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segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Descolonizar a cidade com o Ilê do quilombeco de "Vó Dola"

Foto: Blog do Anderson

  "A voz de resistência negra contra todas as formas de colonização contemporâneas, um canto de uma cidade negra que solta o seu timbre forte o suficiente para desfazer os "mal-entendidos" criados por uma gente branca que querem Vitória da Conquista como a "suíça baiana". 

*por Herberson Sonkha



O fluxo da africanidade que circula na parte alta da Rua das Pedrinhas, uma das mais antigas da cidade, é uma espécie de baobá africano que conecta tempos imemoriais de um mundo sobrenatural ao caótico e escasso mundo material para as populações negras no Brasil. Uma fonte inesgotável de conhecimento atravessado por oralidades do além-mar. Vozes da mãe África que clamam pela maternidade aonde você for, um "falador" que veio com nossos ancestrais há séculos no Brasil.

Lá de cima do Ilê, conforme o ìtan iorubá, rege a casa do orixá Xangô com Iansã, Oxum e Obá. O orixá viril, atrevido, violento e justiceiro, que castiga os mentirosos, os ladrões e os malfeitores. A africanidade constitui-se dessa força sócio histórica e cultural que desponta nas Pedrinhas, transcendendo o "gueto" para ganhar a ladeira feito rebento sob o comando da amazona justa, àquela da sociedade elecô, a grande Obá, uma iabá justa e combativa.

Os acontecimentos precisam ser desembaraçados no tempo-espaço, no sentido de fazer justiça passando a limpo à história, mostrando a crueldade dos colonizadores, ao impor privações materiais, intelectuais, culturais e linguística iorubá. São fatos praticado por aqueles que invadiram a região e promoveram o mais sangrento massacre de povos originários (Pataxós, Mongoiós e Aimorés) e quilombola. Mas, o aquilombamento "Vó Dola" permanece vivo e resistindo a tudo isso.

Embora estejamos cercados por estúpidos conservadores de direita de ontem e os boçais de ultraconservadorismo de extrema-direita (negacionistas e genocidas bolsonaristas) de hoje, instalados e organizados politicamente na sociedade civil e nas instituições dos três poderes constituídos do Estado, seguimos lutando contra a tentativa de rescrever a história com a narrativa "heroica do vencedor" branco colonizador. Não aceitamos a imposição do falseamento de fatos como base em suposições a-históricas, não podemos nos furtar ao bom combate e nem recusar a boa fonte historiográfica, pois o baobá africano ainda tem água fresquinha do conhecimento.

Não obstante a banalização de mortes negras, querem acabar com o pensamento da intelectualidade afrodescendente. Incitam os trolls fascistas a queimar os únicos livros que dão conta de nossa História; desmontar políticas públicas de reparação social, econômica, cultural e política que visam, corrigir desigualdade raciais; desqualificar as pesquisas e negar os pressupostos do conhecimento científico produzido por intelectuais, escritores e pesquisadores afrodescendentes dentro e fora da academia.

Tempos difíceis se abatem sobre o país, mas não devemos (e nem podemos) ter nenhum receio em fazer o enegrecimento sobre quem somos, de onde viemos e sobre os caminhos (e descaminhos também) que nos trouxe até aqui. Neste momento de retorno a tempos sombrios, nada mais enegrecedor do que a escrita da historiadora, professora e escritora Maria Aparecida Silva de Souza para desconstruir a imagem "conquistador" dessa região e fundador da cidade.

Maria Aparecida (2001) faz apontamentos importantes sobre a natureza violenta e criminosa dos homens à serviço da Coroa Portuguesa na Bahia, desde o período do Brasil Colônia. Uma obra que "revela o exercício de uma prática militarista, de completa dizimação ou desagregação das nações indígenas e comunidades quilombolas".

O quilombeco e Ilê de "Vó Dola" são vozes negras de tempos imemoriais que ressoam com a potência necessária para vocalizar sua pertença negra em uma cidade que passa pelo branqueamento como adequação ao arquétipo civilizatório Europeu. Joga-se para debaixo do tapete as atrocidades e as responsabilidades com quem construiu com trabalho escravo a riqueza, bens de produção, bens culturais, produz alimentos e continua erguendo arquiteturas sociais excludentes, a exemplo dos antigos e opulentos casarões coloniais no entorno da igreja matriz para oligarquias, sobretudo da família Gonçalves da Costa, cujo último representante teria sido o engenheiro José Pedral Sampaio. 

O que houve em 2016 foi a retomada com a debandada de esqueletos ultraconservadores escondidos no subconsciente da população brasileira, alienada há séculos por uma educação conservadora bancária, para a política e a ascensão à institucionalidade. Se antes enfrentávamos o racionalismo conservador branco eurocêntrico, agora enfrentamos a sanha fascista da anti-ciência ultraconservadora, igualmente branca.

Vitória da Conquista não está livre desses facínoras que negam peremptoriamente que tenha ocorrido a chacina e a construção do Arraial da Conquista (séc. XVIII) sobre os escombros cadavéricos de povos originários no famoso “Banquete da Morte” (entre 1803 e 1806). Um episódio macabro promovido por homens vindos do mundo dito civilizado, vide a arquitetura de eugenia social do pusilânime João Gonçalves da Costa após ver seus saldados, em vantagens porque estavam fortemente treinados e armados, não lograr êxitos sobre os povos originários.

Tratava-se de povos guerreiros e sua bravura sobressaiu na resistência à ocupação do território. O meticulosamente covarde Gonçalves da Costa urdiu canalhamente uma suposta trégua e ofereceu uma festa para celebrar a "paz". Entretanto, na prática, a tática era embriagar o povo Mongoyó para aproveitar a guarda aberta e exterminá-lo. E assim o fez, assassinando implacavelmente mulheres, crianças e idosos indefesas.

Laura de Mello e Souza (2010) em seu trabalho historiográfico sobre o interior da capitania da Bahia, Piauí e o norte de Minas Gerais que margeia à esquerda com o Rio São Francisco, nos diz sobre um conjunto geoespacial já constituído no período de 1640 a 1750" (SOUZA, 2010). Esse processo de demarcação de terras pelo colonizador consolidou os limítrofes do sertão baiano, provavelmente o extermínio beligerante de povos originários e quilombolas tenha alcançado essa região localizada entre o Rio Pardo e o Rio das Contas, a partir da década de 70 do século XVIII, possivelmente nesse período ocorre o embrionário povoamento e a delimitação pelo colonizador dessa região como sendo "Sertão da Ressaca".

De uma região inóspita, habitat natural de diversos povos, regrediu-se à condição de colônia de exploração e povoamento. A coroa portuguesa transformou o cenário natural dos povos originários em zona de extermínio, ficando apenas o povoamento constituído por africanos escravizados e portugueses. À medida que avançava o processo de extermínio, exploração em regime de servidão, desmatamento, expropriação de riquezas minerais, cativeiro e povoamento partindo do litoral em direção às regiões fechadas ao norte, denominou-se territorialmente de sertão.

Portanto, sertanejo é uma invencionice portuguesa para descaracterizar não europeus, uma subcategoria do sistema colonialista para criminalizar toda e qualquer pessoa não-branca e que não nasceu na metrópole, de sertanejo, ou seja, de colono. Neste sentido, o colono é o jeca, alguém limitado cognitivamente e materialmente. O sertanejo é o colono subsumido da categoria civita e não pertence a cidade, que perde o sentido de urbe e polis, sendo diluída numa geleia geral estereotipada de "interior".

Talvez, aqui estejam as raízes para uma possível explicação razoável para o senso comum do soteropolitano, de modo geral (único partícipe da capital, a civita metropolitana) considera que, ao vir à Vitória da Conquista, está indo a um povoamento pauperizado formado por gente sem instrução das ISE's, um lugarejo entrecortado por uma BR ou BA que, a maior empresa, seja um posto de gasolina velho sem bandeira.

Portugal na fase de expansão do ciclo de colonização deu início ao processo de extermínio, desconstrução e silenciamento de identidades de povos originários, africanos e ciganos a partir de 1752 com a ocupação territorial denominada de sertão. O enraizamento do sistema colonial logrou êxito e a mentalidade de colono que povoa o imaginário coletivo é tão profunda e resistente que ainda opera valores conservadores de manutenção da dominação, sobretudo de racismos na cabeça das pessoas.

Ainda hoje imperialista estadunidense chega ao Brasil como sendo o único detentor da outorga civilizatória que o autoriza a classificar governo populista de centro-esquerda como comunista e antidemocrático por serem reeleitos várias vezes. Esta é a justificativa para o financiamento de golpes de Estados sanguinários, vaticinando um "alvissareiro" crescimento econômico.

A reminiscência colonialista ainda ronda a cabeça desses soteropolitanos. Por isso, eles se acham mais civilizados, evoluídos e detentores de condições materiais e intelectuais mais avançadas que os colocam em condições de superioridade em relação às pessoas nascidas ou que vieram morar aqui no município de Vitória da Conquista.

A voz de resistência negra contra todas as formas de colonização contemporâneas, um canto de uma cidade negra que solta o seu timbre forte o suficiente para desfazer os "mal-entendidos" criados por uma gente branca que querem Vitória da Conquista como a "suíça baiana". A grita generalizada é a voz uníssona da resistência política negra desde a ocupação territorial, a luta contra fac-símiles escravagistas contemporâneos, os novos senhores de escravo, seus camburões, novos métodos de tortura e o extermínio da juventude negra silenciado pelos "doutos" representantes políticos não só da extrema-direita, mas do governo da Bahia.

É a marujada quilombola urbana e candomblecista, confrontando todas as formas de opressões, racismos dos brancos ao longo de mais de 500 anos. É a fina flor do samba de roda no quilombo urbano e na casa candomblecista (angola) mais tradicional da cidade, espalhando seu pólen cultural africano pelas ruas da cidade subjugada pelos promotores da eugenia social e branqueamento, com a finalidade de fecundar o orí com a afro descendência para enegrecer a cidade.

Essa é a verdadeira consciência negra que vai de encontro as barbaridades racistas na especialidade urbana predominantemente preta. Mas, são os brancos que dominam e mandam na cena socioeconômica da cidade, e, o fazem também por meio de seus representantes no parlamento e no executivo. São capatazes e mandatários conservadores que não hesitam em silenciar e invisibiliza as populações negras da cena social, econômica, cultural e política da cidade.

Não há como não buscar a história por detrás dessa força social que compõem um percentual populacional de 76,3% (IBGE, 2010) de autodeclarados pretos e pardos (pardo de pardal e mulato de mula são resquícios do racismo que atravessa os dados estatísticos produzidos) subindo e descendo as ruas do bairro. Principalmente depois da lei 10.639 que institui o ensino de "história e cultura afro-brasileira" e o dia 20 de novembro para culminação de projetos sobre o Dia da Consciência Negra dentro do calendário escolar.

Depois de mais de cinco séculos e muita pressão do Movimento Negro brasileiro é que se começou a buscar corrigir essas desigualdades étnico-raciais no Brasil. Somente em 2003 se alterou a LDB 9.394/96 para inserir na programação curricular de escolas municipais e estaduais conteúdos de história (com dialogo transdisciplinar) da África, a escravização negra e suas descendências no Brasil. Inevitavelmente, essa mudança desmistifica as "estórias" contadas em livros didáticos pelos vencedores por meio da pesquisa; estudos de literaturas em todas as áreas do conhecimento relacionadas as questões étnico-raciais; rodas de conversas com debates no âmbito das atividades pedagógicas.

Obviamente, que isso depende muito do estofo intelectual e da disposição política institucional da direção escolar, apoiada por uma proposta político pedagógica endógena com base na lei 10.639. Sem isso, dificilmente se viabiliza projetos dessa magnitude que possa envolver os profissionais da educação, os discentes e a comunidade escolar. A escola não é (e nem pode ser) uma unidade prisional ou religiosa, muito menos uma escola dogmaticamente militarizada, voltada para resolver problemas estruturais como se fosse um caso de polícia.

A despeito dessa "insubordinação e violência estudantil" nas escolas públicas, em sua maioria periféricas, não se supera com reducionismos ignorando níveis de complexidades que encera essa faixa etária de vida, constituída por diversas juventudes.  Mas, convenhamos que não passa de uma manobra para camuflar as contradições do capital e seus capitalismos, os verdadeiros vilões responsáveis por todas as mazelas na sociedade. A finalidade é desviar-se da natureza das desigualdades, das discriminações e das opressões na sociedade.

 

Em certa medida é isso que acontece com as populações negras, pois a escola da periferia pensada por esses suprematistas deve ser uma verdadeira fortaleza para que os de fora não entrem, e, nem os de dentro não saiam. Alegam em sua defesa o "mau comportamento" dessa juventude capitaneada pela criminalidade que põe em risco à disciplina como mantenedora da "ordem e os bons costumes".

 

Esse mecanismo de controle e estabelecimento da moral burguesa conservadora, transforma a escola em espaço de captura do sujeito "desajustado" que ameaça a sociedade, tirando-o do convívio social para o adestramento e, depois, devolve-lo docilizado e conformado ideologicamente a essa mesma sociedade que não o reconhece como sujeito portador de direito.

 

Não podemos nos furtar à análise crítica da escola como espaço para disciplinar juventudes criminalizadas pejorativamente como anárquicas (não necessariamente desenvolver a capacidade cognitiva, o domínio do instrumental teórico e o exercício da criticidade do mundo) com a necessidade extremada de manter a ordem e progresso. Essa mentalidade ultraconservadora ainda é utilizada em muitas escolas porque seus dirigentes são ultraconservadores e, por isso, está sob a mira infalível da "rebeldia politizadas" dessas juventudes há muito tempo.

 

Felizmente este não é o caso da escola local (Escola Municipal Antônia Cavalcanti e Silva), pois a compreensão sobre a africanidade passa pelo Ilê e pelo quilombo Bêco de Vó Dola. O panóptico foucaultiano é um referencial analítico crítico para compreender o papel da escola como primeira instituição disciplinar da sociedade moderna que captura jovens. Um conceito desenvolvido no século XVIII pelo filosofo e economista liberal inglês Jeremy Bentham, retomado criticamente pelo pensador Michel Foucault (1926-1984) em sua obra Surveiller et Punir: Naissance de la prison - "Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão".

Depois desse papel político pedagógico sobre a pertença negra realizado pela escola Antônia Cavalcanti e Silva não se pode mais dizer que essa temática tão urgente passa mais despercebida. Não se movimenta no bairro sem notar a cor, o cabelo, o gingado, as contas, os turbantes, as vestes, os atabaques, as músicas atravessadas pela cultura de terreiro. Essa apropriação pela proporção majoritariamente negra do tecido social nas Pedrinhas tem acesso aos saberes das matrizes religiosas originariamente constituídas por povos Bantos, Nagô e Jeje.

Não se pode negar que a reminiscência da cultura do "Bêco de Vó Dola" guarda fortes laços com o continente africano, berço da espécie homo sapiens nos últimos 50 mil anos no leste da África, depois caminhar por mais de 350 mil anos. Inegavelmente nessa caminhada o comportamento humano deu saltos consideravelmente evoluídos (cérebro bastante desenvolvido e muitas capacidades: raciocínio abstrato, a linguagem, a introspecção, a resolução de problemas complexos e etc.).

O que não impediu que os condutores dessa predatória locomotiva civilizatória eurocêntrica promovessem a pilhagem de riquezas e a diáspora africana, dando início a escravidão moderna no século XVI, inicialmente no Caribe. Um escravismo absolutamente diferente da escravidão Romana ou Árabe como analisou Marx e Engels (1846) na obra "A miséria da filosofia". Esse processo de encarceramento e escravização iniciado contra os povos originários da África (saariana (região norte) e a África subsaariana (região sul) chega a Vitória da Conquista por meio da "sertanização" dizimadora, vindo da costa litorânea em direção ao norte do país.

Vitória da Conquista não ficou de fora dessas crueldades, um dos períodos mais tenebrosos da humanidade, marcado pelo jugo, pelo silenciamento e pelo intenso depauperamento de povos africanos que trazem consequências danosas a toda uma linhagem de descendência africana no Brasil até os dias de hoje.

Em certa medida, sem nenhum determinismo economicista, isso explica o porquê do bairro Pedrinhas ter um perfil enegrecido de classe trabalhadora braçal com nível socioeconômico extremamente rebaixado. Deve-se ao excludente e famigerado sistema capitalista mundial branco se considerarmos que a "escravidão é uma categoria econômica da mais alta importância” para o desenvolvimento do capitalismo, pois é estruturante na primeira fase do sistema capitalista como sugere Karl Marx e Friedrich Engels.

Enquanto não superarmos essa herança colonialista maldita, legatária de todas as formas de racismos (estrutural, institucional e religiosa), devemos resistir organizadamente e confrontar o capitalismo visando destrui-lo em algum momento da história. Portanto, sem confrontar o capital não conseguiremos criar as condições históricas necessárias para acabar com os resquícios deletérios da escravidão contemporânea no Brasil.

Mesmo resistindo, perdemos a todo instante uma pessoa negra para essa locomotiva racista da morte e isso não comove as pessoas e nem assusta a sociedade adormecida pelo processo de coisificação. O quilombo e o candomblé de "Vó Dola" é a resistência de uma espacialidade, enriquecida pela produção cultural de tradição candomblecista angolana. Um ganho irrecusável para a luta de resistência e combate aos racismos.

Ter consciência histórica de que essa porção negra da população conquistense foi mantida em estado de pauperização pelo Estado, pelo aviltamento escravagista de políticos brancos, todos representantes das oligarquias locais que se formaram embrionariamente no século XVIII. Essa marginalização dos brancos da "Rua Principal" é uma herança maldita dos senhores de casa grande, ressignificados culturalmente nos barões do café surgidos a partir da década de 1970. Um movimento socioeconômico da classe dominante para territorialização do capital cafeeiro e consolidação de espaços agrários no Planto de Conquista.

A cultura predominantemente branca de caráter supremacista está com o mando de campo e seus representantes continuam promovendo seus racismos. Não é por acaso que até hoje se pratica em muitas fazendas de Vitória da Conquista o trabalho análogo à escravidão com afrodescendentes. Como vocês acham que essa gente branca preguiçosa fizera fortuna para serem consideradas ricas? Como essas pessoas que não "vivem do suor de seus próprios rostos" sustentavam seus luxos, vaidades e seus opulentos casarões que circundavam a igreja matriz no final do século XIX?

Óbvio que sempre foi com a mão de obra negra escravizada de ontem, e que se mantem atualmente com o trabalho análogo a força de trabalho escrava a partir das sucessivas reformas (trabalhista, previdência, fiscal e política) anti-classe, anti-raça e anti-gênero. A população negra sempre foi criminalizada pela burguesia branca (reproduzida fielmente pela classe média), manteve a privação da vida material e intelectual para que pudesse ser colocada coercitivamente à margem da sociedade.

Ontem pela lei da vadiagem (vadiagem é uma contravenção prevista no artigo 59 do decreto-lei 3.688 de 1941), seguida pelas aterrorizadas perseguições dos "Jeep's" de forças policiais, ordenadas pelos barões do café. Não é muito diferente da justificativa de hoje (auto de resistência), um instrumento legal que banaliza o extermínio de jovens negros ou espancamento de populações negras em camburões de um policiamento letal - representada realisticamente por duas tíbias entrecruzadas, uma caveira com uma espada cravada no crânio como símbolo de morte a pretos pobres nas periferias, favelas e morros.

A justificativa para o "apartheid" é a tal "meritocracia" que burla a situação em que somos subjugados. Condenados a viver sem acesso à educação, sem qualificação necessária ao acesso do mercado de trabalho, a negação e demonização cristã de nossa ancestralidade e alheamento como mecanismo de privação da vida material e intelectual, só nos restou um lugar: o da não-pessoa. Um lugar ermo do silenciamento e da invisibilização que nos sentencia ao mais absoluto esquecimento. Esse lugar inóspito da desinformação que só reforça a ausência de negros e negras na história da cidade de Vitória da Conquista – Bahia.

A cidade que resulta da invasão, ocupação, dominação e escravização beligerante praticada por parvos europeus à povos originários daqui e da África é essa cidade que as Pedrinhas denuncia há décadas. Essa violência institucional e da sociedade civil contou com a auspiciosa atrocidade do Estado e seus agentes públicos de segurança, havidos por praticar todas as formas de torturas e homicídios inimagináveis.

Tudo isso começou lá no Brasil Colônia pela coroa portuguesa (com permissão da igreja católica apostólica romana branca) e em Vitória da Conquista a partir dos anos de 1750. Um movimento de colonização sob a égide do bárbaro João Gonçalves da Costa (escravo alforriado), exterminador de povos originários que habitava essa região em busca de metais preciosos.

A motivação inicial do mundo "civilizado", ou melhor, dos liberais europeus civitas, era a busca no novo mundo por metais preciosos para resolver uma crise econômica que causou escassez de ouro como lastro de riqueza de impérios europeus falidos. Por detrás desse discurso armado coexistia o desenvolvimento de outras atividades, a exemplo da eliminação sumaria de povos originários que resistiam a morte, tortura e maus tratos. Além do encarceramento de populações e sujeição ao trabalho forçado como mão de obra escrava para dar início à exploração desses metais para abarrotar os cofres da metrópole portuguesa com o ouro e prata do Brasil.

O "Bêco de Vó Dola" canta o que diz os Estudos (SOUSA, 2001) ao apontar que o berço de nossa civilização deita raízes em nossos antepassados vindos da África. É uma denúncia das consequências desastrosas da entrada do preto forro João Gonçalves da Costa nessa região denominada de "Sertão da Ressaca" contava em suas atividades com a presença de africanos escravizados. Embora muito antes dessa barbáre portuguesa feita por Costa em nossas terras, os povos originários já haviam acolhido africanos na região que fugiam do sistema escravagista.

Tratava-se da resistência política organizada africana realizadas por quilombos, pois documentos com data de 1727 nos diz que Pedro Leolino Mariz, português "descobridor" de metais preciosos por essas cercanias, delegou a André da Rocha Pinto “encontrar metais preciosos, estabelecer fazendas de gado, matar índios que se opusessem à conquista, estabelecer aldeias e destruir quilombos que fossem encontrados” (TORRES, 1996).

Ao que parece ter ocorrido para posteriori inclusão na memória e na história da cidade, transformando o "fundador" em herói, numa sociedade inexoravelmente branca de nossos tempos, após o violento e criminoso processo de invasão, ocupação e colonização empreendida por este escravo alforriado, foi o branqueamento do preto forro João Gonçalves da Costa.

Ele aparece como um português (branco) desbravador, um bandeirante pioneiro, sertanista estabelecedor das bases civilizacionais da coroa portuguesa e o sacro império romano que lutou corajosamente com iguais condições, mas com superior desenvoltura na arte da guerra contra "aborígenes" e suas "selvagerias", as plagas (quilombolas e povos originários) para fundar a cidade de Vitória da Conquista.

Uma das invencionices do branco europeu nunca existiu, pois jamais houve qualquer guerra no século XVIII no "sertão da ressaca". O que mesmo foi extermínio, massacre das forças imperiais (do céu cristão e da terra) porque as condições eram infinitamente desfavoráveis aos povos originários e povos africanos.

A bravura se deve a resistência política dos povos originários e de africanos organizados em aldeias ou quilombos. Fora dessa perspectiva o que se tem notícias em diversos estudos é de extermínios realizados por homens covardes, violentos, estupradores e assassinos que aproveitaram as "fragilidades" para saquear, escravizar, pilhar terras e riquezas naturais do Brasil.

Na única oportunidade que tiveram para travar combates numa guerra "justa" entre o império Português e o beligerante Reino Unido da era napoleônica, hesitaram por covardia o confronto em igualdade de condições e fugiram com rabinho entre as pernas. Deixou Portugal à própria sorte, abandonando o front de batalha de maneira acossada pelo imperador francês Napoleão Bonaparte.

A "justificativa" para tamanha covardia dos portugueses foi uma oposição ao Bloqueio Continental imposto pela Franca com a finalidade de proteger vantagens para a coroa portuguesa oferecidas pelo acordo com o império inglês. Império contra império, por isso D João e Dona Maria I fugiram covardemente às escondidas na madrugada de 29 de novembro de 1807 para o Brasil. Mas, as populações negras permaneceram no Brasil e resistiram desde sempre, a exemplo do quilombo urbano "Bêco de Vó Dola" nas Pedrinhas.

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