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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

A Liturgia do Cargo e a quebra de decoro

Foto: Reprodução/YouTube


"(...) como esse é o cargo mais importante da república, em tese, jamais poderia, ou deveria ser ocupado por alguém, que não tenha o decoro necessário (...)"

*por Prof. Dirlêi A Bonfim



A república no Brasil é muito recente, data de (1889), do ponto de vista histórico... A Proclamação da República Brasileira aconteceu no dia 15 de novembro de 1889. Resultado de um levante político-militar que deu início à República Federativa Presidencialista. Fica marcada a figura de Marechal Deodoro da Fonseca como responsável pela efetiva proclamação e como primeiro Presidente da República brasileira em um governo provisório (1889-1891).

A República Federativa Brasileira nasce pelas mãos dos militares que se veriam a partir de então como os defensores da Pátria brasileira. A República foi proclamada por um monarquista. Deodoro da Fonseca assim como parte dos militares que participaram da movimentação pelas ruas do Rio de Janeiro no dia 15 de novembro pretendiam derrubar apenas o gabinete do Visconde de Ouro Preto. No entanto, levado ao ato da proclamação, mesmo doente, Deodoro age por acreditar que haveria represália do governo monárquico com sua prisão e de Benjamin Constant, devido à insurgência dos militares.


Segundo Carvalho (2013). (...) “Em outra carta, pouco depois, o marechal recomendou ao sobrinho: “Não te metas em questões republicanas, porque República no Brasil e desgraça completa é a mesma coisa; os brasileiros nunca se prepararão para isso, porque sempre lhes faltarão educação e respeito”. Essas cartas demonstram que, até as vésperas do golpe contra o império, em Quinze de novembro de 1889, o fundador da República não era republicano. Curiosamente, o outro protagonista desse grande acontecimento histórico, o imperador D. Pedro II, manifestava convicções ideológicas ainda hoje intrigantes e desafiadoras para seus biógrafos, ele era declaradamente republicanista.

Em junho de 1891, já no exilio, o imperador anotou à margem de um livro que estava lendo: “Desejaria que a civilização do Brasil já admitisse o sistema republicano que, para mim, é o mais perfeito, como podem sê-lo as coisas humanas”. Creiam que eu só desejava contribuir para um estado social em que a república pudesse ser ‘plantada’ por mim e dar sazonados frutos.” As populações das camadas sociais mais humildes observam atônitas os dias posteriores ao golpe republicano. A República não favorecia em nada aos mais pobres e também não contou com a participação desses na ação efetiva.

O Império, principalmente após a abolição da escravidão tem entre essas camadas uma simpatia e mesmo uma gratidão pela libertação. Há então um empenho das classes ativamente participativas da República recém-fundada para apagar os vestígios da monarquia no Brasil, construir heróis republicanos e símbolos que garantissem que a sociedade brasileira se identificasse com o novo modelo Republicano Federalista. Em outras palavras, quem proclama a república é monarquista e o imperador era republicano, vejam, como as coisas no Brasil, sempre foram obscuras, dúbias e cheias de antagonismos e contradições, aliás presentes até os nossos dias...

A partir de Linhares (2000), que vai trazer a posição do Imperador quando vem pronunciar... “Difícil é a posição de um monarca nesta época de transição”, escreveu à Condessa de Barral, o grande amor de sua vida, dizendo-se desconfortável na posição de imperador. Se dependesse de sua vontade, preferia ser apenas um presidente da República temporário: “Eu de certo modo poderia ser melhor e mais feliz presidente da República do que imperador constitucional.”

E da proclamação para cá, muitos atos desabonadores já aconteceram nesses mais de 130 anos, acontece e acontecerão, afinal, estamos passando por mais um momento muito difícil, difuso, cheio de anomalias e sombrio. Na história da república o cargo da presidência da república, sempre foi cercado de manifestações e liturgias...

Porque se compreende, que como esse é o cargo mais importante da república, em tese, jamais poderia, ou deveria ser ocupado por alguém, que não tenha o decoro necessário, a conduta obrigatória para o desempenho da função com a responsabilidade exigida pela sociedade, além da honestidade, dignidade, o preparo, competência, temperança, equilíbrio, inteligência e a profunda ética, virtudes fundamentais para o exercício do cargo. Infelizmente, no Brasil, tudo que não há na ocupação desse cargo, são esses requisitos tão importantes e necessários.

O que mais temos visto e acompanhado é exatamente o contrário disso, uma profunda inversão dos valores e absoluta falta de respeito com o cargo ocupado, bem como, com toda a sociedade brasileira. O que mais tem se apresentado, são homens despreparados, incompetentes, mal educados, desqualificados, antiéticos.

Como se isso não bastasse, o que está acontecendo neste momento, é uma verdadeira tragédia, as atitudes, atos e ações do atual presidente da república, por tudo que tem sido protagonista um conjunto de ações beligerantes especialmente, no episódio da jornalista, a Senhora, Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, uma prova inequívoca de quão tosco, rude e baixo, aonde chegou os insultos do dito cidadão, não deixam margens nenhuma de dúvida que se trata de um acéfalo, doente, presunçoso, arrogante e prepotente, que usa o cargo para diminuir as pessoas, constranger, qualquer um, que tente questioná-lo sobre coisas sérias e necessárias que fazem parte do cotidiano da república e que ele pelo cargo que ocupa, está obrigado a responder... Ele não pode se dá ao luxo de emitir opiniões pessoais, sobre o que acha disso ou aquilo, investido do cargo mais alto da república, deve se limitar a cumprir o papel determinado pela Constituição Federal da República.

 “O comportamento presidencial é regulamentado pela Lei n.º 1.079 de 1950, que classifica como crime de responsabilidade agir de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro”, que também impõe para o exercício do cargo, sobriedade, serenidade, equilíbrio, bom senso e sensatez. Algumas das virtudes que infelizmente, não fazem parte dos hábitos e costumes do atual presidente da república.

O presidente atual, ultrapassou todos os limites do decoro ao agredir de forma misógina a jornalista Patrícia Campos, da Folha de S. Paulo, com insinuações sexuais, ao questionar suas apurações sobre o disparo em massa de mensagens na campanha eleitoral. O presidente vem fazendo sucessivos ataques à imprensa e aos jornalistas quando sai do Palácio da Alvorada, sempre que alguém lhe faz uma pergunta incômoda. “Eu agredi sexualmente uma repórter hoje?”... “Parabéns à mídia, aí. Não quero conversa”. Eu agredi, cometi uma violência sexual contra uma repórter hoje?”...

As declarações do senhor presidente geraram protestos generalizados e repercutiram no Congresso. A postura dele causa incômodos, inclusive no Palácio do Planalto, pois seu comportamento foge completamente à liturgia do cargo que ocupa, completamente incompatível com a função que ocupa. A Quebra de decoro está latente... O cerimonial da Presidência é rigoroso. A coordenação e supervisão das solenidades realizadas no Palácio do Planalto são da Secretaria de Coordenação e Acompanhamento de Assuntos Militares, vinculada ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, ou seja, subordinada ao general Augusto Heleno. Antes, era tarefa de diplomatas cedidos pelo Itamaraty e treinados para isso.

Os eventos mais formais realizados na Presidência são o hasteamento e arriação da bandeira, a entrega de cartas credenciais a embaixadores, a passagem de guarda e a recepção a chefes de Estado. Nas solenidades de caráter administrativo, o cerimonial obedece a normas de um decreto de 1972, ainda em vigor, aprovado durante a Ditadura Militar, o governo, do então presidente o general Garrastazu Médici, com 94 artigos.

Tudo é previsto rigorosamente, até mesmo nos funerais. O decoro presidencial, porém, é regulamentado pela Lei 1.079 de 1950, que classifica como “crime de responsabilidade” agir de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. É um crime contra a probidade da administração pública federal e serve como fundamento para o impeachment presidencial. Por isso mesmo, o senhor presidente precisa tomar muito cuidado com o que fala, pois crimes de responsabilidade são julgados politicamente, pelo Congresso, como a sua relação com o Congresso Nacional, também é péssima,  tudo é possível que possa acontecer, geralmente quando um presidente vai mal das pernas e a situação do país fica caótica.

O beabá do impeachment começa pela indagação sobre o exercício do poder presidencial e os limites institucionais a ele existentes. Quando esses limites são ultrapassados a ponto de ameaçar a integridade das instituições, a quebra de decoro ganha relevo como crime de responsabilidade.  Cada vez mais, o atual mandatário presidente da república age como um populista no poder. Isso começa a ter reflexos negativos para a economia, além de acarretar em sérios problemas para o Brasil na cena mundial e gerando um total desconforto e descompasso para as elites.

É sempre válido salientar que a maioria absoluta da população não apoia atitudes grosseiras e desrespeitosas do presidente da República. Obviamente, setores mais radicalizados, extremistas e identificados com a truculência e a violência aplaudem as bobagens do atual presidente. As grosserias do senhor presidente só contribuem para dividir o país, minar nossa coesão nacional, deseducar a população, depois do esforço de dezenas de gerações para construir uma nação, com um mínimo necessário para o espaço da convivência dentro de um estado democrático de direito.

Assim, as imunidades, as prerrogativas do cargo, não podem ser confundidas com impunidade, com privilégio, com regalias, ou quaisquer coisas que o valham, como um benefício oferecido aos ocupantes de cargos públicos, com foro e mandato.

 Assumir esse entendimento guarda incompatibilidade com a Democracia, com a República e com o próprio princípio do Estado Democrático de Direito, ninguém absolutamente ninguém está acima da lei. “Não importa quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você”. Alguns preceitos fundamentais do direito romano (...) Honeste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere”. (Viver honestamente, não prejudicar ninguém atribuir a cada um o que lhe pertence, é o justo...). Crimes de responsabilidade preocupam-se sobretudo as condutas de governantes inescrupulosos que agem como se não devesse se comportar com a Liturgia que exige o cargo, portanto agir de forma inconsequente e atabalhoada  agredindo a tudo e a todos sem pudor, ética e moral, valores constitucionais inegociáveis, tudo isso para fazer prevalecer, a qualquer custo, seus objetivos políticos e pessoais — sejam eles nobres ou mesquinhos, de esquerda ou de direita, progressistas ou conservadores, pouco importa.

Em toda discussão sobre impeachment, portanto, a reflexão deve partir da indagação sobre o exercício de um poder presidencial e os limites institucionais a ele existentes. Havendo exercício de poder presidencial que tenha ultrapassado os limites que deveria observar, restará avaliar se ele é grave a ponto de caracterizar risco à integridade das instituições e ao Estado Democrático de Direito.

Não há dúvidas que o atual presidente envergonha o Brasil e os brasileiros com boa parte do que diz e faz. É necessário se avaliar, antes de tudo, se discursos, falas, tweets e comportamento público de um presidente valem como exercício de “poder presidencial”.

Se valerem, devem observar limites, como o exercício de qualquer poder em um regime constitucional; e seu abuso, se perigoso à Constituição, poderá sim ensejar remoção do cargo. Nesse sentido, eles são, por óbvio, uma modalidade de exercício de poder. É genuína situação de “dominação política”: alguém que se veste como ninguém o figurino de quem manda porque pode e tem direito, e não aceita “não” como resposta; seus seguidores, na outra ponta, ouvem o apito que ele aciona: agridem nas redes, distribuem ameaças, o caldo ainda é engrossado por influencers digitais e parlamentares defensores, “missão dada, missão cumprida”.

Contudo, a Liturgia do cargo exige de cada um no mínimo o respeito ao processo da cidadania e ao estado democrático de direito. “Dura lex, sed lex” A lei é dura, mas é a lei e, serve para todos de A – Z.




__________________________________*Contribuição do Professor DSc. Dirlêi A. Bonfim, Doutor em Desenvolvimento Econômico e Ambiental, Professor da SEC/BA – Sociologia, Cursos FAINOR de ADM / CONTÁBEIS / ENGENHARIAS (2020.1).

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