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sábado, 17 de fevereiro de 2018

Carta ao Camarada JBergher

Historiador, filósofo e professor JBerger
por Herberson Sonkha[1]

Camarada JBergher[2] boa noite! Desculpa pela demora em lhe responder. A vida anda mesmo tão tensa que nem dá tempo respirar, principalmente para quem é comunista. Não demora muito e seremos defenestrados pela sanha odiosa das elites deste país. O que nos abriga ter o máximo de cuidado com a conjuntura nacional beligerante que nos aponta uma tarefa hercúlea de enfrentar o desmonte do Estado, liquidação do patrimônio do povo brasileiro, destravamento das proteções socioeconômicas e políticas das classes trabalhadoras (intelectual e operacional) e populações subalternizadas pela burguesia e os efeitos deletérios do governo ultraliberal ilegítimo instalado via golpe.


Primeiro queria lhe dizer que trazer Baruch Spinoza para este debate é elevar todas as expectativas revolucionárias ao seu limite, pois nenhum grande pensador o é sem ter lido Spinoza. A começar por Marx... Quanto à pergunta providencial apresentada pelo camarada, cabe aqui o uso de uma das mais valiosas categorias filosóficas, a aporia[3], para considerar sem saída a democracia nos moldes liberais.

Portanto, a democracia é uma categoria das ciências políticas que vai sendo vocalizada no processo histórico. Ela surge pela primeira vez na história na Grécia antiga, sendo implantado pelo regime democrático de governo de Clístenes (Atenas, 508, a.C.) e entra em decadência pela decorrência das conquistas de Alexandre (o Grande) por volta de 336 a.C.

Muitos filósofos apontaram problemas no regime democrático, entre eles os notáveis Platão e Aristóteles que se opuseram porque consideravam a democracia um sinônimo de demagogia. Pois, esse regime era controlado pelos grandes oradores (sofistas), pessoas que não estavam preocupadas com o bem público. Aqui vão as primeiras críticas.

Para Platão um governo só seria bom se fosse um governo de filósofos (Platão é racionalista), pois só estes decifram a verdade advinda de um mundo paralelo (mundo das ideias) e são imutáveis. Já o Aristóteles (empirista), divergia de Platão porque compreendia que filósofos não seriam bons governantes uma vez que um governo exige ação concreta e menos discurso. Ficando apenas para auxiliar os governantes instruindo-o quanto a moral, a ciências e a política.

Após essas críticas ao regime democrático, o debate sobre a democracia só voltaria ao cenário no século XVII, com os enciclopedistas, influenciados por dois grandes eventos: Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa. Os filósofos iluministas, principalmente Voltaire e Montesquieu fizeram duras críticas ao regime democrático, sobretudo a máxima “tudo para o povo, nada pelo povo”, porquanto consideravam que a monarquia esclarecida era mais inteligente, uma vez que as coisas deveriam ser decididas de cima para baixo por considerarem como necessárias às medidas para o progresso do país.

No século XVIII a democracia volta à cena só que dessa vez ganha defensores como Jean Jacques Rousseau, na França, e Thomas Paine na Inglaterra e nos Estados Unidos. Para estes filósofos as contradições da democracia seriam resolvidas por meio da educação, pois só o esclarecimento das massas impediria a degeneração da democracia para demagogia, tirania da maioria sobre a minoria ou anarquia que estava associada a desordem. Durante a Revolução francesa e no decorrer do século XIX, o tema continua circulando nas rodas de diálogos filosóficos, ganhando outros elementos tais como voto universal e censitário, cabendo uma discussão sobre qual seria o mais adequado.

Coube aos dois filósofos liberais Benjamin Constant e Stuart Mill a defesa do regime democrático restrito, limitando o voto aos homens de renda ou aos intelectuais. Aqui surge a fusão do liberalismo político com o liberalismo econômico. Para Benjamin e Mill o voto universal ameaçava a propriedade privada na medida em que a massa votante tenderia a lutar pela igualdade, fazendo a crítica ao contratualista Jean Jacques Rousseau.

Portanto, se finda o século XIX com duas perspectivas hegemônicas: a crença na liberdade de mercado como redentor de todos os infortúnios materiais da humanidade e a política como libertadora dos grilhões e inclusora das massas no processo decisória do governo. Aliás, a proeminência nesse debate para a fusão das escolas liberais numa única, sendo sobreposta pelo liberalismo econômico, pautado pela fé nas ciências e no progresso cientifico.

No início do século XX todas as expectativas do século anterior são frustradas, pois se emerge regimes ditatoriais fascistas e socialistas retirando do cenário a democracia, sendo substituído pelo regime do operariado denominado de ditadura do proletariado pelo teórico comunista Vladimir Lenin, mas distorcido pelo stalinismo. Aqui a herança das liberdades individuais advinda da tradição da Revolução Francesa é rejeitada por razões absolutamente diferentes.

A democracia liberal incorpora o voto universal na Europa Ocidental no pós-segunda guerra, enquanto que na América latina e Leste Europeu só chega em 1990. Obviamente que o voto universal que garante o direito de votar e ser votado por todos vai ser a grande conquista do século XX, contudo deve-se observar a influência do pensamento econômico liberal do século XIX, nomeadamente Benjamin Constant e Stuart Mill.

Essa é a principal influência teórica do liberalismo econômico que engendra o pensamento hegemônico do regime democrático no mundo contemporâneo.  Um regime democrático que em sua aparência diz que todo poder emana do povo e em nome dele será exercido, mas que em sua essência perpassa pelas relações de trocas, sendo controlado pelo poder econômico.

Esse regime democrático está muito distante de ser efetivamente universal em sua essência. O mais próximo seria o que Rousseau propôs a partir de um contrato social que prime pela igualdade universal (material e intelectual) das massas em detrimento da propriedade privada. Um regime de governo que possibilite a emancipação humana, capaz de superar a emancipação política ocorrida na Revolução Francesa.

Saudações comunistas,
Verão de 2018




[1] Herberson Sonkha é professor de Filosofia e Sociologia e coordenador pedagógico no Zênite Pré-Vestibular e Cursos de Conquista e Guanambi. Estudante de Ciências Econômicas na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Foi gestor administrativo lotado no Hospital de Base de Vitória da Conquista. Foi do Comitê Gestor da Secretaria Municipal de Educação de Anagé. Presidiu o Conselho Municipal de Educação de Anagé. Coordenou o Programa Municipal Mais Educação e a Promoção da Igualdade Racial do município de Anagé. Foi Vice-Bahia da União Brasileira de Estudante (UBES) e Coordenador de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Vitória da Conquista (UMES). Militante e ex-dirigente nacional de Finanças e Relações Institucionais e Internacional dos Agentes de Pastorais Negros/Negras do Brasil. Membro dirigente do Coletivo Ética Socialista (COESO) organização radical de esquerda do Partido dos Trabalhadores.



[2] JBergher é professor, historiador, filósofo e servidor do Estado.


[3] Dificuldade ou dúvida racional decorrente da impossibilidade objetiva de obter resposta ou conclusão para uma determinada indagação filosófica.

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