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domingo, 8 de dezembro de 2024

A poética da musicalidade em Geslaney Brito

Geslaney Brito

*por Herberson Sonkha



Em um texto extraordinariamente  analítico, Geslaney Brito  nos convida a uma imersão profunda no universo subjetivo da música e de suas implicações estéticas, emocionais e filosóficas. A análise, tecida com um lirismo quase confessional, combina reflexão pessoal, vivência artística e crítica sensível, transformando-se em uma verdadeira análise poética da música como ciência, arte e experiência humana.

Logo no início, Geslaney Brito recorre à memória como ponto de partida, estabelecendo um diálogo entre o álbum Gil Luminoso e uma experiência vivida com a Orquestra Jóias do Sertão. Essa ponte entre o subjetivo e o coletivo é um dos traços mais marcantes de sua escrita: ao narrar uma vivência íntima, o autor amplia sua reflexão para abarcar dimensões universais da relação humana com a música. A escolha da palavra "musicalizado" para descrever seu estado durante o encontro já evidencia um olhar que ultrapassa o ordinário e busca traduzir o impacto transformador da música em uma linguagem própria, original.

O ensaio da orquestra e a descoberta da Serenata para Cordas em Dó Maior, de Tchaikovski, são descritos por Brito como mais do que uma simples escuta: são atos de convivência com a música. Essa ideia de convivência, que permeia todo o texto, é apresentada como um processo orgânico, um diálogo contínuo com o material sonoro que transcende a prática técnica para se tornar experiência existencial. Nesse ponto, Brito nos remete a uma visão fenomenológica da música, onde a subjetividade do ouvinte e a objetividade da obra se encontram em uma relação dialética.

O ápice da reflexão surge na analogia entre música e amor, proposta por um dos membros da orquestra e ampliada por Brito com maestria. Para ele, ambos os fenômenos exigem ajustes, pactos e uma constante negociação entre liberdade e estrutura. Assim como na dança, metáfora recorrente no texto, a música exige atenção e cuidado, mas também entrega e ludicidade. Essa visão reforça a natureza paradoxal da música: ao mesmo tempo em que ela é regida por sistemas e regramentos, é também um espaço de transcendência e liberdade criativa.

Outro aspecto notável do texto é a maneira como Brito articula a dimensão estética da música com sua função quase religiosa. Sem cair em sentimentalismos ou discursos panegíricos, o autor descreve a arte musical como um espaço de ascensão espiritual, uma celebração que vai além dos sentidos e toca aquilo que poderíamos chamar de essência humana. Essa visão se alinha a uma tradição que vê na arte não apenas um reflexo da realidade, mas um caminho para transcendê-la.

Ao longo do texto, a escrita de Brito é pontuada por uma sensibilidade ímpar para captar o intangível. Sua prosa, ritmada e cheia de imagens evocativas, reflete a própria natureza da música: ao mesmo tempo etérea e concreta, subjetiva e estruturada. A escolha cuidadosa das palavras, o encadeamento fluido das ideias e o tom reflexivo conferem ao texto um caráter literário que o aproxima da crítica de arte no melhor sentido do termo.

Por fim, a gratidão expressa por Brito aos colegas Mateus Reis e Guilherme Pereira, bem como aos integrantes da orquestra e do coro, reforça a dimensão coletiva da experiência musical descrita. Mais do que uma vivência individual, o texto celebra a música como um espaço de encontro e troca, onde artistas e público se encontram para construir algo maior do que si mesmos.

Geslaney Brito nos entrega, em sua prosa, um manifesto silencioso sobre a importância da música em nossas vidas. Seu texto é, ao mesmo tempo, um testemunho pessoal e uma reflexão universal, convidando-nos a pensar, sentir e, sobretudo, conviver com a arte. Uma leitura que ressoa como uma peça bem executada: bela, comovente e inesquecível.

Segue abaixo o texto de Geslaney Brito na íntegra:

"Ouvindo aqui o álbum Gil Luminoso e lembrando.

Me senti "musicalizado" por conta da prosa de um Sábado à tardezinha, há uns quinze dias, com uma turma bacana da Orquestra Jóias do Sertão, a convite do professor que a conduz, Matheus Reis.

Antes de bater um papo bacana, assisti ao ensaio da orquestra e bebi dos ajustes que iam acontecendo nas peças até o momento em que me apresentaram uma outra obra chamada Serenata para cordas em Dó Maior (Piotr Ilitch Tchaikovski - fiz questão de procurar o nome completo no grugui), que me lembrou Bach, porque não conheço a obra do Tchaikovski. Tenho que beber das obras desse compositor. Tenho que beber de mais ensaios e apresentações dessa orquestra Jóia. Na sequência, no bate-papo, falei sobre meu processo de formação em música, que nunca parou e nem para, porque penso que música funciona como qualquer outra ciência.: Estudos constantes. Falhas constantes. Laboratórios constantes, audições... Me chamou a atenção o tanto que nos preocupamos com erros de apresentação e o tanto que tentamos superar esse detalhe que para algumas pessoas não importa, para outras, é a respiração. Mas cada pessoa sente de forma distinta, feito a impressão digital que carrega. Convenhamos que quanto mais convivemos com a música que temos que apresentar, tanto melhor compreendemos e procuramos mais. Tenho pela expressão "convivência", experimentações, troca, afeição, lida, curiosidade, observação. Um dos componentes da Orquestra citou música em comparação com o termo "amor" e seus meandros, bem como suas regulações. Que entendi como, mesmo com suas paletas de cores, suas texturas (ou tessituras) diversas, tramas, combinações, amor precisa de ajustes, quais seriam medidas e acordos, para que se contemple a boa convivência entre as pessoas que se querem bem. Assim eu também penso música e toda sua dimensão subjetiva, ao mesmo tempo, tátil. Cheia de elementos que nos libertam, ao mesmo tempo, regada de signos, sistemas, organizações que temos que decodificar, guardar e estudar para melhor conviver com as suas possibilidades e combinações. Procurar entender os regramentos, mesmo que a música contemple o que percebemos como subjetividades e complexidades (feito amor), pois há caminhos que podemos e devemos passar para conversar com ela; passear com ela; dançar com ela. Dançar é um pássaro em outro. Penso que pressupõe seguir os passos sem pisar ou promover desconforto a quem se faz parceria. Requer atenção aos movimentos para que não se atrapalhe a desenvoltura da dança. Ou para que não pise no pé, nem tropece o outro. Ao mesmo tempo, pressupõe diversão. Os aspectos lúdicos da música compõem o que pensamos ser como trabalho atrelado à diversão. Ao prazer de ser ou de tocar o instrumento que promove música. Ao prazer de ver o resultado dos estudos, dos treinamentos, dos estudos, das repetições, dos movimentos, da dança, das palavras, dos poemas... A perfeição é subjetiva. Ainda assim, há nos estudos elementos que podemos alcançar. Feito uma sonoridade sem ranhuras, compreensível, contemplativa, comunicativa, simples (onde habita a genialidade evocada por Caetano), complexa em paralelo. Na sequência dos eventos do sábado, fui presenteado com o ensaio do Coro Jóia do Sertão, cheio de gente boa e regido por Guilherme Pereira, que também me apresentou peças lindíssimas, quais ainda não tinha ouvido. Ou se as ouvi, tinha me esquecido, pois esquecimento é um presente que recebi quando ainda estava no útero. Dentre as peças, a música O Som de Uma Pessoa, do Gilberto Gil, constante nesse álbum Luminoso. Pronto. Foi o ponto de partida para que tentasse revisitar meus psicodelismos (e minhas neurastenias 🤭) e procurar saber porque música me toca mais do que posso compreender, mesmo eu não firmando na memória. Sei que não toca só a mim. Bem como sei que há pessoas que sentem até a alma de quem está apresentando ou sentem antes, a expressão facial do artista, na hora que vislumbra a música a ser composta. Mas sei que esses sentimentos que afloram com arte, representam a minha religião. Nem quero entrar na Seara da guerra santa. Só quero dizer que acredito na música, na arte como elemento que ascende, que melhora, que desperta sentidos para além dos que temos por comprovação científica. Estudar música, tocar música, ouvir música, sentir música, me promove uma certa harmonia, como se eu estivesse no meio de uma celebração aos seres encantados. Isso tudo eu senti naquela tardezinha, naqueles encontros mágicos. Foi isso. Gratidão aos queridos colegas e amigos Mateus Reis e Guilherme Pereira. Gratidão estendida aos grupos da orquestra e do coro, quais reverencio e saúdo. Honrado também por ter participado desse evento bacana no Conservatório de Música de Vitória da Conquista. Geslaney Brito


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