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quarta-feira, 23 de outubro de 2019
O discurso da mudança e a falsa consciência política da classe média brasileira.
outubro 23, 2019
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Vinícius...
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"Aqui começa a via-crúcis de uma classe média que almejou chegar ao paraíso oferecido pela burguesia liberal capitalista, pisando covardemente na cabeça da classe trabalhadora"
*por Herberson Sonkha
Compreender o porquê da população empobrecida que compõem o grupo de risco (constituído pelas classes C, D e E em sua maioria analfabeta, que vive de subtrabalho ganhando renda per capta de R$ 178,00 a R$ 998,00 de salário mínimo, sem acesso ao consumo de cultura, viagens, livros, cinema e teatro e etc.) acompanhou a onda da mudança prometida pela extrema-direita no Brasil é perfeitamente compreensível e até “justificável”.
Contudo, também o é compreensível à situação da classe média fora da zona de risco (constituído pelas classes A e B em grande parte tem formação superior e pós-graduação, concursada ou compõem altos cargos na inciativa privada com renda familiar entre R$ 7.278,00 a R$ 11.001,00, tem acesso a livros, cinemas, teatros, boas escolas, música de qualidade, come bem, veste bem, mora em casa própria, faz viagens internacionais regulares e etc.), mas, não é justificável. A incoerência não pode ser explicada simplesmente porque a suposta consciência política falhou porque a educação não foi boa, permitindo embarcar na viagem da mudança oferecida pela agenda ultraconservadora.
Além da vaidade característica do pertencimento de grupo portador privilégios, numa sociedade fortemente dividida em grupos sociais marcados por imensas desigualdades materiais e intelectuais, far-se-á presente uma hipótese como mantra ultraconservador de direita que serve para persuadir e conformar os desiguais na sociedade com falsos argumentos. Argui-se que uma pessoa estudada é uma pessoa “esclarecida”, acima do “bem e do mal”.
Numa sociedade de ambivalência, cujo movimento contraditório divide-se sociologicamente entre “fortes e fracos”, inferiores e superiores, heteronormativos e homoafetivos, brancos e negros, ricos e pobres, empregados e desempregados, honestos e corruptos essa informação é funcional, pois subentende que existe um grupo de “esclarecidos” (patriarcais superiores brancos) e outro de gente sem “esclarecimento” (inferiores pretos, pardos e amarelos) que vagueia indolente na imensa escuridão da ignorância classificado pela educação bancária como eterno “aluno” – cujo significado quer dizer “um ser sem luz”.
A hipótese mais romantizada na sociedade atual é a de que esse ser iluminado da classe média possui nível superior, minimamente graduada (geralmente branca) tem a consciência política privilegiada pelo desenvolvimento cognitivo, propiciado pela suposta vivencia do ensino-pesquisa-extensão. Essa suspeita teria como experiência o convívio com essa tríade, pressupondo a existência de criticidade aprofundada pelas leituras cientificas (liberal) que visam explicar o mundo para que as pessoas aceitem naturalmente os “avanços” sem questionar os males causados pelos retrocessos da sociedade contemporânea.
Conjectura-se que essa pessoa seja plenamente consciente de suas responsabilidades políticas, no qual o segredo para penetrar níveis mais elevados da consciência política passaria necessariamente pelo crivo da esfinge que vela pela cidadania reservada apenas a alguns “esclarecidos”. Em vista disso, jamais se furtaria ao compromisso ético e a disposição política para apoiar as reformas estruturais do Estado – já que não estamos falando de possibilidades radicais de ruptura emancipacionista proposta pelo comunismo marxiano ou marxistas.
Imagina-se que a defesa de quaisquer reformas estruturais que visam o aperfeiçoamento das políticas públicas sociais faça parte da própria consciência política da classe média. Deveria ser algo factível porque têm relações conectivas profundas com o conhecimento cientifico, sustentado pelo instrumental teórico que orienta rigorosas pesquisas voltadas para apreender a verdadeira natureza das desigualdades, principalmente daquelas populações em situação de múltiplas vulnerabilidades socioeconômicas e políticas.
O caráter hipotético reside no fato de que essa não é a regra geral adotada por todas as pessoas com graduação - inclusive pós-graduação - que fazem parte desse restrito universo de aproximadamente 8,31% da população brasileira com nível superior (segundo IBGE em 2010), visto que a percepção de mundo dos sujeitos de classe média vai se diferenciando na medida em que vislumbra a necessidade de manutenção do status quo. Passam a ter expectativas com coisas diferentes, como aumentar bens e ampliar acesso a serviços relacionados à satisfação (não a necessidade), mesmo convivendo na mesma família, na mesma rua, no mesmo bairro, na mesma cidade e no mesmo país.
Esse universo é contraditório se observado que a classe média (classe C com renda familiar total entre R$1.819 e R$7.278) é composta numericamente por 113,1 milhões de brasileiros em 2017, representando 54% da população economicamente ativa. Segundo o PNAD, a pesquisa do IBGE nos domicílios revela que 52,6% da população brasileira não concluíram o ensino médio em 2018. Apenas 16,5% da população entre 25-60 anos concluíram o ensino superior em 2018.
Essa estratificação educacional reflete duas realidades acerca da visão de mundo: quem conclui ensino superior nem sempre se apropria criticamente do instrumental teórico crítico para subsidiar uma leitura de mundo realista; e quem não conclui mantem-se limitados pelo senso comum convencido da aparência fenomênica, sem, contudo, avançar para o senso crítico capaz de compreender minimamente a essência dos fenômenos sociais e econômicos mais simples.
Essa vulnerabilidade política da classe média contribui para a percepção invertida do conhecimento, pois enxerga no ensino superior uma porta de ascensão socioeconômica como condição natural para substabelecer o seu status quoe não uma possibilidade de formação intelectual universal com domínio dos pressupostos teóricos científicos que elevaria a consciência política a níveis avançados com a compreensão mínima da política brasileira e mundial.
Essa dinâmica de defesa de seus próprios interesses particulares tem acento no conceito liberal de homo economicus[1], cristalizado pelo moderno mercado de capitais e aprimorado pelo sistema capitalista contemporâneo, mas não se limitam apenas a esse mundo da livre produção, circulação e trocas das mercadorias. Essa ideia do racionalismo clássico cartesiano-positivista presente no liberalismo econômico também está presenta na reprodução das relações sociais como algo cientifico.
Os tentáculos conceituais de homo economicus superam os limites formais de mercado, sua influência substabelece as relações no campo da política com o mesmo brio que cada sujeito internaliza o homo economicus para realizar a sua escolha do produto, da marca, do preço e do estabelecimento onde se pretende adquirir tais bens. Caso não o produto não corresponda ao que diz na propaganda, ao término do produto muda-se de marca ou, se o preço não for modico, muda-se de empresa.
Essa é a liberdade idealizada pelos teóricos do liberalismo econômico que desenvolveram mecanismos para a economia de mercado com a finalidade de criar na liberdade de consumo a sensação de bem-estar. Isto está sendo usado para influenciar a escolha de candidatos, projetos de governo ou os interesses sociais.
Essa é a ideia de consumo consciente desenvolvida em país com regime político socialdemocrata e economia capitalista de mercado mais “avançado”. No Brasil vem sendo amplamente adotada pela classe média desde a formação de uma população constituída basicamente por pessoas com nível de escolarização de terceiro grau, sobretudo por que tem pós-graduação. Essa população que não ultrapassa 20% da parcela economicamente ativa, se recente de ser comparada politicamente a fração do povo sem escolarização ou parcialmente alfabetizado. Daí a adoção da racionalização como critério para definir o conceito de consciência política que se pretende universal.
Forjando um tipo de “consciência política”, no mesmo molde da ideia de consumo consciente usado pelo homo economicus. Portanto, consciência política passa a ser um critério racionalizante para escolha do que é mais cômodo aos interesses socioeconômico e político de quem escolhe.
Contudo, valem lembrar que “consciência política” numa sociedade dividida em classes sociais com interesses econômicos e políticos diferentes, tende a produzir percepções que tomam como referência o homo economicus como um conceito único e universal, mas na prática tem consequências diferentes porque os sujeitos ocupam lugares diferentes nessa mesma sociedade.
Portanto, o Estado tende a nivelar as atribuições de atividades dos agentes que operam a política de Estado, partidária e das demais instituições sociais como se fossem iguais, ocultando a preferência de interesses socioeconômicos e políticos de uma determinada classe dominante sobre as outras pauperizadas.
Essas especificidades do sujeito em movimento, embora datadas no tempo-espaço, vai alterar a sua leitura de mundo a partir do seu entendimento do que seja essa tal consciência política. Por isso que a torna algo absolutamente relativa uma vez que o objeto que qualifica essa ideia de consciência política está diretamente ligado ao lugar de fala de cada sujeito localizado material e intelectualmente em sua respectiva posição de produção e consumo na complexa sociedade contemporânea.
Nesse sentido, precisa diferenciar o lugar de fala de quem planta para o agronegócio de quem se apropria privadamente dessa produção coletiva; de quem opera a máquina na linha de produção fabril de quem se apropria privadamente da produção; de quem constrói coletivamente a casa de quem vai morar sozinho na mansão, pois ambas as pessoas não leem o mundo da mesma maneira e nem tem os mesmos interesses comuns.
Apesar da discussão bem elaborada e clivada pela ciência acadêmica essas pessoas não souberam diferenciar o discurso de mudanças efetivas de uma prosopopeia eleitoreira abjeta para evitar que as elites perdessem a legitimidade e o poder de classe dominante, pois sua suposta consciência munida com o devido discernimento da verdadeira política não realizou o filtro necessário para separar a Política e as responsabilidades com o financiamento públicos dessas intervenções sociais voltadas para as populações carentes do proselitismo falacioso de carreiristas de plantão.
Caiu no discurso fácil de uma elite imoral, espoliadora, corrupta e opressora sem se dar conta de que a mudança real se se daria com a ruptura estrutural da sociedade civil (subversão da infraestrutura) com a sua economia liberal e do Estado (subversão da superestrutura) com a sua política liberal pela práxis política emancipacionista. Apropriaram-se de uma falsa consciência política oferecida pelos intelectuais orgânicos do liberalismo na academia e passaram a ler o mundo por esse viés.
Como a dinâmica do movimento real de reprodução do capital (concentração e centralização) traz consigo contradições intrínsecas a sua própria natureza, que é a exploração agressiva e apropriação privada compulsória de riqueza na forma de capital nas mãos das elites, obvio que o projeto político de governo dessas elites não poderia ser outro que não fosse à manutenção das condições ideais para a livre reprodução do sistema capitalista (terra capital e trabalho) mundial para manutenção do status quo de um minúsculo grupo de gente usufruindo de uma vida nababesca.
Aqui começa a via-crúcis de uma classe média que almejou chegar ao paraíso oferecido pela burguesia liberal capitalista, pisando covardemente na cabeça da classe trabalhadora. Entrou em declínio econômico e começou a perder a confortável posição no mundo do trabalho (público e privado) com as reformas trabalhista e previdenciária.
Achou que seu emprego público bem remunerado jamais seria alvo de negociação por parte das elites. Sem produção num mundo capitalista adeus consumo, foi-se gradativamente o seu poder aquisitivo e com ele o apartamento na zona sul e o carro classe a financiados com juros baixos subsidiados pelo maldito governo do PT.
Com o fim do financiamento para pós-graduação, acabou-se o sonho do doutorado sanduiche na Europa ou país anglo-saxão, a faculdade de medicina dos filhos, as viagens de turismo nacional e internacional, as roupas de grife, os carros na garagem, restaurantes grã-finos. Restou apenas retornar ao chão da história, refazer o discurso e readaptar-se a nova realidade muito distante da suposta mudança. Pegar ônibus coletivo, enfrentar fila de emprego, matricular os filhos em escola pública, renegociar dívidas e reaprender a fazer orçamento apertado.
Engolir a vergonha e o constrangimento e voltar às ruas para protestar contra seu próprio governo, visando manter alguns poucos direitos que restam. Engolir calado que errou vexatóriamente no diagnostico em relação ao PT (independente de seus equívocos), pois negociou a sua consciência política com a extrema-direita pela ascensão socioeconômica fácil (o sonho burguês de ficar rico). Negou a luta de classes e subestimou capacidade intelectual orgânicas da classe trabalhadora e das populações subalternizadas.
Agora terá que reaprender a fazer a luta de classes admitindo definitivamente que perdeu o referencial teórico, intelectual e a práxis política emancipacionista adequada nessa discussão. Esse é o preço pego pelo silencio, omissão ou participação no golpe de 2016, a falsa consciência política e a concessão imoral feita aos fascistas.
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[1] O homo economicusé o ator racional ou maximizador racional é um ser humano fictício formulado seguindo o conselho dos economistas liberais.
[1] O homo economicusé o ator racional ou maximizador racional é um ser humano fictício formulado seguindo o conselho dos economistas liberais.
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