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quarta-feira, 6 de agosto de 2025

O que é uma nação soberana?

Foto: arquivo pessoal Herberson Sonkha

Como não é possível ser um país Livre, Soberano e Democrático?



*por Herberson Sonkha




Vitória da Conquista (BA) - Ninguém atravessa cinco décadas de vida entre o labor cotidiano, a leitura atenta, a escrita comprometida e a militância social sem forjar em si um olhar crítico e profundo sobre as contradições do Brasil e do mundo.

Já li que todos os impérios ruíram — e ruirão também aqueles que se julgam eternos. Como nos mostra Eric Hobsbawm, na obra A Era dos Extremos (1994), a história moderna é marcada pela ascensão e queda de impérios sustentados pela dominação colonial e pela pilhagem das periferias globais¹. Já li sobre dois sistemas (o Antigo e o Medieval) que colapsaram para dar lugar a outros, demonstrando que as transformações históricas são guiadas por lutas de classe, rupturas nas estruturas produtivas e conflitos políticos de fundo, como analisa Karl Marx em O 18 de Brumário de Luís Bonaparte².

Já li sobre a escravidão moderna e vi como ela foi sistematicamente utilizada como forma de acumulação de capital. A pilhagem de riquezas durante a Era dos Impérios — fundamento da modernidade capitalista — consolidou a Europa como centro de poder econômico e político mundial³. Esse processo, amplamente descrito por Hobsbawm em A Era do Capital (1975), serviu de base para a Revolução Industrial, que se alimentou do ouro, da prata, do açúcar, do algodão e do sangue escravizado das colônias americanas, africanas e asiáticas⁴.

Vi surgir o trabalho livre no Brasil, formalmente instituído apenas em 1888, como uma reconfiguração da ordem escravocrata — como analisa Jacob Gorender em O Escravismo Colonial (1978)⁵. A abolição não significou libertação, mas a exclusão de milhões de negros da cidadania. Florestan Fernandes reforça que, em vez de integração social, os ex-escravizados foram lançados à marginalização, constituindo uma subclasse explorada no interior da nova ordem capitalista⁶.

Essa riqueza acumulada no Brasil colonial, através do trabalho forçado, resgatou a Europa da sua crise de escassez de metais preciosos no século XVI. Do açúcar ao café, do ferro ao aço — como analisa Caio Prado Júnior em Formação do Brasil Contemporâneo (1942)⁷ — o Brasil foi mantido como economia de exportação primária, estruturada para servir ao capital estrangeiro e às elites agrárias e industriais internas.

Vi todas as tentativas de construção republicana, de 1889 a 1989, serem capturadas pelas elites. Nelson Werneck Sodré, em História da Burguesia Brasileira (1964), revela como o projeto republicano no Brasil nunca rompeu com a dominação das classes proprietárias, sendo a República uma forma moderna da velha estrutura de poder colonial⁸.

Essas famílias constituíram oligarquias locais e nacionais, reproduzindo a desigualdade e a opressão. Como explica Jessé Souza em A Elite do Atraso (2017), tais elites operam pela manutenção de uma “ralé estrutural”, explorando e culpabilizando os pobres enquanto monopolizam privilégios⁹. Milhões de brasileiros foram e continuam sendo empurrados para a morte simbólica e literal pela ausência de políticas públicas, enquanto as elites desfrutam dos frutos da riqueza nacional.

Vi essas elites manterem o custo de vida manipulado para favorecer sua acumulação, impondo à classe trabalhadora uma realidade de sobre-exploração¹⁰. Essa dinâmica é o que Ruy Mauro Marini identificou como característica central da dependência latino-americana: a extração de mais-valia intensiva e extensiva sobre os trabalhadores do Sul Global¹¹.

Hoje, o Brasil é um país economicamente concentrado: os 10% mais ricos detêm mais de 75% da renda e do patrimônio, enquanto a maioria absoluta vive com menos de 25% do que ela própria produz¹². Isso não é resultado do acaso: é o projeto histórico das elites brasileiras, perpetuado pelas instituições do Estado, pela mídia oligárquica e pelo sistema financeiro.

A fome, o desemprego, o analfabetismo, a precarização da saúde e da moradia não são consequências indesejadas, mas pilares da dominação. Louis Althusser, em seu estudo sobre os aparelhos ideológicos do Estado, mostra como instituições como o Parlamento operam para reproduzir a ideologia da classe dominante¹³.

Recentemente, ficou evidente: a maioria dos deputados bolsonaristas neoliberais [de direita e extrema-direita] defendeu com fervor um político de extrema-direita, corrupto, criminoso e lesa-pátria — representante direto das elites. Um chantagista que tentou intimidar o STF, silenciar o governo federal e sacrificar o povo brasileiro ao se alinhar ao fascismo e ao controle imperialista dos EUA, impondo uma tarifa para subjugar o país aos interesses da família Bolsonaro — principal articuladora da tentativa de golpe de 8 de janeiro, além de inúmeros crimes hediondos. A máscara caiu. E o povo viu.

O que está em disputa não é apenas o poder formal, mas o futuro das riquezas nacionais: petróleo, minérios raros, água, biodiversidade, patrimônio genético, terras indígenas, patrimônio cultural. Como aponta David Harvey em O Novo Imperialismo (2003), a lógica contemporânea do capital é a “acumulação por espoliação” — em que o Estado opera como agente da expropriação pública em favor de interesses privados¹⁴.

É chegada a hora de realizar a verdadeira independência — aquela que 1822 e 1889 frustraram. Como defende Caio Prado Júnior, não há nação sem soberania econômica, cultural e política¹⁵. Essa nova independência deve ser forjada a partir da soberania alimentar, do trabalho digno, da justiça social, da valorização dos povos originários, das matrizes africanas e dos povos periféricos urbanos e rurais.

Soberania é garantir saúde pública gratuita, educação emancipadora, moradia digna, transporte acessível, segurança alimentar e preservação ambiental. Soberania é a tomada de consciência de classe e de identidade nacional popular.

O Brasil precisa romper com sua condição neocolonial. É hora de o povo brasileiro assumir seu destino, tomar as rédeas da história.

O Brasil é dos brasileiros e das brasileiras.

Nada e ninguém sobre nós!



REFERÊNCIAS

1. HOBSBAWM, E. (1994). A Era dos Extremos: O breve século XX, 1914–1991. São Paulo: Companhia das Letras.

2. MARX, K. (1852). O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo.

3. HOBSBAWM, E. (1987). A Era dos Impérios: 1875–1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

4. HOBSBAWM, E. (1975). A Era do Capital: 1848–1875. São Paulo: Paz e Terra.

5. GORENDER, J. (1978). O Escravismo Colonial. São Paulo: Ática.

6. FERNANDES, F. (1978). A Integração do Negro na Sociedade de Classes. São Paulo: Ática.

7. PRADO JÚNIOR, C. (1942). Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense.

8. WERNECK Sodré, N. (1964). História da Burguesia Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

9. SOUZA, J. (2017). A Elite do Atraso: Da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya.

10. MARX, K. (1867). O Capital: Crítica da Economia Política, Livro I. São Paulo: Boitempo.

11. MARINI, R. M. (1969). Subdesenvolvimento e Revolução. Rio de Janeiro: Zahar.

12. OXFAM Brasil. (2023). Relatório sobre Desigualdade de Renda no Brasil. Disponível em: www.oxfam.org.br.

13. ALTHUSSER, L. (1970). Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. Lisboa: Presença.

14. HARVEY, D. (2003). O Novo Imperialismo. São Paulo: Loyola.

15. PRADO JÚNIOR, C. (1966). A Revolução Brasileira. São Paulo: Brasiliense.


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