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quinta-feira, 22 de junho de 2023

O governo municipal mistura Flávio José-Santana com o pseudosertanejo do agroboy Tierry

ASCOM/PMVC

"A grandeza de Santana não se deve apenas ao forró (que não é pouca coisa), mas também pela sua posição inegociável de defesa da cultura popular nordestina que remonta aos imemoriais tempos longínquos do indefectível Padrinho Cícero."


*por Herberson Sonkha



A presença de Santana e Flávio José na programação do governo municipal causaria constrangimento à prefeita e seu staff bolsonarista – se é que isso seja mesmo possível – se o governo tivesse um projeto de cultura para a cidade. O desconhecimento (ou tolice intelectual) cultural impõe uma verdadeira miscelânea entre as representações da cultura autêntica do forró nordestino dos festejos juninos com o nada a ver cantor agroboy do “sertanejo” universitário Tierry. 

Se o município tivesse um projeto honesto de resgate, proteção e promoção da cultura popular conquistense (a propósito, Vitória da Conquista está localizada na Bahia que faz parte da região nordeste) não estaria sujeito a certas investidas de empresários oportunistas – ou isso tem algo mais? Isso acontece porque o próprio governo é que destrói o que existe, não tem concepção e prática de cultura popular. É um governo elitizado por agroboys e patricinhas bolsonaristas. 

agroboy

Segue a mesma lógica oportunista oferecida pelo fugaz ecletismo, um modelo liberal estadunidense que subsume o éthos da localidade com o aculturamento musical sudestino forjado pelo árido mercado capitalista burguês. Esse movimento globalizado se transforma em mercadoria para ser vendida como cultura, mas não excede a miserável condição de produto com embalagem de ecletismo. 

Vitória da Conquista é uma cidade sertaneja rica culturalmente, possui um manancial de reminiscência cultural baseada em diversas fontes populares que produzem um conjunto de notáveis saberes, tradições, técnicas, hábitos, comportamentos, costumes e maneira de viver e fazer diversas que expressam os vários grupos sociais existentes no campo e na cidade. 

Os historiadores chamam esse conjunto de patrimônio cultural e, certamente, o Poder Público Municipal deve (pelo menos deveria) velar e criar mecanismos de resgate histórico, proteção e promoção para continuar transmitindo às gerações presentes e futuras. Esses saberes de caráter popular surgem em nossas feiras livres do povo, nos rituais da periferia, as danças populares e a culinária local.  

Sempre tive muito apreço ao musicista Santana, exatamente pela sua qualidade musical de grande forrozeiro (cantador, cantor e compositor) que faz de Juazeiro do Norte, no Ceará, terra do cratense Cícero Romão Batista, o “Padim Ciço”, um lugar sui generis. Lugar de pessoas extraordinárias, um ambiente privilegiado de gente sertaneja e da cultura popular nordestina. 

A grandeza de Santana não se deve apenas ao forró (que não é pouca coisa), mas também pela sua posição inegociável de defesa da cultura popular nordestina que remonta aos imemoriais tempos longínquos do indefectível Padrinho Cícero. Não é fácil ser grande na terra de “Padim Ciço”, primeiro vigário de Juazeiro do Norte (1872), eleito prefeito (1911) depois deputado federal e vice-governador. Enfrentou as oligarquias cearenses e como punição foi acusado de heresia, suspenso da ordem e banido da igreja. 

A história conta muita coisa respeitável sobre as posições políticas avançadas de Padrinho Cícero para época, em favor dos pobres. Uma condição política que não serve para comércio que o tornou Santo entre os sertanejos. Fala-se também do amigo de dar bronca em Lampião, a ponto de defender que fiéis pegassem em armas contra injustiças de jagunços de fazendeiros latifundiários e a força nacional controlada pelas oligarquias cearenses. 

Um admirável desobsessor kardecista do semiárido cearense e um espírito de grande estima para umbandistas (Irmandade Semiromba). Era, de fato, um ser humano formidável e de notável devoção popular que alcançou enorme prestígio e grande influência social e política na cidade por sua posição contrária aos interesses dos políticos adeptos do coronelismo por todo o Nordeste.

Santana faz de seu berço de nascimento, uma segunda Exu de Luiz Gonzaga. Se Padrinho Cícero tornou Juazeiro do Norte a meca dos desalentados, Santana deu continuidade ao que Luiz Gonzaga começou tornando-a a meca da cultura do forró. Juazeiro do Norte de alguma forma se tornou a terra de peregrinação de quem busca a boa música que retrata a cultura nordestina e suas raízes. 

É com esse sentimento de desvelo e criticidade que acolhemos Santana em nosso município para beber de sua grandeza musical e compartilhar de suas posições opostas ao aculturamento sudestino muito necessárias para este momento.  Essa acuidade se deve não apenas às suas belíssimas composições que muitas vezes abordam questões sociais e políticas relevantes, mas sobre a profundidade do que pensa esse artista cearense. 

Assim como “Padim Ciço”, Santana é um legítimo sertanejo que alcança facilmente as nossas consciências políticas porque conhece como se “Pega a veia onde corria um grande amor “ que leva ao coração sertanejo. Sua música diz muito sobre a desesperança do artista diante de tamanha destruição da cultura nordestina pelo grande capital que só resiste graças ao verdadeiro forró, sobretudo quando declama como grande cantador que o é o lindo poema musicado chamado “Siá Filiça”. 

Essa música em particular acalenta qualquer coração com uma pletora de alegria porque nos faz reviver um tempo longínquo que parece não existir mais, contudo a consciência do que a destrói fortalece a nossa resistência. Mas, não deixa de acalentar a melancolia embalada pelo forró “Siá Filiça”. Meu respeito aumentou exponencialmente depois de sua opinião assertiva sobre as consequências destrutivas da plasticidade do “sertanejo” universitário, uma música industrializada sudestina. 

Em um governo municipal burguês fugaz como o de Vitória da Conquista, de valores liberais moralmente ultraconservadores, a cultura popular não subsiste porque é destruída para não confrontar esse genocídio cultural promovido por esses políticos reacionários. 

As vozes liberais mais estridentes de seus proeminentes “pensadores” se omitem ou se engasgam com o nível elevado da crítica de Santana como se quisessem sufocar com a densidade e o volume de água do conhecimento que caem dessa “chuva de honestidade”. Tratar dessa temática no palco não é uma tarefa nada fácil para um artista consciente de seu papel libertador que tem que enfrentar o mercado para viver de sua arte. 

É preciso decência, respeito e muita “chuva de honestidade” para irrigar as mentes ressequidas sobre essa temática social tão premente. Como diz outra voz dissonante, no dizer do pernambucano de Bodocó, o compositor e cantor Leandro Flávio (2013), revoltado porque não autorizou a malversação desta letra nas redes sociais no processo eleitoral de 2018 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Aliás, essa gente (a prefeita e seu governo) também se reivindica dessa fração fascista genocida. 

Esses fascistas usaram dinheiro público para promover a invasão de “sertanejo” universitário, impulsionados pelo livre mercado capitalista. Essa música é uma aberração, um lixo musical que causa ruído ensurdecedor a artistas nordestinos conscientes como Chico Cézar e Santana. Mas, inegavelmente é um tema sem a menor importância cultural para o atual governo municipal. 

As redes sociais pouco discutem nessa perspectiva, por isso causa muita polêmica pela ausência de leituras sociopolíticas e históricas mais consistentes, geralmente exigidas para compreender as contradições geopolíticas brasileiras que se apresentam na conjuntura socioeconômica e cultural do país. 

A “pletora de alegria” (que se iguala ao show de Jorge Ben Jor) com Santana, vai muito além das belas composições e interpretações únicas. Faço memória às recentes declarações que viralizaram nas mídias sociais ditas no mais importante palco de São João de Recife, no Sítio Da Trindade. Santana ponderou em sua homenagem a Flávio José assertivamente sobre a enxurrada de pseudosertanejos universitários sudestino que vêm restringindo consideravelmente o espaço para forrozeiros nos palcos tradicionais do forró.

O poeta autenticamente sertanejo e cantador arretado de cultura popular nordestina manteve a mesma ponderação crítica na programação de São João de Bananeiras (18), no Brejo paraibano, pois é importante dizer que essa invasão de agroboys no nordeste da agricultura familiar não faz nenhum sentido porque não possui valor cultural e musical para os festejos juninos no Nordeste, segundo matéria publicada pelo Jornal o Poder de Recife, capital de Pernambuco. 

A crítica contumaz do amigo particular de Luiz Gonzaga (conheceu em 1984), para quem fez voz em vários shows, continua sendo válida e necessária em Vitória da Conquista. A pertinência da crítica se deve a sua presença na cidade ao lado de Flávio José, essas duas expressões colossais da cultura popular do forró nordestino, vão ter o desprazer de dividir o palco de festejos juninos com o cantor Tierry. Uma versão soteropolitana de agroboy conhecido por cantar arrocha e “sertanejo” universitário nos programas do “agro é pop” da rede globo de televisão. 

A arrogância política e a estupidez intelectual do governo municipal (a prefeita e seu staff), nisso se iguala a canalhada fascista de Jair Bolsonaro, o impediu de perceber que a autenticidade dos forrozeiros Flávio José e Santana, consiste na crítica ferrenha à música de plástico sem autenticidade sertaneja e lastro cultural. Apesar disso, pedimos desculpas aos forrozeiros pelo desproposito da conveniência eleitoreira e a agressão vil aos valores socioculturais nordestinos que eles representam. 

Como haveria de ser, reafirmamos que muito nos honra as presenças desses forrozeiros que mesmo sabendo dessa luta incessante contra o lixo sudestino (em minha opinião), aceitaram fazer parte da programação junina de Vitória da Conquista. Por certo, suas estadas em nossa cidade nesta semana poderão surpreender o governo bolsonarista ao se apresentarem no palco “eclético” do espaço Glauber Rocha nos festejos juninos da cidade. 

Lembrando que a crítica de Santana cabe perfeitamente ao discurso governista habitual usado como resposta à crítica feita por vários ativistas, artistas e intelectuais conquistenses ao governo municipal bolsonarista que pratica o ecletismo musical, inclusive o desmonte do Conselho Municipal de Cultura e das políticas públicas. A crítica ao eclético é porque não tem nenhuma relação com a ideia de diversidade de gêneros musicais e vai muito além da crítica ao processo de aculturação. 

Santana se estende também às questões relacionadas à economia doméstica, pois a “evasão de divisas” no fluxo circular da renda das regiões Norte e Nordeste prejudica a economia doméstica nordestina. Não é muito diferente do que vem ocorrendo no município com a desconstrução da cultura popular pelo atual governo municipal, pois essa questão é uma decisão política característica de bolsonaristas e faz parte de um conjunto de péssimas escolhas que esse desgoverno municipal vem fazendo em Vitória da Conquista. 

Ao invés disso, o governo deveria adotar política cultural que protegesse esse setor da economia doméstica para aumentar o volume de moeda em circulação e não diminuir com fuga de capital para outras regiões historicamente favorecida pela política macroeconômica desenvolvimentista adotada pelo Estado que privilegia o Sul, Sudeste e Centro Oeste do Brasil.

Qualquer pessoa conquistense ou da região sudoeste sensata diria que determinadas políticas culturais adotadas por esse governo municipal são desastrosas porque estão direcionadas apenas aos setores da economia formado por grandes conglomerados do grande capital, especialmente aqueles concentrados na capital do Estado ou mesmo em regiões sudestinas, em detrimento do social fora desse eixo sul-sudeste e centro oeste.

O debate proposto pelo forrozeiro é sério porque está preocupado com a subutilização de um importante vetor de desenvolvimento econômico que, ao ser negligenciado, atinge em cheio aquelas pessoas da localidade que vivem do forró. Definha a cultura e causa prejuízo que favorece apenas aos interesses socioeconômicos do show business country para promover agroboys. Especialmente porque reproduz uma matriz cultural baseada num produto de baixíssima qualidade cultural. Aliás, o que existe de pior no country.  

A crítica a plasticidade da cultura de massa que Chico César e Santana fazem deve atingir em cheio o atual governo municipal que tem fortes laços com a herança bolsonarista e o financiamento de agroboys e seu desprezível “sertanejo” universitário. O fato de ter uma sanfona na banda não significa necessariamente que seja minimamente um gênero sertanejo ou um autêntico forró. A plasticidade musical sudestina serve apenas ao fugaz mercado capitalista movido pela ganância de empresários da cultura de massa e massificação industrial que promove o aculturamento.

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