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quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Beta Preta e o poder da ancestralidade viva

Foto: Uelber/ Rastabass

"Militante histórica de Vitória da Conquista transformou
a luta negra em um projeto de emancipação coletiva."


*por Herberson Sonkha



VITÓRIA DA CONQUISTA/BA  - Há vidas que não se medem pelo tempo, mas pela intensidade com que transformam o mundo à sua volta. Elizabeth Ferreira Lopes, a Beta Preta, foi uma dessas presenças que não cabem em obituários. Sua partida, aos 59 anos, deixa em Vitória da Conquista e na Bahia uma ausência que é, paradoxalmente, uma presença ampliada — a de uma mulher que fez da militância um gesto cotidiano de amor e insurgência.

Beta foi uma das mais importantes vozes do movimento negro popular baiano. Iniciou-se na militância ainda adolescente, aos 14 anos, quando boa parte da juventude ainda busca seu lugar no mundo. Beta já havia encontrado o seu: ao lado do povo negro, nas lutas por educação, cultura, terra e dignidade.

Na Casa do Estudante Quilombola Zumbi dos Palmares e no Pré-Vestibular Dandara dos Palmares, ela articulou o que talvez tenha sido sua maior lição política: a de que a emancipação não é uma promessa distante, mas uma construção coletiva e cotidiana. Era ali, entre livros e conversas, que o conhecimento acadêmico se encontrava com o saber popular — e ambos se tornavam ferramenta de libertação.

Como mulher negra, Beta compreendia o entrelaçamento das opressões que estruturam o Brasil. Sua militância foi interseccional antes mesmo que a palavra ganhasse força nos círculos acadêmicos. Lutava contra o racismo e o machismo, mas também contra a lógica de um sistema que naturaliza desigualdades e desumaniza corpos negros.

Nos espaços institucionais, Beta mostrou que ocupar é verbo político. Participou de conselhos, conferências e articulações nacionais sem jamais perder a ligação com as bases — com o chão da comunidade, com o calor da periferia, com o som do tambor que ecoa nas festas e nas marchas.

Sua morte não encerra uma história; apenas a multiplica. Beta agora se transforma em energia ancestral — aquela que move e orienta quem permanece em luta. O Brasil precisa reconhecer em figuras como ela a síntese de um projeto de país mais justo, plural e comprometido com a igualdade racial.

Porque Beta Preta não se despede. Apenas muda de lugar. Passa a habitar as marchas, os terreiros, as escolas e as praças onde a resistência negra insiste em florescer, mesmo sob o concreto das desigualdades.


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*Herberson Sonkha é escritor, poeta e militante do movimento negro APN's/MNU.

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