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sexta-feira, 24 de maio de 2024

A concepção gramsciana deita raízes profundas no marxismo-leninismo

*por Herberson Sonkha


 

O artigo que trago ao debate sobre a atualidade e o caráter revolucionário da teoria marxista-leninista do italiano da Sardenha, Antônio Gramsci, intitulado "Gramsci e o PCI: duas concepções da hegemonia1" é da “fortuna editorial” do italiano marxista Massimo Salvadori, publicado em 02 de outubro de 2012, Miolo - Revista Crítica Marxista, nº 35. A tradução para língua portuguesa do Brasil foi feita por Davi Pessoa Carneiro e repostado em 2019.

Este artigo analisa a contemporaneidade e o caráter revolucionário da teoria marxista-leninista de Antônio Gramsci, a partir do texto "Gramsci e o PCI: duas concepções da hegemonia", de Massimo Salvadori. O autor examina a relação entre a teoria da hegemonia de Gramsci e a estratégia política do Partido Comunista Italiano (PCI) nas décadas de 1970 e 1980, destacando as diferenças entre a concepção gramsciana e a interpretação realizada pelo PCI. Salvadori argumenta que a teoria da hegemonia de Gramsci visa fortalecer a ditadura do proletariado, contrapondo-se à aceitação das instituições liberais-democráticas proposta pelo PCI. O texto resgata a atualidade crítica do legado teórico-prático de Gramsci, reafirmando a centralidade da luta revolucionária e a ditadura do proletariado.

Massimo Salvadori analisa a relação entre a teoria da hegemonia de Antonio Gramsci e a estratégia política do Partido Comunista Italiano (PCI) nas décadas de 1970 e 1980. Salvadori não hesita e argumenta que a interpretação do PCI sobre a teoria gramsciana da hegemonia não corresponde à concepção original de Gramsci, que estava profundamente enraizada na tradição leninista e na busca pela ditadura do proletariado:

"Gramsci valoriza tal aspecto porque diz respeito não só à estratégia na Itália e mais em geral no Ocidente, mas também na própria União Soviética. É dessa maneira, ou seja, à luz da sua teoria da hegemonia, que lemos a afirmação direcionada a Togliatti segundo a qual 'hoje, nove anos depois de outubro de 1917, não é mais o fato da tomada de poder por parte dos bolcheviques que pode revolucionar as massas ocidentais, porque isso já foi realizado e produziu os seus efeitos; hoje, é ativa, ideológica e politicamente, a persuasão (se existe) de que o proletariado, uma vez obtido o poder, pode construir o socialismo.'" (SALVADORI, 2019, p. 12)


Essa afirmação de Salvadori refuta a tese que afirmar que a teoria da hegemonia de Gramsci não visa dar à ditadura do proletariado um fundamento mais amplo, baseado no consenso e na direção intelectual e moral da classe trabalhadora. Nesse sentido, não é uma mera aceitação das instituições liberais-democráticas, como proposto pelo PCI. Ele (Salvadori) apresenta uma crítica ao uso "instrumental" que o PCI faz da obra de Gramsci para legitimar sua estratégia de "compromisso histórico" e "eurocomunismo", que se distanciam da concepção gramsciana de hegemonia como fundamento da ditadura proletária:

"Quando Gramsci expressa a sua célebre fórmula, que tem para ele o valor de um princípio geral de ciência da política: 'A supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como 'domínio' e como 'direção intelectual e moral'', Gramsci é de uma clareza exemplar. A sua preocupação não é, de forma alguma, aquela de atenuar o significado da necessidade para uma classe dominante de aniquilar política e socialmente os adversários; ele reforça sua posição em todas as cartas. Aquilo que procura esclarecer é que a força por si só não é suficiente, e, aliás, a força sozinha é sinal de uma maturidade histórica insuficiente daquele que pretende fundar um Estado novo." (SALVADORI, 2019, p. 14)


 Abrindo um debate na circunvizinha do debate central, sobre o contexto da ascensão do PCI no cenário político italiano da década de 1970, quando o partido alcançou expressivas vitórias eleitorais. O autor aborda a discussão teórica em torno da interpretação da teoria da hegemonia de Gramsci, destacando as diferenças entre a concepção gramsciana e a do PCI. Enfatiza a vinculação do pensamento de Gramsci à tradição leninista e sua busca por dar à ditadura do proletariado um fundamento adequado, diferente da mera aceitação das instituições liberais-democráticas. Sinaliza uma análise da evolução da estratégia do PCI, que, segundo ele, se aproxima mais do marxismo socialdemocrata do que da concepção leninista-revolucionária de Gramsci:

"Toda a sua teoria do 'centralismo democrático' nos Cadernos visa assegurar o princípio da direção do topo sobre a base do partido revolucionário e é uma determinação da hegemonia, interna ao partido, que tem uma de suas determinações futuras na relação entre o partido no seu conjunto e os aliados. Quem são os aliados? São sempre e somente, para Gramsci, as forças econômico-sociais, não outros partidos que se mantêm numa perspectiva autônoma diferente daquela da ditadura do proletariado." (SALVADORI, 2019, p. 15)


Portanto, vou buscar no artigo do Massimo Salvadori (2019) a linha primeira que constitui a construção efetiva da abordagem teórica de Antonio Gramsci para restar um dos mais brilhantes teóricos marxista-leninista.  Nesse sentido, o texto de Massimo Salvadori apresenta uma análise detalhada atual da divergência entre a concepção gramsciana de hegemonia e a interpretação realizada pelo PCI, que teria se distanciado do projeto leninista-revolucionário original.

O autor argumenta que a teoria da hegemonia de Gramsci visa fortalecer a ditadura do proletariado, e não servir de base para a aceitação das instituições liberais-democráticas, como proposto pelo PCI em sua estratégia de "compromisso histórico" e "eurocomunismo". Salvadori critica o uso "instrumental" que o PCI faz da obra de Gramsci para legitimar sua evolução teórica e prática, distanciando-se da concepção gramsciana de hegemonia.

Sobre a "A revolução no Ocidente", Massimo Salvadori (2019) retoma a questão levantada por Gramsci, analisando a evolução do pensamento gramsciano sobre a estratégia revolucionária no Ocidente, em contraste com a experiência bolchevique na Rússia. Nesse sentido, segundo Salvadori (2019), Gramsci percebeu que a maior complexidade da sociedade burguesa no Ocidente exigia uma estratégia e táticas mais elaboradas do partido revolucionário, em comparação com a Revolução Russa de 1917:

"Em resumo, para que lhe serve destacar a 'complexidade' ocidental? Seria para inaugurar uma análise 'nova' sobre o Estado, sobre os componentes sociais do bloco histórico; para elaborar um conceito de hegemonia que se exprima numa proposta que modifique o projeto da construção da ditadura e permita a construção de uma política de alianças de tipo 'democrático'? Pelo contrário. A sua análise está inteiramente fundada, por um lado, na tomada de consciência das dificuldades 'suplementares' criadas pelo maior desenvolvimento da sociedade capitalista no Ocidente, por outro, na procura de uma estratégia que permita chegar ao mesmo resultado dos bolcheviques russos." (SALVADORI, 2019, p. 9)


Para Salvadori (2019), Gramsci não buscava elaborar uma "nova" concepção de Estado ou de hegemonia, mas sim encontrar meios mais eficazes para atingir o mesmo objetivo da ditadura do proletariado alcançada pelos bolcheviques.  Como dito no parágrafo acima, a "hegemonia" gramsciana visa dar à ditadura do proletariado um fundamento mais amplo, baseado na conquista da direção intelectual e moral das classes aliadas, e não na mera imposição do poder.

Sem abandonar o contexto em que ocorre a evolução do pensamento de Gramsci, passando de um período "bordiguiano" para uma análise mais complexa das diferenças entre Oriente e Ocidente. Salvadori destaca a preocupação de Gramsci em superar os obstáculos colocados pela "aristocracia operária" e pela "socialdemocracia" à "bolchevização" do proletariado no Ocidente. Sua análise sobre a visão de Gramsci a respeito da necessidade de criar um "bloco histórico" revolucionário, baseado em uma política de alianças que permita a conquista da hegemonia:

"Portanto, a perspectiva que Gramsci procura imprimir ao movimento operário e a sua concepção de "hegemonia" estão inteiramente inspiradas no objetivo de combater: 1) a socialdemocracia; e 2) as forças da "democracia" burguesa. Aquilo que Gramsci adverte sobre a situação russa é que, no Ocidente, a revolução e o bolchevismo não podem ter êxito se, já antes da revolução, não se provoca um deslocamento de forças em sentido revolucionário, capaz de assegurar, sobre uma base "autônoma", um fundamento adequado à futura gestão do aparato produtivo moderno e do Estado." (SALVADORI, 2019, p. 10)


Contudo, Salvadori se contrapõe a perspectiva de Gramsci à de outros teóricos, como Bordiga, sobre a estratégia revolucionária. O autor argumenta que Gramsci não buscava elaborar uma "nova" concepção de Estado ou de hegemonia, mas sim encontrar meios mais eficazes para atingir o objetivo da ditadura do proletariado, enfrentando os obstáculos específicos da sociedade burguesa mais complexa no Ocidente.

Uma questão essencial analisada por Salvadori (2019) que é muito questionada são as “Teses de Lyon” (1926), elaboradas por Gramsci, destacando sua exigência de "bolchevização" do movimento operário. Segundo o autor, Gramsci buscava combater as "correntes que constituíam um desvio dos princípios e da prática da luta de classe revolucionária", rejeitando as "utopias democráticas" sobre o Estado:

"Quando se leem as Teses de Lyon de 1926, para extrair delas aquilo que realmente dizem, podemos ver que são animadas pela exigência de uma bolchevização, ou seja, da luta contra 'as correntes que constituíam um desvio dos princípios e da prática da luta de classe revolucionária' (Gramsci, 1971, p.488), contra as 'utopias democráticas' sobre o Estado (Gramsci, 1971, p.489)." (SALVADORI, 2019, p. 11)


Não negligenciar a atenção de Gramsci às "lutas parciais" tinha como objetivo final a "ditadura do proletariado" e a "fundação do Estado operário". Salvadori (2019) reafirma que Gramsci não via contradição entre a "guerra de posição" (luta pela hegemonia) e a "guerra manobrada" (assalto revolucionário), mas uma correlação funcional entre ambas, visando a conquista do poder:

"Portanto, aqui, pode ser compreendida a raiz da afirmação feita nos Cadernos segundo a qual se faz necessário retardar a 'guerra manobrada' antes que a 'guerra de posição' tenha dado os seus frutos. Não se trata, por isso, de uma contraposição entre os dois conceitos de 'guerra', mas, sim, de uma correlação funcional entre eles." (SALVADORI, 2019, p. 12)


A contextualização do artigo de Salvadori (2019) sobre as “Teses de Lyon” no período em que Gramsci contrapôs sua linha política à de Amadeo Bordiga, ressalta a preocupação de Gramsci em combater a "socialdemocracia" e as forças da "democracia" burguesa. Retomando o debate sobre a utilização instrumental por Gramsci de "palavras de ordem democráticas" como tática para conquistar a direção do movimento operário. Portanto, Salvadori (2019) se opõe à perspectiva de Gramsci aos "defensores mais 'hesitantes' da ditadura e do Estado operário":

"Gramsci valoriza tal aspecto porque diz respeito não só à estratégia na Itália e mais em geral no Ocidente, mas também na própria União Soviética. É dessa maneira, ou seja, à luz da sua teoria da hegemonia, que lemos a afirmação direcionada a Togliatti segundo a qual 'hoje, nove anos depois de outubro de 1917, não é mais o fato da tomada de poder por parte dos bolcheviques que pode revolucionar as massas ocidentais, porque isso já foi realizado e produziu os seus efeitos; hoje, é ativa, ideológica e politicamente, a persuasão (se existe) de que o proletariado, uma vez obtido o poder, pode construir o socialismo.'" (SALVADORI, 2019, p. 13)


A análise detalhada das Teses de Lyon (1926), elaboradas por Antônio Gramsci, enfatizando sua exigência de "bolchevização" do movimento operário. O autor destaca que Gramsci buscava combater as "correntes que constituíam um desvio dos princípios e da prática da luta de classe revolucionária", rejeitando as "utopias democráticas" sobre o Estado. A atenção de Gramsci às "lutas parciais" tinha como objetivo final a "ditadura do proletariado" e a "fundação do Estado operário".

Salvadori ainda analisa a visão de Gramsci sobre a correlação entre a "guerra de posição" (luta pela hegemonia) e a "guerra manobrada" (assalto revolucionário), visando a conquista do poder. O texto contrapõe a perspectiva de Gramsci aos "defensores mais 'hesitantes' da ditadura e do Estado operário".

Não se pode escamotear na concepção de hegemonia gramsciana o fundamento da ditadura do proletariado, em contraste com interpretações que a veem como alternativa à ditadura. Para Salvadori (2019), Gramsci considera Lenin o formulador do "princípio teórico-prático da hegemonia", mas acredita que este não aprofundou as implicações da passagem da "guerra de posição" à "guerra manobrada" no Ocidente:

"Quando expressa a sua célebre fórmula, que tem para ele o valor de um princípio geral de ciência da política: 'A supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como 'domínio' e como 'direção intelectual e moral'', Gramsci é de uma clareza exemplar. A sua preocupação não é, de forma alguma, aquela de atenuar o significado da necessidade para uma classe dominante de aniquilar política e socialmente os adversários; ele reforça sua posição em todas as cartas." (SALVADORI, 2019, p. 14)


 Os desvirtuados da obra gramsciana ao credo liberal, ignoram totalmente que hegemonia, para Gramsci, implica tanto o "domínio" sobre os adversários quanto a "direção intelectual e moral" sobre os grupos aliados, sendo condição para a efetiva ditadura do proletariado. Salvadori (2019) destaca que o "centralismo democrático" do partido revolucionário visa assegurar a direção sobre os aliados, que são apenas as forças econômico-sociais, não outros partidos com perspectivas autônomas:

"Caso possamos perceber tudo isso, torna-se muito claro a afirmação de que: 'Um grupo social é dominante dos grupos adversários os quais tende a 'liquidar' ou a submeter também com a força armada, e também é dirigente dos grupos afins e aliados'. Quando acrescenta que 'um grupo social pode e, aliás, deve ser dirigente mesmo antes de conquistar o poder governamental' (Gramsci, 1975, p.2010-2011), ele continua com um raciocínio perfeitamente coerente com aquele desenvolvido em 1926 acerca do fato de que não se pode conquistar o poder se, enquanto se luta contra os adversários, não se conquista a direção sobre os grupos afins com manobras 'táticas' voltadas a destruir a influência exercida sobre as massas pela 'cadeia de forças reacionárias’." (SALVADORI, 2019, p. 14-15)


 O autor é peremptoriamente contrário à visão de Gramsci à interpretação que vê sua teoria da hegemonia como alternativa à ditadura do proletariado. Antes, o autor destaca a clareza de Gramsci sobre a necessidade de aniquilar política e socialmente os adversários da classe dominante. Portanto, a concepção de Gramsci sobre a hegemonia é uma condição indispensável para uma ditadura efetiva, capaz de dirigir as forças sociais aliadas. Essa afirmativa de Salvadori (2019) contextualiza a teoria do "centralismo democrático" nos Cadernos de Gramsci:

"Toda a sua teoria do 'centralismo democrático' nos Cadernos visa assegurar o princípio da direção do topo sobre a base do partido revolucionário e é uma determinação da hegemonia, interna ao partido, que tem uma de suas determinações futuras na relação entre o partido no seu conjunto e os aliados. Quem são os aliados? São sempre e somente, para Gramsci, as forças econômico-sociais, não outros partidos que se mantêm numa perspectiva autônoma diferente daquela da ditadura do proletariado." (SALVADORI, 2019, p. 15)


 Massimo Salvadori reafirma a concepção gramsciana de hegemonia, contrapondo-a a interpretações que a veem como alternativa à ditadura do proletariado. O autor argumenta que, para Gramsci, a hegemonia é o fundamento necessário para a efetiva ditadura do proletariado, implicando tanto o "domínio" sobre os adversários quanto a "direção intelectual e moral" sobre os grupos aliados.

Salvadori destaca a clareza de Gramsci sobre a necessidade de aniquilar politicamente os adversários, bem como sua teoria do "centralismo democrático" no partido revolucionário, visando assegurar a direção sobre as forças econômico-sociais aliadas. O texto rejeita a interpretação de que a teoria da hegemonia de Gramsci poderia abrir espaço para uma concepção liberal-parlamentar do Estado.

Salvadori (2019) não hesita em reafirmar a concepção de Gramsci sobre o caráter "total" do marxismo, enquanto teoria e práxis, em oposição a outras visões de mundo. Para o autor, Gramsci entende o marxismo como uma "concepção de mundo total e integral", capaz de construir "uma organização prática integral da sociedade", constituindo uma "civilização total e integral":

"É preciso observar como Gramsci reforça nos Cadernos o caráter 'total' do marxismo e como insiste no fato de que o marxismo, na sua unidade de teoria e práxis, não é matéria para 'diálogo' com outras visões do mundo, mas, sim, apenas um meio de conquista das posições alheias com a finalidade de substituir uma hegemonia por outra." (SALVADORI, 2019, p. 16)


 Para Gramsci, o marxismo, em sua "unidade de teoria e práxis", não admite o "diálogo" com outras visões, mas visa a substituir uma hegemonia por outra, no interior do projeto da ditadura do proletariado. A "valorização do fator cultural" e do "aspecto ético-político da hegemonia" por Gramsci visa a difusão do marxismo em luta contra outras concepções de Estado, política e vida. Deste modo, "Apenas tendo presente o que precede, pode-se entender o sentido da valorização realizada por Gramsci do fator cultural, do aspecto ético-político da hegemonia; essa valorização tem por objetivo a busca da difusão do marxismo em luta contra todas as outras concepções e a busca da vida e da política" (SALVADORI, 2019, p. 17).

Salvadori (2019) vai contextualizar a concepção gramsciana do marxismo como "filosofia da práxis" e sua relação com a teoria leninista da hegemonia. Salvadori destaca a ênfase de Gramsci no caráter "revolucionário" da teoria marxista, enquanto elemento de "separação e distinção consciente" em relação a outras filosofias e religiões:

"Não é por acaso que Gramsci sempre atribui a Lenin a gênese daquela elaboração da teoria da hegemonia, que ele próprio busca desenvolver: 'O maior teórico moderno da filosofia da práxis, no terreno da luta e da organização política, tem reavaliado, em termos políticos, o front de luta cultural em oposição às diversas tendências "economicistas", e construído a doutrina da hegemonia como complemento da teoria do Estado-força e como forma atual da doutrina da ‘revolução permanente" elaborada em 1848'." (SALVADORI, 2019, p. 17)


Destacando em sua análise a oposição de Gramsci a uma concepção de partido político que permita a "cisão" entre teoria e prática, entre idealistas, materialistas, ateus, católicos etc. Salvadori (2019) relaciona a valorização do "fator cultural" e do "aspecto ético-político da hegemonia" à necessidade de obter um consenso adequado para a construção do Estado proletário.

Massimo Salvadori ao analisar de forma minudenciada a concepção de Gramsci sobre o caráter "total" do marxismo, enquanto teoria e práxis, em oposição a outras visões de mundo. O autor destaca que, para Gramsci, o marxismo constitui uma "concepção de mundo total e integral", capaz de construir "uma organização prática integral da sociedade", sendo incompatível com o "diálogo" com outras filosofias e religiões.

Salvadori argumenta que a "valorização do fator cultural" e do "aspecto ético-político da hegemonia" por Gramsci visa a difusão do marxismo em luta contra outras concepções, no âmbito do projeto da ditadura do proletariado. O texto também analisa a relação entre a concepção gramsciana do marxismo e a teoria leninista da hegemonia:

"Sintetizando, pode-se afirmar que, segundo Gramsci, o sistema de hegemonia é reconduzido ao sistema de ditadura, podendo existir um sistema de ditadura incapaz de se exprimir em termos de hegemonia, enquanto a hegemonia deve se inserir como especificidade de uma ditadura capaz de resolver, ao mesmo tempo, o momento do domínio sobre as classes adversárias e o da direção sobre as classes aliadas e sobre os grupos afins." (SALVADORI, 2019, p. 18)


Portanto, Salvadori (2019) analisa a concepção gramsciana de hegemonia em comparação com as visões de Croce e Gentile. Sobre esse aspecto, Salvadori (2019) é incisivo ao afirmar que Gramsci se distingue de Gentile ao recusar a identificação entre ditadura e hegemonia, afirmando que pode haver ditaduras incapazes de hegemonia. Não obstante, segundo o autor, Gramsci também se diferencia de Croce, pois não considera a "hegemonia" e a "ditadura", a "sociedade civil" e a "sociedade política", como elementos separáveis. A concepção gramsciana de hegemonia é vista pelo autor como a "maior e mais complexa expressão do leninismo", não uma passagem para uma concepção liberal-parlamentar do Estado:

"Parece evidente, para concluir, que, quando procura o modo de ser adequado de um Estado operário, Gramsci o encontra na concepção de hegemonia. Existe, certamente, um sistema hegemônico burguês fundado no modo de produção capitalista e expresso no Estado democrático-burguês; segundo ele, deve existir também um sistema hegemônico fundado na superação do modo capitalista e expresso naquele Estado que organiza, para as classes e para os grupos pertencentes ao 'bloco histórico revolucionário', formas de 'democracia proletária' e, para as classes e para os grupos hostis ao Estado operário, formas de controle e de repressão baseadas na violência." (SALVADORI, 2019, p. 18-19)


A posição de Gramsci em relação às concepções de Croce e Gentile sobre o Estado e a hegemonia, Salvadori destaca a ênfase de Gramsci na necessidade de a ditadura do proletariado ser capaz de exercer hegemonia sobre as classes aliadas e grupos afins. Sinalizando em sua análise a rejeição por Gramsci de uma concepção de marxismo como "ideologia entre várias outras" e de um partido que permita a convivência com "crenças religiosas e doutrinas de diferentes matrizes".

Expondo a objeção em relação a visão de Gramsci à interpretação que veria sua teoria da hegemonia como uma "ponte de passagem" entre o leninismo e uma concepção liberal-parlamentar:

"Em resumo, acredito que se deva afirmar com firmeza que a teoria da hegemonia gramsciana é a maior e mais complexa expressão do leninismo, e de maneira alguma uma ponte de passagem entre o leninismo é uma concepção da luta política e do Estado que opõe o sistema da hegemonia ao sistema da ditadura e do Estado tal como se expressam em Lenin, ao qual Gramsci, como se quisesse evitar qualquer mal-entendido futuro, refere-se como o São Paulo do marxismo (Gramsci, 1975, p.882)." (SALVADORI, 2019, p. 19)


A concepção gramsciana de hegemonia em contraste com as visões de Croce e Gentile. O autor destaca que Gramsci se distingue de Gentile ao recusar a identificação entre ditadura e hegemonia, afirmando a possibilidade de ditaduras incapazes de hegemonia. Da mesma forma, Gramsci se diferencia de Croce ao não considerar a "hegemonia" e a "ditadura", a "sociedade civil" e a "sociedade política", como elementos separáveis. Salvadori argumenta que a teoria da hegemonia de Gramsci representa a "maior e mais complexa expressão do leninismo", não uma "ponte de passagem" para uma concepção liberal-parlamentar do Estado. O texto rejeita a interpretação que veria a hegemonia gramsciana como alternativa à ditadura do proletariado.

Uma das questões pouco discutidas atualmente é a “III Internacional”, aqui resgatada por Salvadori (2019), destacando a motivação profunda do "leninismo estrutural" de Gramsci, ligada à sua interpretação da natureza da época histórica e à análise teórica do Imperialismo de Lenin. Gramsci estava convencido de que as condições objetivas para a revolução proletária já existiam há muito tempo na Europa.

A oposição de Gramsci à teoria do "social-fascismo" e à linha política aventureira da III Internacional decorreria de sua discordância em relação à concepção esquemática das premissas da ditadura do proletariado. Para o autor, isso é possível, "Apenas quando nos damos conta dessa concepção, pode-se notar de modo adequado o verdadeiro significado da oposição de Gramsci à teoria do social-fascismo e à linha política aventureira da qual descendia" (SALVADORI, 2019, p. 20).

Para Gramsci, a "Constituinte" representava uma tática para conquistar os aliados do proletariado e chegar à ditadura do proletariado, não uma concepção "democrática" de transição. A visão de Gramsci, segundo Salvadori (2019), é de que havia maturidade objetiva do socialismo e sua crítica à linha política da III Internacional, afirmando que "Existia, portanto, uma oposição entre duas concepções existentes tendo como único objeto as bases da ditadura do proletariado" (SALVADORI, 2019, p. 21).

Ele destaca a ênfase de Gramsci na necessidade de construir a dimensão "hegemônica", além da simples conquista do poder. O autor analisa a interpretação de Athos Lisa sobre a concepção de Gramsci acerca do papel da "Constituinte" e da "República dos Soviets" como objetivos do partido revolucionário:

"Pode-se compreender bem o motivo pelo qual, a fim de evitar equívocos possíveis em torno de uma interpretação 'democrática' de sua concepção do papel da Constituinte, Gramsci lembrava que ‘na Rússia o art. I do programa de governo do partido bolchevique compreendia a “Constituinte”'; e por qual motivo concluía dizendo que a palavra de ordem do partido deveria ser: ‘República dos Soviets operários e camponeses na Itália'.” (SALVADORI, 2019, p. 21-22)


Uma alerta providencial contra uma interpretação "mutilada" da teoria da hegemonia de Gramsci, desvinculada de sua perspectiva revolucionária. "Não dar conta de tudo isso ao interpretar a teoria da hegemonia de Gramsci, tal como desenvolvida nos Cadernos, significa mutilá-la, servindo para uma atualidade política completamente estranha ao delineamento e à perspectiva de Gramsci" (SALVADORI, 2019, p. 22).

Para Massimo Salvadori, a concepção de Gramsci em relação à III Internacional e sua crítica à teoria do "social-fascismo". O autor destaca que a motivação profunda do "leninismo estrutural" de Gramsci estava ligada à sua interpretação da maturidade objetiva do socialismo na Europa. Salvadori argumenta que a oposição de Gramsci à linha política da Internacional decorria de sua discordância quanto à concepção esquemática das premissas da ditadura do proletariado, enfatizando a necessidade de construir a dimensão "hegemônica".

O texto enfatiza que a concepção de Gramsci sobre o papel da "Constituinte" e da "República dos Soviets" estava alinhada com a perspectiva revolucionária, rejeitando interpretações que "mutilam" sua teoria da hegemonia. "Isso significa que as instituições democrático-burguesas e as suas expressões estatais se tornaram o meio no qual, e para toda uma nova época histórica (que é a atual), os partidos comunistas deveriam encontrar seu lugar." (SALVADORI, 2019, p. 23)

Salvadori (2019) considera que houve o abandono da concepção gramsciana, e busca na a evolução histórica pós-nazifascismo, com a reconstrução capitalista liderada pelos EUA, tornou irrealista o projeto revolucionário e a "guerra de posição" de Gramsci. Nesse novo contexto, o PCI desenvolveu uma concepção de "hegemonia" radicalmente diferente da de Gramsci, pautada na aceitação das instituições parlamentares e do "pluralismo" ideológico-político:

"Para Gramsci, coerentemente com o seu leninismo 'estrutural', a democracia representava três coisas somente: 1) um meio de 'reflexão' entre os políticos iguais (ou seja, entre os comunistas) sobre os pressupostos e as modalidades de suas ações; 2) um meio para dirigir forças sociais 'subalternas'; 3) um meio de permitir ao partido revolucionário reunir as forças necessárias para 'destruir', com racionalidade e persuasão, os falsos ídolos que ainda dominam as consciências dos aliados 'subalternos' e, portanto, para criar as bases da ditadura sobre os alicerces ativos do velho mundo." (SALVADORI, 2019, p. 25)


Essa nova concepção de "hegemonia" do PCI significou o abandono da perspectiva gramsciana da construção do Estado operário e da "ditadura do proletariado", voltando-se para a "conquista da direção do Estado parlamentar". "Eis aqui uma concepção de 'hegemonia' totalmente diferente daquela de Gramsci." (SALVADORI, 2019, p. 26)

O texto aponta como o PCI, posteriormente, passou a se "utilizar" de Gramsci, destacando aspectos de sua teoria da hegemonia que se coadunam com a nova estratégia, enfraquecendo outros elementos ligados à ditadura do proletariado.

A análise de Gramsci sobre o capitalismo, segundo Salvadori (2019), trata do fascismo e a iminência da revolução social. Salvadori destaca a concepção gramsciana do "pluralismo" como algo distinto da "livre concorrência" entre visões de mundo no parlamentarismo burguês. O autor analisa como a evolução do PCI foi, inicialmente, determinada por fatores socioeconômicos, e não apenas por motivos doutrinários. Destacando a "disjunção" entre "hegemonia" e "ditadura" como uma tendência na interpretação do PCI da teoria gramsciana:

"Posteriormente, outros aspectos da teoria da hegemonia de Gramsci foram 'colocados em surdina' (precisamente aqueles ligados a uma concepção expansiva da ditadura do proletariado), o que confirmava uma interpretação, segundo a qual as críticas que Gramsci direciona a uma ditadura sem 'hegemonia' poderiam abrir, ao menos implicitamente, caminho para a 'disjunção' entre hegemonia e ditadura." (SALVADORI, 2019, p. 26)


 O abandono da concepção gramsciana de hegemonia pelo PCI, em decorrência das transformações sociopolíticas no pós-Segunda Guerra. O autor argumenta que a reconstrução capitalista liderada pelos EUA tornou irrealizável o projeto revolucionário de Gramsci, levando o PCI a desenvolver uma concepção de "hegemonia" baseada na aceitação das instituições parlamentares e do "pluralismo" ideológico-político, em oposição à perspectiva gramsciana da construção do Estado operário e da ditadura do proletariado.

Salvadori destaca como o PCI passou a se "utilizar" seletivamente de Gramsci, enfatizando aspectos de sua teoria da hegemonia que se coadunam com a nova estratégia e enfraquecendo elementos ligados à ditadura revolucionária. "A teoria da hegemonia do PCI é, contrariamente, expressão da tentativa de elaborar uma estratégia sobre a base fundamental da aceitação das instituições existentes no Ocidente e da liquidação progressiva da fase histórica do stalinismo" (SALVADORI, 2019, p. 27).

Salvadori (2019) destaca outro aspecto, não menos importante, trata do que ele chamada de “a sabedoria católica do PCI”. Trata-se da estratégia atual do PCI se distancia radicalmente da concepção teórica de Gramsci, tanto em termos de meios quanto de objetivos. A teoria da hegemonia do PCI é a expressão da tentativa de elaborar uma estratégia baseada na aceitação das instituições existentes no Ocidente e na liquidação do stalinismo.

Para o autor em debate, a política do PCI se aproxima mais das concepções socialdemocratas do que da visão leninista e gramsciana, com exceção de um "resíduo" leninista na organização interna do partido. Salvador (2019) faz a crítica ao o "clericalismo marxista" do PCI, que recorre a uma relação "clérico-celebrativa" com o passado, sem fazer uma admissão clara de suas responsabilidades teóricas.

Destaca a necessidade de o PCI se libertar dos "taticismos teóricos" e confrontar-se de modo mais claro com sua "tradição" teórica. Salvadori vai destacar que "Pedir ao PCI para sustentar a sua prática num confronto menos 'taticista' com o patrimônio teórico passado responde não apenas a uma exigência de 'verdade', mas, também e sobretudo, a uma exigência política" (SALVADORI, 2019, p. 27).

Argumenta que a estratégia do "compromisso histórico", do "pluralismo ideológico" e da transformação "democrática" do Estado não possuem relação com o pensamento de Gramsci. Sinalizando que:

"Parece-me claro, em todo caso, que a estratégia do 'compromisso histórico', o 'pluralismo ideológico', a luta pela transformação 'democrática' do Estado não possuem relação alguma com o pensamento de Antonio Gramsci, o maior e mais criativo intérprete do leninismo histórico, e assinalam um giro definitivo contrário a tal pensamento." (SALVADORI, 2019, p. 28)


 Aponta que a história limita a capacidade de qualquer um viver "para além de certo limite de acúmulos construídos no passado". Enfatizando a necessidade de maior "verdade" e "realismo" como fundamento da política da esquerda italiana. Argumentando que: "agora que o socialismo se encontra diante de situações difíceis, é necessário proceder com a total admissão de suas responsabilidades, em primeiro lugar, teóricas." (SALVADORI, 2019, p. 28)

Massimo Salvadori faz uma crítica a forma como o PCI abandonou a concepção gramsciana de hegemonia em favor de uma estratégia baseada na aceitação das instituições democrático-burguesas e na liquidação do stalinismo. O autor argumenta que a teoria da hegemonia do PCI se distancia radicalmente da visão de Gramsci, aproximando-se mais das concepções socialdemocratas. Salvadori questiona o "clericalismo marxista" do PCI, que recorre a uma relação "clérico-celebrativa" com o passado, sem realizar uma admissão clara de suas responsabilidades teóricas. O texto enfatiza a necessidade de o PCI se libertar dos "taticismos teóricos" e confrontar-se de modo mais direto com sua "tradição" teórica, para alcançar maior "verdade" e "realismo" em sua política.

Portanto, a meu ver, continua existindo a necessidade de revisitar a atualidade crítica da teoria da hegemonia de Antônio Gramsci, resgatando sua concepção revolucionária e seu enraizamento na tradição leninista. Diante do abandono da concepção gramsciana pelo Partido Comunista Italiano, a análise de Salvadori (2019) se revela fundamental para a compreensão dos desafios contemporâneos que se impõem à esquerda, no sentido de recuperar o legado teórico-prático de Gramsci e reafirmar a centralidade da luta revolucionária, centralismo democrático e a ditadura do proletariado.



[1] SALVADORI, Massimo. Gramsci e o PCI: duas concepções da hegemonia. Traduzido por Davi Pessoa Carneiro. In: LavraPalavra, 9 de dezembro de 2019.


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