui 27 registros de academias autorizadas a pratica da capoeira.

Nossos griôs criaram as rodas de capoeira no século XVII, uma atividade coletiva entre africanos escravizados que dançavam e cantavam, mas também a praticava como uma defesa pessoal, portanto uma luta. A roda de capoeira era o único momento de socialização da cultura, conhecimento e valores trazidos de África, uma maneira de manter viva as suas origens.

Esse movimento era realizado antes em campo aberto para defesa pessoal, contra capitães do mato e jagunços sanguinários que capturavam seres humanos feitos bichos, acorrentados, atados ao pescoço, arrastados feitos cachorros pelas ruas da cidade para servir de exemplo aos negros fujões. Por essa razão passou a ser chamado de capoeira, por ser praticado em área aberta sem vegetação.  E hoje é um patrimônio da humanidade que deve ser ensinado livremente em qualquer lugar do território brasileiro por professores credenciados profissionalmente, a exemplo do Mestre Acordeon.

Considerando que a Bahia figura no “Atlas da Violência”, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) com base nos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, liderando o ranking como um dos Estados mais violentos do Brasil, principalmente contra jovens negros (15 a 29 anos), lamentavelmente a policia Militar da Bahia aparece como parte autora dessa violência, o que nos faz crer que se trata de racismo institucional.

Com uma população de autodeclarados pretos e pardos de 76,3% (IBGE, 2010) a Bahia tem acompanhado perplexa, estarrecida e indignada com os índices de casos de violência física, moral, psicologia e mortes violentas cometidas contra a população negra baiana - sobretudo jovens negros, mulheres e LGBTI. Esse percentual assustador, segundo a pesquisadora Suzete Paiva Lima, está perpassado pelo racismo institucional que legitima a narrativa perversa que imputa a essas populações a uma única condição que são as “(...) prisões e execuções naturalizadas e aceitas como necessárias à manutenção da ordem pública e à defesa da sociedade, combatendo os "bandidos", "perigosos" e "delinquentes" (...)” (LIMA, 2010, pag. 15).

O racismo criou arquétipos criminosos que atravessam as narrativas da maioria desses agentes públicos que não distingue a ninguém que pertença as essas populações negras, imputando-as a um perverso lugar comum destinado as pessoas “meritórias” de todas essas formas desumanas de tratamento e múltiplas violências.

A questão central levantada pelo Mestre Acordeon é o como se comportar de uma autoridade policial (militar ou Civil) diante de pessoas simples, não menos educadas e instruídas. Como superar esse “juízo de valor” perpassado pelo racismo só porque são pessoas oriundas dos mais variados extratos sociais em situação de risco. Até quando descuidar do Estatuto da Cidadania que vigora no país, sob a égide do regime do Estado Democrático de Direito. Cadê o comando para exigir e orientar adequadamente esses agentes públicos a agirem respeitando o exercício dos direitos e deveres civis, políticos e sociais previstos na Constituição brasileira de 1988.

Este é mais um lamentável caso de excesso cometido por uma agente pública bem posicionada na cúpula da corporação contra esta população referenciada. O histórico aponta para um ato de racismo institucional. O entendimento da nota reafirma o conceito, pois “a capoeira é o símbolo de resistência presente na manutenção da cultura e da força ancestral”, nesse sentido o presidente do Conselho de Mestres de Capoeira de Vitória da Conquista analisa o discurso da autoridade policial que imputa a prática da capoeira como atividade que deve permanecer à margem, sendo esta um “não lugar”.

Do ponto de vista sociológico, Mestre Acordeon restabelece o papel sociocultural imprescindível da capoeira ao certificar que essa atividade é um instrumento político por meio do qual se combate a segregação e mazelas originadas pelo “racismo estrutural e estruturante”.

De forma consciente o militante social busca mostrar sem sucesso a autoridade policial que ele é portador de cidadania. Diante do fato, restou apenas a busca pelo restabelecimento de um direito pétreo negando, escarnecido e aviltado. Aliás, amplia-se a necessidade de continuar a luta pela construção de espaço plural, com equidade e igualdade, contrapondo peremptoriamente a quaisquer tratamentos marginalizante, criminalizante e profundamente perpassado pelo comportamento desrespeito ao outro com lugar de fala determinado na sociedade.

Segundo Mestre Acordeon eles forma expulsos de uma área em desuso sem qualquer possibilidade de diálogo, pois o lugar é destinado a pratica de esporte, mesmo que naquele momento ninguém fazia uso do espaço.  A justificativa da autoridade policial era de que “capoeira pode jogar em qualquer lugar” e “todo dia se tem capoeira”, ordenando que deixássemos o lugar sem qualquer possibilidade de dialogo ao Mestre de Capoeira, dando as costas como resposta.

O Mestre Acordeon é um ilustre conquistense, Ser Humano de valor ímpar, um grande profissional, uma pessoa respeitadíssima na cidade porque desenvolve ações sociais de grande relevância para a comunidade conquistense, não obstante ser um guardião da capoeira, um professor que salvaguarda um Patrimônio Imaterial da Humanidade. Não deve ser esse o comportamento recebido pela academia, muito menos pelo alto comando da corporação que pauta a sua tropa por outros princípios que não são esses de intransigência, arrogância, desrespeito e subtração do valor humano das pessoas.

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