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Descolonizar a cidade com o Ilê do quilombeco de "Vó Dola"
Foto: Blog do Anderson |
*por
Herberson Sonkha
O fluxo da africanidade que circula na parte alta da Rua das Pedrinhas, uma das mais antigas da cidade, é uma espécie de baobá africano que conecta tempos imemoriais de um mundo sobrenatural ao caótico e escasso mundo material para as populações negras no Brasil. Uma fonte inesgotável de conhecimento atravessado por oralidades do além-mar. Vozes da mãe África que clamam pela maternidade aonde você for, um "falador" que veio com nossos ancestrais há séculos no Brasil.
Lá de
cima do Ilê, conforme o ìtan iorubá, rege a casa do orixá Xangô com Iansã, Oxum
e Obá. O orixá viril, atrevido, violento e justiceiro, que castiga os
mentirosos, os ladrões e os malfeitores. A africanidade constitui-se dessa
força sócio histórica e cultural que desponta nas Pedrinhas, transcendendo o
"gueto" para ganhar a ladeira feito rebento sob o comando da amazona
justa, àquela da sociedade elecô, a grande Obá, uma iabá justa e combativa.
Os
acontecimentos precisam ser desembaraçados no tempo-espaço, no sentido de fazer
justiça passando a limpo à história, mostrando a crueldade dos colonizadores,
ao impor privações materiais, intelectuais, culturais e linguística iorubá. São
fatos praticado por aqueles que invadiram a região e promoveram o mais
sangrento massacre de povos originários (Pataxós, Mongoiós e Aimorés) e
quilombola. Mas, o aquilombamento "Vó Dola" permanece vivo e
resistindo a tudo isso.
Embora
estejamos cercados por estúpidos conservadores de direita de ontem e os boçais
de ultraconservadorismo de extrema-direita (negacionistas e genocidas
bolsonaristas) de hoje, instalados e organizados politicamente na sociedade
civil e nas instituições dos três poderes constituídos do Estado, seguimos
lutando contra a tentativa de rescrever a história com a narrativa "heroica
do vencedor" branco colonizador. Não aceitamos a imposição do falseamento
de fatos como base em suposições a-históricas, não podemos nos furtar ao bom
combate e nem recusar a boa fonte historiográfica, pois o baobá africano ainda
tem água fresquinha do conhecimento.
Não
obstante a banalização de mortes negras, querem acabar com o pensamento da
intelectualidade afrodescendente. Incitam os trolls fascistas a queimar os
únicos livros que dão conta de nossa História; desmontar políticas públicas de
reparação social, econômica, cultural e política que visam, corrigir
desigualdade raciais; desqualificar as pesquisas e negar os pressupostos do
conhecimento científico produzido por intelectuais, escritores e pesquisadores
afrodescendentes dentro e fora da academia.
Tempos
difíceis se abatem sobre o país, mas não devemos (e nem podemos) ter nenhum
receio em fazer o enegrecimento sobre quem somos, de onde viemos e sobre os
caminhos (e descaminhos também) que nos trouxe até aqui. Neste momento de
retorno a tempos sombrios, nada mais enegrecedor do que a escrita da
historiadora, professora e escritora Maria Aparecida Silva de Souza para
desconstruir a imagem "conquistador" dessa região e fundador da
cidade.
Maria
Aparecida (2001) faz apontamentos importantes sobre a natureza violenta e
criminosa dos homens à serviço da Coroa Portuguesa na Bahia, desde o período do
Brasil Colônia. Uma obra que "revela o exercício de uma prática
militarista, de completa dizimação ou desagregação das nações indígenas e
comunidades quilombolas".
O
quilombeco e Ilê de "Vó Dola" são vozes negras de tempos imemoriais
que ressoam com a potência necessária para vocalizar sua pertença negra em uma
cidade que passa pelo branqueamento como adequação ao arquétipo civilizatório
Europeu. Joga-se para debaixo do tapete as atrocidades e as responsabilidades
com quem construiu com trabalho escravo a riqueza, bens de produção, bens
culturais, produz alimentos e continua erguendo arquiteturas sociais
excludentes, a exemplo dos antigos e opulentos casarões coloniais no entorno da
igreja matriz para oligarquias, sobretudo da família Gonçalves da Costa, cujo
último representante teria sido o engenheiro José Pedral Sampaio.
O que
houve em 2016 foi a retomada com a debandada de esqueletos ultraconservadores
escondidos no subconsciente da população brasileira, alienada há séculos por
uma educação conservadora bancária, para a política e a ascensão à
institucionalidade. Se antes enfrentávamos o racionalismo conservador branco
eurocêntrico, agora enfrentamos a sanha fascista da anti-ciência
ultraconservadora, igualmente branca.
Vitória
da Conquista não está livre desses facínoras que negam peremptoriamente que
tenha ocorrido a chacina e a construção do Arraial da Conquista (séc. XVIII)
sobre os escombros cadavéricos de povos originários no famoso “Banquete da
Morte” (entre 1803 e 1806). Um episódio macabro promovido por homens vindos do
mundo dito civilizado, vide a arquitetura de eugenia social do pusilânime João
Gonçalves da Costa após ver seus saldados, em vantagens porque estavam
fortemente treinados e armados, não lograr êxitos sobre os povos originários.
Tratava-se
de povos guerreiros e sua bravura sobressaiu na resistência à ocupação do
território. O meticulosamente covarde Gonçalves da Costa urdiu canalhamente uma
suposta trégua e ofereceu uma festa para celebrar a "paz".
Entretanto, na prática, a tática era embriagar o povo Mongoyó para aproveitar a
guarda aberta e exterminá-lo. E assim o fez, assassinando implacavelmente
mulheres, crianças e idosos indefesas.
Laura
de Mello e Souza (2010) em seu trabalho historiográfico sobre o interior da
capitania da Bahia, Piauí e o norte de Minas Gerais que margeia à esquerda com
o Rio São Francisco, nos diz sobre um conjunto geoespacial já constituído no
período de 1640 a 1750" (SOUZA, 2010). Esse processo de demarcação de
terras pelo colonizador consolidou os limítrofes do sertão baiano,
provavelmente o extermínio beligerante de povos originários e quilombolas tenha
alcançado essa região localizada entre o Rio Pardo e o Rio das Contas, a partir
da década de 70 do século XVIII, possivelmente nesse período ocorre o
embrionário povoamento e a delimitação pelo colonizador dessa região como sendo
"Sertão da Ressaca".
De uma
região inóspita, habitat natural de diversos povos, regrediu-se à condição de
colônia de exploração e povoamento. A coroa portuguesa transformou o cenário
natural dos povos originários em zona de extermínio, ficando apenas o
povoamento constituído por africanos escravizados e portugueses. À medida que
avançava o processo de extermínio, exploração em regime de servidão,
desmatamento, expropriação de riquezas minerais, cativeiro e povoamento
partindo do litoral em direção às regiões fechadas ao norte, denominou-se
territorialmente de sertão.
Portanto,
sertanejo é uma invencionice portuguesa para descaracterizar não europeus, uma
subcategoria do sistema colonialista para criminalizar toda e qualquer pessoa
não-branca e que não nasceu na metrópole, de sertanejo, ou seja, de colono.
Neste sentido, o colono é o jeca, alguém limitado cognitivamente e
materialmente. O sertanejo é o colono subsumido da categoria civita e não
pertence a cidade, que perde o sentido de urbe e polis, sendo diluída numa
geleia geral estereotipada de "interior".
Talvez,
aqui estejam as raízes para uma possível explicação razoável para o senso comum
do soteropolitano, de modo geral (único partícipe da capital, a civita
metropolitana) considera que, ao vir à Vitória da Conquista, está indo a um
povoamento pauperizado formado por gente sem instrução das ISE's, um lugarejo
entrecortado por uma BR ou BA que, a maior empresa, seja um posto de gasolina
velho sem bandeira.
Portugal
na fase de expansão do ciclo de colonização deu início ao processo de
extermínio, desconstrução e silenciamento de identidades de povos originários,
africanos e ciganos a partir de 1752 com a ocupação territorial denominada de
sertão. O enraizamento do sistema colonial logrou êxito e a mentalidade de colono
que povoa o imaginário coletivo é tão profunda e resistente que ainda opera
valores conservadores de manutenção da dominação, sobretudo de racismos na
cabeça das pessoas.
Ainda
hoje imperialista estadunidense chega ao Brasil como sendo o único detentor da
outorga civilizatória que o autoriza a classificar governo populista de
centro-esquerda como comunista e antidemocrático por serem reeleitos várias
vezes. Esta é a justificativa para o financiamento de golpes de Estados
sanguinários, vaticinando um "alvissareiro" crescimento econômico.
A
reminiscência colonialista ainda ronda a cabeça desses soteropolitanos. Por
isso, eles se acham mais civilizados, evoluídos e detentores de condições
materiais e intelectuais mais avançadas que os colocam em condições de
superioridade em relação às pessoas nascidas ou que vieram morar aqui no
município de Vitória da Conquista.
A voz
de resistência negra contra todas as formas de colonização contemporâneas, um
canto de uma cidade negra que solta o seu timbre forte o suficiente para
desfazer os "mal-entendidos" criados por uma gente branca que querem
Vitória da Conquista como a "suíça baiana". A grita generalizada é a
voz uníssona da resistência política negra desde a ocupação territorial, a luta
contra fac-símiles escravagistas contemporâneos, os novos senhores de escravo,
seus camburões, novos métodos de tortura e o extermínio da juventude negra
silenciado pelos "doutos" representantes políticos não só da
extrema-direita, mas do governo da Bahia.
É a
marujada quilombola urbana e candomblecista, confrontando todas as formas de
opressões, racismos dos brancos ao longo de mais de 500 anos. É a fina flor do
samba de roda no quilombo urbano e na casa candomblecista (angola) mais
tradicional da cidade, espalhando seu pólen cultural africano pelas ruas da
cidade subjugada pelos promotores da eugenia social e branqueamento, com a
finalidade de fecundar o orí com a afro descendência para enegrecer a cidade.
Essa é
a verdadeira consciência negra que vai de encontro as barbaridades racistas na
especialidade urbana predominantemente preta. Mas, são os brancos que dominam e
mandam na cena socioeconômica da cidade, e, o fazem também por meio de seus
representantes no parlamento e no executivo. São capatazes e mandatários
conservadores que não hesitam em silenciar e invisibiliza as populações negras
da cena social, econômica, cultural e política da cidade.
Não há
como não buscar a história por detrás dessa força social que compõem um
percentual populacional de 76,3% (IBGE, 2010) de autodeclarados pretos e pardos
(pardo de pardal e mulato de mula são resquícios do racismo que atravessa os
dados estatísticos produzidos) subindo e descendo as ruas do bairro.
Principalmente depois da lei 10.639 que institui o ensino de "história e
cultura afro-brasileira" e o dia 20 de novembro para culminação de
projetos sobre o Dia da Consciência Negra dentro do calendário escolar.
Depois
de mais de cinco séculos e muita pressão do Movimento Negro brasileiro é que se
começou a buscar corrigir essas desigualdades étnico-raciais no Brasil. Somente
em 2003 se alterou a LDB 9.394/96 para inserir na programação curricular de
escolas municipais e estaduais conteúdos de história (com dialogo
transdisciplinar) da África, a escravização negra e suas descendências no
Brasil. Inevitavelmente, essa mudança desmistifica as "estórias"
contadas em livros didáticos pelos vencedores por meio da pesquisa; estudos de
literaturas em todas as áreas do conhecimento relacionadas as questões
étnico-raciais; rodas de conversas com debates no âmbito das atividades
pedagógicas.
Obviamente,
que isso depende muito do estofo intelectual e da disposição política
institucional da direção escolar, apoiada por uma proposta político pedagógica
endógena com base na lei 10.639. Sem isso, dificilmente se viabiliza projetos
dessa magnitude que possa envolver os profissionais da educação, os discentes e
a comunidade escolar. A escola não é (e nem pode ser) uma unidade prisional ou
religiosa, muito menos uma escola dogmaticamente militarizada, voltada para
resolver problemas estruturais como se fosse um caso de polícia.
A
despeito dessa "insubordinação e violência estudantil" nas escolas
públicas, em sua maioria periféricas, não se supera com reducionismos ignorando
níveis de complexidades que encera essa faixa etária de vida, constituída por
diversas juventudes. Mas, convenhamos
que não passa de uma manobra para camuflar as contradições do capital e seus
capitalismos, os verdadeiros vilões responsáveis por todas as mazelas na
sociedade. A finalidade é desviar-se da natureza das desigualdades, das
discriminações e das opressões na sociedade.
Em
certa medida é isso que acontece com as populações negras, pois a escola da
periferia pensada por esses suprematistas deve ser uma verdadeira fortaleza
para que os de fora não entrem, e, nem os de dentro não saiam. Alegam em sua defesa
o "mau comportamento" dessa juventude capitaneada pela criminalidade
que põe em risco à disciplina como mantenedora da "ordem e os bons
costumes".
Esse
mecanismo de controle e estabelecimento da moral burguesa conservadora,
transforma a escola em espaço de captura do sujeito "desajustado" que
ameaça a sociedade, tirando-o do convívio social para o adestramento e, depois,
devolve-lo docilizado e conformado ideologicamente a essa mesma sociedade que
não o reconhece como sujeito portador de direito.
Não
podemos nos furtar à análise crítica da escola como espaço para disciplinar
juventudes criminalizadas pejorativamente como anárquicas (não necessariamente
desenvolver a capacidade cognitiva, o domínio do instrumental teórico e o
exercício da criticidade do mundo) com a necessidade extremada de manter a
ordem e progresso. Essa mentalidade ultraconservadora ainda é utilizada em
muitas escolas porque seus dirigentes são ultraconservadores e, por isso, está
sob a mira infalível da "rebeldia politizadas" dessas juventudes há
muito tempo.
Felizmente
este não é o caso da escola local (Escola Municipal Antônia Cavalcanti e
Silva), pois a compreensão sobre a africanidade passa pelo Ilê e pelo quilombo
Bêco de Vó Dola. O panóptico foucaultiano é um referencial analítico crítico
para compreender o papel da escola como primeira instituição disciplinar da
sociedade moderna que captura jovens. Um conceito desenvolvido no século XVIII
pelo filosofo e economista liberal inglês Jeremy Bentham, retomado criticamente
pelo pensador Michel Foucault (1926-1984) em sua obra Surveiller et Punir:
Naissance de la prison - "Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão".
Depois
desse papel político pedagógico sobre a pertença negra realizado pela escola
Antônia Cavalcanti e Silva não se pode mais dizer que essa temática tão urgente
passa mais despercebida. Não se movimenta no bairro sem notar a cor, o cabelo,
o gingado, as contas, os turbantes, as vestes, os atabaques, as músicas
atravessadas pela cultura de terreiro. Essa apropriação pela proporção
majoritariamente negra do tecido social nas Pedrinhas tem acesso aos saberes
das matrizes religiosas originariamente constituídas por povos Bantos, Nagô e
Jeje.
Não se
pode negar que a reminiscência da cultura do "Bêco de Vó Dola" guarda
fortes laços com o continente africano, berço da espécie homo sapiens nos
últimos 50 mil anos no leste da África, depois caminhar por mais de 350 mil
anos. Inegavelmente nessa caminhada o comportamento humano deu saltos
consideravelmente evoluídos (cérebro bastante desenvolvido e muitas
capacidades: raciocínio abstrato, a linguagem, a introspecção, a resolução de
problemas complexos e etc.).
O que
não impediu que os condutores dessa predatória locomotiva civilizatória
eurocêntrica promovessem a pilhagem de riquezas e a diáspora africana, dando início
a escravidão moderna no século XVI, inicialmente no Caribe. Um escravismo
absolutamente diferente da escravidão Romana ou Árabe como analisou Marx e
Engels (1846) na obra "A miséria da filosofia". Esse processo de
encarceramento e escravização iniciado contra os povos originários da África
(saariana (região norte) e a África subsaariana (região sul) chega a Vitória da
Conquista por meio da "sertanização" dizimadora, vindo da costa
litorânea em direção ao norte do país.
Vitória
da Conquista não ficou de fora dessas crueldades, um dos períodos mais
tenebrosos da humanidade, marcado pelo jugo, pelo silenciamento e pelo intenso
depauperamento de povos africanos que trazem consequências danosas a toda uma
linhagem de descendência africana no Brasil até os dias de hoje.
Em
certa medida, sem nenhum determinismo economicista, isso explica o porquê do
bairro Pedrinhas ter um perfil enegrecido de classe trabalhadora braçal com
nível socioeconômico extremamente rebaixado. Deve-se ao excludente e famigerado
sistema capitalista mundial branco se considerarmos que a "escravidão é
uma categoria econômica da mais alta importância” para o desenvolvimento do
capitalismo, pois é estruturante na primeira fase do sistema capitalista como
sugere Karl Marx e Friedrich Engels.
Enquanto
não superarmos essa herança colonialista maldita, legatária de todas as formas
de racismos (estrutural, institucional e religiosa), devemos resistir
organizadamente e confrontar o capitalismo visando destrui-lo em algum momento
da história. Portanto, sem confrontar o capital não conseguiremos criar as
condições históricas necessárias para acabar com os resquícios deletérios da
escravidão contemporânea no Brasil.
Mesmo
resistindo, perdemos a todo instante uma pessoa negra para essa locomotiva
racista da morte e isso não comove as pessoas e nem assusta a sociedade
adormecida pelo processo de coisificação. O quilombo e o candomblé de "Vó
Dola" é a resistência de uma espacialidade, enriquecida pela produção
cultural de tradição candomblecista angolana. Um ganho irrecusável para a luta
de resistência e combate aos racismos.
Ter
consciência histórica de que essa porção negra da população conquistense foi
mantida em estado de pauperização pelo Estado, pelo aviltamento escravagista de
políticos brancos, todos representantes das oligarquias locais que se formaram
embrionariamente no século XVIII. Essa marginalização dos brancos da "Rua
Principal" é uma herança maldita dos senhores de casa grande, ressignificados
culturalmente nos barões do café surgidos a partir da década de 1970. Um
movimento socioeconômico da classe dominante para territorialização do capital
cafeeiro e consolidação de espaços agrários no Planto de Conquista.
A
cultura predominantemente branca de caráter supremacista está com o mando de
campo e seus representantes continuam promovendo seus racismos. Não é por acaso
que até hoje se pratica em muitas fazendas de Vitória da Conquista o trabalho
análogo à escravidão com afrodescendentes. Como vocês acham que essa gente
branca preguiçosa fizera fortuna para serem consideradas ricas? Como essas
pessoas que não "vivem do suor de seus próprios rostos" sustentavam
seus luxos, vaidades e seus opulentos casarões que circundavam a igreja matriz
no final do século XIX?
Óbvio
que sempre foi com a mão de obra negra escravizada de ontem, e que se mantem
atualmente com o trabalho análogo a força de trabalho escrava a partir das
sucessivas reformas (trabalhista, previdência, fiscal e política) anti-classe, anti-raça
e anti-gênero. A população negra sempre foi criminalizada pela burguesia branca
(reproduzida fielmente pela classe média), manteve a privação da vida material
e intelectual para que pudesse ser colocada coercitivamente à margem da
sociedade.
Ontem
pela lei da vadiagem (vadiagem é uma contravenção prevista no artigo 59 do
decreto-lei 3.688 de 1941), seguida pelas aterrorizadas perseguições dos
"Jeep's" de forças policiais, ordenadas pelos barões do café. Não é
muito diferente da justificativa de hoje (auto de resistência), um instrumento
legal que banaliza o extermínio de jovens negros ou espancamento de populações
negras em camburões de um policiamento letal - representada realisticamente por
duas tíbias entrecruzadas, uma caveira com uma espada cravada no crânio como
símbolo de morte a pretos pobres nas periferias, favelas e morros.
A
justificativa para o "apartheid" é a tal
"meritocracia" que burla a situação em que somos subjugados.
Condenados a viver sem acesso à educação, sem qualificação necessária ao acesso
do mercado de trabalho, a negação e demonização cristã de nossa ancestralidade
e alheamento como mecanismo de privação da vida material e intelectual, só nos
restou um lugar: o da não-pessoa. Um lugar ermo do silenciamento e da
invisibilização que nos sentencia ao mais absoluto esquecimento. Esse lugar
inóspito da desinformação que só reforça a ausência de negros e negras na
história da cidade de Vitória da Conquista – Bahia.
A
cidade que resulta da invasão, ocupação, dominação e escravização beligerante
praticada por parvos europeus à povos originários daqui e da África é essa
cidade que as Pedrinhas denuncia há décadas. Essa violência institucional e da
sociedade civil contou com a auspiciosa atrocidade do Estado e seus agentes
públicos de segurança, havidos por praticar todas as formas de torturas e
homicídios inimagináveis.
Tudo
isso começou lá no Brasil Colônia pela coroa portuguesa (com permissão da
igreja católica apostólica romana branca) e em Vitória da Conquista a partir
dos anos de 1750. Um movimento de colonização sob a égide do bárbaro João
Gonçalves da Costa (escravo alforriado), exterminador de povos originários que
habitava essa região em busca de metais preciosos.
A
motivação inicial do mundo "civilizado", ou melhor, dos liberais
europeus civitas, era a busca no novo mundo por metais preciosos para resolver
uma crise econômica que causou escassez de ouro como lastro de riqueza de
impérios europeus falidos. Por detrás desse discurso armado coexistia o
desenvolvimento de outras atividades, a exemplo da eliminação sumaria de povos
originários que resistiam a morte, tortura e maus tratos. Além do
encarceramento de populações e sujeição ao trabalho forçado como mão de obra
escrava para dar início à exploração desses metais para abarrotar os cofres da
metrópole portuguesa com o ouro e prata do Brasil.
O
"Bêco de Vó Dola" canta o que diz os Estudos (SOUSA, 2001) ao apontar
que o berço de nossa civilização deita raízes em nossos antepassados vindos da
África. É uma denúncia das consequências desastrosas da entrada do preto forro
João Gonçalves da Costa nessa região denominada de "Sertão da
Ressaca" contava em suas atividades com a presença de africanos
escravizados. Embora muito antes dessa barbáre portuguesa feita por Costa em
nossas terras, os povos originários já haviam acolhido africanos na região que
fugiam do sistema escravagista.
Tratava-se
da resistência política organizada africana realizadas por quilombos, pois
documentos com data de 1727 nos diz que Pedro Leolino Mariz, português
"descobridor" de metais preciosos por essas cercanias, delegou a
André da Rocha Pinto “encontrar metais preciosos, estabelecer fazendas de gado,
matar índios que se opusessem à conquista, estabelecer aldeias e destruir
quilombos que fossem encontrados” (TORRES, 1996).
Ao que
parece ter ocorrido para posteriori inclusão na memória e na história da
cidade, transformando o "fundador" em herói, numa sociedade
inexoravelmente branca de nossos tempos, após o violento e criminoso processo
de invasão, ocupação e colonização empreendida por este escravo alforriado, foi
o branqueamento do preto forro João Gonçalves da Costa.
Ele
aparece como um português (branco) desbravador, um bandeirante pioneiro,
sertanista estabelecedor das bases civilizacionais da coroa portuguesa e o
sacro império romano que lutou corajosamente com iguais condições, mas com
superior desenvoltura na arte da guerra contra "aborígenes" e suas
"selvagerias", as plagas (quilombolas e povos originários) para
fundar a cidade de Vitória da Conquista.
Uma
das invencionices do branco europeu nunca existiu, pois jamais houve qualquer
guerra no século XVIII no "sertão da ressaca". O que mesmo foi
extermínio, massacre das forças imperiais (do céu cristão e da terra) porque as
condições eram infinitamente desfavoráveis aos povos originários e povos
africanos.
A
bravura se deve a resistência política dos povos originários e de africanos
organizados em aldeias ou quilombos. Fora dessa perspectiva o que se tem notícias
em diversos estudos é de extermínios realizados por homens covardes, violentos,
estupradores e assassinos que aproveitaram as "fragilidades" para
saquear, escravizar, pilhar terras e riquezas naturais do Brasil.
Na
única oportunidade que tiveram para travar combates numa guerra
"justa" entre o império Português e o beligerante Reino Unido da era
napoleônica, hesitaram por covardia o confronto em igualdade de condições e
fugiram com rabinho entre as pernas. Deixou Portugal à própria sorte,
abandonando o front de batalha de maneira acossada pelo imperador
francês Napoleão Bonaparte.
A
"justificativa" para tamanha covardia dos portugueses foi uma
oposição ao Bloqueio Continental imposto pela Franca com a finalidade de
proteger vantagens para a coroa portuguesa oferecidas pelo acordo com o império
inglês. Império contra império, por isso D João e Dona Maria I fugiram
covardemente às escondidas na madrugada de 29 de novembro de 1807 para o
Brasil. Mas, as populações negras permaneceram no Brasil e resistiram desde
sempre, a exemplo do quilombo urbano "Bêco de Vó Dola" nas Pedrinhas.
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