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quarta-feira, 6 de julho de 2016

Qual é a corrupção praticada por alguns dirigentes do PT?

"Voltando ao PT, seus dirigentes apostaram na estratégia da revolução democrática silenciosa por dentro do Estado burguês, com o consentimento e participação da própria burguesia."

*por Herberson Sonkha


Quase sempre estou convencido de que nossos finórios opositores burgueses se comprazem com a desgraça humana e mantém a pose como artífices da moral e dos bons costumes. Comportam-se com a mesma retidão idealizada para divindades e julgam que parte da população concorda com isso. Alegam que tais populações são incapazes de pensar criticamente, mantendo-os adormecidos na ignorância por séculos e, por benevolência desta burguesia altruísta, bem intencionadas e com coração transbordando de generosidade despertaram estas populações do sono profundo para serem instruídas, uma vez que nada sabem sobre a corrupção no Brasil e no mundo.

Os mais velhos dizem sabiamente que “o costume do cachimbo entorta a boca”. Desconhecer este paradigma fez desta burguesia abjeta uma classe social falastrona, vaidosa que fala irresponsavelmente coisas descabidas, idiotizantes com arroubos alegóricos dos senhores de engenho. Essas estultícias desatinadas ainda são ditas pela burguesia porque está habitualmente acostumada com momentos de silêncio das populações subjugadas, exigindo que se comportem como claques, crédulas dessas lorotas midiáticas com verniz intelectual propagandeada como verdade científica inexorável.

O mundo não é mais uma ilha e nós não somos autóctones analógicos controlados pelos interesses mesquinhos da rede globo vivendo isolados em cavernas ou como avestruz que enterra a cabeça no buraco fechando os olhos para os acontecimentos no mundo sem analisar os discursos ideológicos da burguesia presentes nas diversas narrativas pseudoisentas sobre corrupção.

Existe uma diferença entre roubo e desapropriação de bens privados e sua finalidade determina seu caráter conservador ou revolucionário. Numa sociedade desigual, que mantém a fome, desemprego, o assalariamento, o analfabetismo, as doenças, a falta de moradia como mecanismo de exploração não pode caracterizar uma desapropriação privada de um bem de consumo para manter-se vivo, como roubo. Uma ocupação de prédio ou terra abandonada por pessoas que moram na rua e não tem onde morar ou onde produzir não pode ser considerado como uma invasão, pois além de fechado improdutivo só serve para especulação imobiliária visando aumentar o lucro na venda.

Na literatura teológica ocidental tradicionalmente judeu-cristã (protestante ou católica), narra-se que o primeiro ato político de Deus para combater a corrupção nas hostes paradisíacas foi banir Lúcifer para todo sempre do reino celestial. Lúcifer, decaído porque tentou usurpar o lugar de Deus no primado da governança celestial, passou a ser o estertor dos humanos na terra arregimentando um exército de criaturas desalmadas para desafiar seu criador.
De anjo a demônio, na velocidade da luz Lúcifer foi postergado, transformado em entidade sobrenatural de natureza maléfica e arremessado a terra onde viver ao derredor dos humanos para aconselhá-los ou influenciá-los a praticar a maldade.

O segundo ato político de Deus de combate a corrupção ocorreu aqui mesmo na terra, conforme a simbólica narrativa teológica (para uns ou mito para outros) de Adão e Eva. Na narrativa de Gênesis, tendo Deus criado a terra ("No Princípio, Deus criou o céu e a terra") e seu complexo sistema vegetal, mineral e animal, principalmente os dois animais humanos.

Se lá encima no reino celestial a situação de corrupção foi resolvida com uma espécie de exílio de Lúcifer na terra por meio do banimento, aqui os apenados não foram expulsos de seus lócus, mas o paraíso foi banido da terra e o trabalho passou a ser mau condenatório necessário. Portanto, conceitualmente o ato de “pegar algo escondido” é caracterizado como roubo e por isso condenou-os aplicando uma pena proporcional ao tamanho do roubo.

Nestas duas narrativas, constata-se que as criaturas humanas e sobrenaturais não foram concebidas com o gene responsável no comportamento humano malévolo determinado pela hereditariedade. Se não foi Deus que criou quem foi? A resposta a esta pergunta não reside no campo genético e sim no processo sócio-econômico-histórico que cria a família, a propriedade privada e o Estado.

Observe que tanto no paraíso celestial como terreno antes do pecado original não existe relatos de desigualdades materiais e nem intelectuais, mas sim de forças simbólicas diferenciadas que determinam suas potencialidades sobrenaturais. Estas mistificações da realidade, qualificada como uma suposta aporia[1] por filósofos idealistas serão discutidas exaustivamente e desmistificada no século XVIII por Engels.

Na obra de Friedrich Engels "A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado", no Prefácio à primeira edição (1884), Engels diz:

“Contudo, no marco dessa estrutura da sociedade baseada nos laços de parentesco, a produtividade do trabalho aumenta sem cessar e, com ela, desenvolvem-se a propriedade privada e as trocas, as diferenças de riqueza, a possibilidade de empregar força de trabalho alheia, e com isso a base dos antagonismos de classe: os novos elementos sociais, que, no transcurso de gerações, procuram adaptar a velha estrutura da sociedade às novas condições, até que, por fim, a incompatibilidade entre estas e aquela leva a uma revolução completa. A sociedade antiga, baseada nas uniões gentílicas, vai pelos ares, em consequência do choque das classes sociais recém-formadas; dá lugar a uma nova sociedade organizada em Estado, cujas unidades inferiores já não são gentílicas e sim unidades territoriais — uma sociedade em que o regime familiar está completamente submetido às relações de propriedade e na qual têm livre curso as contradições de classe e a luta de classes, que constituem o conteúdo de toda a história escrita, até nossos dias”.

Desde então, roubo é uma expressão para condenar o ato de assalto de bens privados por indivíduos para fins de enriquecimento pessoal, portanto é condenatório sim. Neste sentido, não se trata de uma desapropriação coletiva de um bem privado porque sua finalidade atende exclusivamente aos interesses do indivíduo, o que continua sendo roubo. No entanto, o assalto de um bem sob o domínio privado para fins coletivo é uma desapropriação e como tal não caracteriza crime.

Após esta rápida incursão sobre o falacioso tema corrupção, como se ele fosse algo dado, intangível e inexoravelmente inquestionável passo a analisar as principais narrativas sobre a corrupção de filiados dirigentes do Partido dos Trabalhadores.

Começo exatamente a partir do momento histórico (final dos anos 90) em que estes dirigentes petistas abandonam a estratégia de tomada de poder econômico através da desapropriação coletiva da riqueza, expressa na forma de capital privado, por meio dos levantes sociais para atuarem cordatamente no espectro da democracia formal praticada pela institucionalidade, pela justiça e pela sociedade burguesa garantida pelo Estado Democrático de Direito de matriz liberal.

Se admitirmos em tese que o raciocínio de Pierre-Joseph Proudhon sobre propriedade, analisado por Marx ao responder a carta de Johann Baptist von Schweitzer em que procura respondê-lo sobre propriedade, Marx considera a primeira obra de Proudhon, "Qu'est-ce que la propriété?” (O Que é a Propriedade?) referencia e pondera ser este, incondicionalmente, o seu melhor trabalho  é um roubo, sua apropriação individual também o é.  (MARX, 1865).
Na rica analise de Marx, embora considere não haver tempo necessário para uma melhor apreciação, ele admite o valor que existe na especificidade desta obra de Proudhon (para, além disso, ele não avança), porque o francês põe em cheque a "santidade" econômica, desnudando-a de seu inabalável trono de verdade absoluta e condição natural, expondo seu caráter social e suas contradições intrínsecas ao denunciar o seu único e verdadeiro método que é a exploração, a qual chama de roubo.

Se a riqueza da burguesia é fruto do roubo da força de trabalho alheia, única criadora de riqueza porque transforma a natureza em bens uteis, e esta condição criada para exercer a exploração se deu com a acumulação primitiva do capital, outra ação violenta de pilhagem dos aldeões (terras, utensílios e ferramentas).
Sua desapropriação não caracteriza roubo porque seria a tomada desta riqueza e isto se daria por outra ação violenta porque a burguesia jamais devolveria aquilo que roubou. Tais ações seriam realizadas pelas classes trabalhadoras exploradas pelo capitalismo e reforçadas pelas populações subjugadas pela ordem burguesa por meio das revoluções.

Voltando ao PT, seus dirigentes apostaram na estratégia da revolução democrática silenciosa por dentro do Estado burguês, com o consentimento e participação da própria burguesia. Assim, aceitou o jogo eleitoral como único caminho possível e apostou todas as fichas, mas antes desarticulou, perseguiu e defenestrou as forças internas que permaneciam construindo com as classes trabalhadoras e suas instituições políticas e as populações subjugadas uma estratégia revolucionária de ruptura política, muito hostilizada por não refutar a violência da tomada de poder.

Ao apostar neste caminho alguns dirigentes petistas não se sabe quantos, tiveram que construir estratégias de manutenção no poder por meio da governabilidade. Esta lógica de manutenção, sem perspectiva emancipacionista, via proteção e promoção de direitos sociais importantes, impôs a compra de mandatos para sustentar o governo e o financiamento de suas políticas públicas que eram validadas pelas populações porque atendiam suas necessidades básicas mais urgentes.

Qual é o caminho? O mais “fácil” que é articular as empresas e entrar na dança da corrupção para financiar a permanência do governo. Sem assalto a banco e sem sequestro de autoridades nacionais e internacionais, como meio de obtenção de dinheiro para financiar ações revolucionárias, restou apenas o velho e inexorável dinheiro da corrupção. De revolucionários anistiados pela abertura política do país passaram a ladrão desmoralizado por outros ladrões.

A máquina pública já era dominada pelas lideranças da própria burguesia que sempre fizeram o jogo da corrupção. Isto explica, em certa media as alianças com os setores da burguesia.

O que ainda não está confirmado pela receita e a polícia federal, pois mesmo sendo uma investigação seletiva não confirma se estes dirigentes praticaram o enriquecimento pessoal com o dinheiro obtido nestes esquemas institucional de corrupção. Provavelmente seja exatamente por isso que ainda existem algumas tendências internas do PT que defendem estes dirigentes, mesmo discordando da estratégia.

O que os dirigentes petistas fizeram foi uma capitulação à ordem burguesa, sendo engolidos pela própria lógica burguesa da corrupção. Os equívocos ideológicos destes dirigentes petistas que se envolveram em esquemas de corrupção, com a finalidade de financiar a manutenção do governo são uma estratégia errada e custaram caro aos movimentos sociais. Mas, a análise ainda continua sendo de que, se este foi o caso, não há crise moral em defendê-los.
Pois, continuamos defendendo a desapropriação coletiva da riqueza (pública ou privada) para financiar a revolução social escandalosa por meio da qual far-se-á a tomada do poder econômico e a emancipação humana.


__________________________
[1] Aporia (em grego: Ἀπορία, “caminho inexpugnável, sem saída”, “dificuldade”) é definida como uma dificuldade, impasse, paradoxo, dúvida, incerteza ou momento de contradição que impedem que o sentido de um texto ou de uma proposição seja determinado. Ao estudo das aporias designa-se de aporética.

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