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sexta-feira, 21 de abril de 2023

Leituras preliminares e considerações práticas sobre o filósofo alemão Immanuel Kant

Imagem: The New European

*por Herberson Sonkha

 

O primeiro contato ainda como um "insolente" adolescente (com pretensões à intelectualidade) com o filósofo alemão Immanuel Kant, não me causou tanto interesse assim como deveria. Penso que eu ainda não tinha a maturidade necessária para refletir na mesma profundidade da densa obra desse filósofo que inaugura o pensamento moderno, sobretudo sobre o tipo de pensamento dominante naquele mundo e de como as pessoas viviam imersas naquele século XVIII na Alemanha.

Impensável uma Europa burguesa mergulhada no mais absoluto analfabetismo, repentinamente havia gente sem qualquer tipo de letramento na Europa. Isso era o mesmo que dessacralizar a imagem intelectual desse lugar moderno, cuja literatura liberal surgida na revolução burguesa havia mudado a cabeças de estudantes fidalgos que foram estudar na Europa, de tal modo que os transformaram em abolicionista, referencial de berço da civilização ocidental (ou burguesa se preferir).

Anos depois, já com alguma leitura complementar no campo da historiografia marxista, descobrir que o historiador inglês Erick Hobsbawm, considerado um dos mais proeminentes expoentes da historiografia marxista de nosso tempo, o pensador mais influente de minha geração, escreveu em sua obra seminal, a terceira obra publicada em 1984 da tríade que ele denominou “longo século XIX”, o livro "Era dos Impérios - 1875-1914", que parte significativa da Europa se localizava fora do eixo central do desenvolvimento econômico capitalista e da sociedade burguesa.

Portanto, estar fora desse eixo significava dizer que as grandes extensões de terras da Europa permaneciam na periferia do desenvolvimento e as pessoas que nelas viviam estavam a um século equidistante dos seus "contemporâneos e governantes", exemplo de quem estava no "litoral adriático da Dalmácia ou na Bukovina, onde, em 1880, 88% da população eram analfabetos" (HOBSBAWM, 1988, p. 20).

Para quem morreu em 1804, como é o caso de Kant, ele presenciou esse cenário de analfabetismo generalizado da Europa. Exceção à regra geral, o filósofo Kant produziu intensamente, cuja principal contribuição filosófica é a teoria do conhecimento denominada de "idealismo transcendental". Kant compreendia em sua teoria do conhecimento que o nosso conhecimento não advinha apenas do reflexo da realidade objetiva, pois segundo Kant dependia também da estrutura de nossa mente. Para ele, determinados conceitos ou categorias são inatas (nasce com a pessoa) a mente, possibilitando organizar e interpretar a experiência sensorial.

Como qualquer um de seus antecessores, o filósofo Kant também escreveu sobre a ética, apresentando os pressupostos da teoria do imperativo categórico. Nela, afirma-se que as ações humanas são moralmente corretas, quando realizadas atendendo minimamente a princípios universalizáveis e que possa ser adotada por todas as pessoas. Portanto, Kant define ética do imperativo categórico como sendo a ação moral fundamentada em princípios universais e imperativos racionais, destituída do interesse egoísta.

Esse era o enigmático Kant que eu o via tão distante da minha compreensão lá na minha longínqua adolescência, a distância desse autor me impedia de enxergá-lo como um dos principais pilares da filosofia moderna que deu ao mundo um conjunto de obras intensamente estudas e debatidas que ainda nos alcança com tamanha vivacidade.

Immanuel Kant nasce em 22 de abril de 1724 em Königsberg, no mais importante centro cultural e intelectual alemão, considerada cidade universitária. Seu nascimento acontece quase dois meses antes da junção de três povoações menores de Altstadt, Kneiphof e Löbenicht que se tornaria a maior cidade oriental da Alemanha até a Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945), depois do bombardeio a Königsberg, pela Força Aérea Soviética em agosto de 1944.

Viveu em Königsberg grande parte de sua vida, filho de modesto artesão, descendente de um grupo étnico minoritário e estudou (matemática, física e teologia) na Universidade de Königsberg, onde se tornou professor assistente por 30 anos. Importante destacar as influências intelectuais recebidas por Kant e como elas vão comparecer na teoria Kantiana.

Kant teve acesso aos principais pensadores de seu tempo através de as suas respectivas obras, a exemplo do filósofo alemão Christian Wolff, do filósofo escocês David Hume, do filósofo e escritor francês Jean-Jacques Rousseau, do filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm Leibniz e do cientista inglês Sir Isaac Newton. Todos esses pensadores vão exercer direta ou indiretamente influência sobre a filosofia Kantiana.

Kant se impressionou com o sistema filosófico racionalista desenvolvido por Christian Wolff, sobretudo o conjunto de elementos alicerçados na lógica e na matemática. Esse conhecimento impactou Kant de tal forma que foi amplamente utilizado por ele em seus pressupostos racionalistas. Contudo, é com o filosofo e matemático Gottfried Wilhelm Leibniz que Kant amplia o conceito de sistema de filosofia racionalista.

Interessou a Kant as ideias de Leibniz acerca da natureza dos conceitos, sobretudo suas ideias baseadas no entendimento de que todo conceito é composto de unidades fundamentais (mônadas) vão fundamentar as ideias de Kant acerca da natureza da mente e do conhecimento. O cientista inglês Isaac Newton com suas leis do movimento e da gravitação influenciou o pensamento de Kant de tal modo que ele passa a analisar a natureza da física e do mundo natural.

Com filósofo David Hume, Kant analisou detidamente a influência da argumentação ceticista acerca da natureza do conhecimento. Analisou a tese de Hume de que todo conhecimento é baseado em experiências sensíveis e a refutação do conhecimento a priori (raciocínio cujas definições foram dadas inicialmente) ou conceito universais.

 Embora Hume tenha inspirado Kant, é inegável que ele tenha preferido desenvolver sua própria teoria acerca de como conhecemos o mundo. Kant recebe do filósofo Jean-Jacques Rousseau a influência expressiva exercendo sobre Kant um interesse sobre suas ideias políticas e sociais, e isso vai aparecer na obra de Kant na formulação teórica dos pressupostos sobre a ética e a política.

Dessa rica e caudalosa discussão filosófica, resulta a produção de toda a literatura existente naquele período que antecede à construção do pensamento Kantiano no campo da filosofia. Kant vai produzir um conjunto de obras consideráveis que constituem e explicam a filosofia moderna. As obras "Crítica da Razão Pura", a "Crítica da Razão Prática" e a "Crítica do Julgamento" compõem o conjunto da obra Kantiana que afeta significativamente a filosofia moderna e continua influenciando pensadores importantes na atualidade.

O que me levou à Kant foi minha necessidade de compreender outro alemão chamado Karl Marx, pois agora era necessário percorrer alguns itinerários teóricos feito por Marx que, inevitavelmente me levaria para além de sua densa e complexa obra marxiana, na qual Kant ocupa lugar importante para Marx. O ponto de intercepção era a sua abordagem da dialética. No entanto, não pretendo fazer uma análise comparativa entre essas duas concepções filosóficas, apenas entender em Kant formula as considerações sobre a dialética em sua obra "Crítica da Razão Pura".

Para Kant a dialética é um método que procura examinar a razão depois dos limites da experiência possível, procurando encontrar respostas para questões que superam o conhecimento empírico (baseado na experiência e na observação). Porém, Kant alega que a dialética é capaz de conduzir a contradições e paradoxos, através da procura para criar conhecimento sobre as coisas que não podem ser diretamente experienciadas.

Por esse motivo, ele propõe que a filosofia deveria limitar-se ao campo da razão pura, devendo ser fundamentada de maneira adequada pela lógica e pela matemática. Ademais de a dialética ser direcionada para análise crítica das condições e limites do conhecimento humano. Portanto, Kant entende que a dialética é um risco para a filosofia, pois pode nos levar a ilusões e confusões. Nesse sentido, Kant defende uma epistemologia crítica fundamentada na razão pura para firmar a verdade de maneira consistente e rigorosa.

Na "Crítica da Razão Pura", Kant investiga a possibilidade e os limites do conhecimento humano, dividindo-a em duas partes: a "Estética Transcendental" e a "Lógica Transcendental".

1 - Na "Estética Transcendental", Kant debate como a mente humana é capaz de perceber o mundo e atingir a um conhecimento sensível. Sua argumentação vai no sentido de afirmar que a mente é capaz de organizar a percepção sensorial em formas como espaço e tempo, afirmando ser pré-condições para qualquer experiência sensível.

2 - Na "Lógica Transcendental", Kant está centralizado na análise dos conceitos e categorias aplicados pela mente para atingir a um conhecimento inteligível. Nesse sentido, ele afirma que as ideias a priori são determinantes para o conhecimento verdadeiro. Essas ideias servem de base para as categorias da mente, agindo como causa-efeito, tempo e espaço.

A "Crítica da Razão Pura" de Kant discute também a distinção entre fenômenos e números, uma tese que argui que a mente humana não tem capacidade de conhecer a realidade em si mesma, somente as aparências (aquilo que se mostra imediatamente) sensíveis (capaz de ser percebida pelos sentidos) que ela apresenta. Essa é a obra que vai distinguir a influência da abordagem crítica e sistematizada à filosofia moderna, que considera os limites do conhecimento humano e procura instituir as condições e possibilidades por meio dos quais são possíveis acessar o conhecimento verdadeiro e racional.

Na "Crítica da Razão Prática", Kant afirma que a moralidade é independente da experiência, argumentando que a moralidade não pode ser fundamentada em nossas experiências, sentimento ou desejos. Ao invés disso, ele afirma que a moralidade está fundamentada em "imperativo categórico" que regra a moral absoluta a qual todos os seres racionais estão sujeitos, sem qualquer relação com as suas inclinações.

Segundo Kant, o "imperativo categórico" é o critério necessário para se admitir a análise acerca do que motiva a ação humana e compreensão da moral e da ética, com a finalidade de explicar como o indivíduo age guiado por princípios considera ser o recomendável para sociedade, de modo que esse comportamento se tornaria uma lei universal.

Nesse sentido, a "razão prática" para Kant conduz os seres racionais a moralidade, de modo que esse pressuposto da razão prática afirma ser a capacidade de agir dentro do que é estabelecido pelo "imperativo categórico", caminho que conduz os seres racionais à moralidade. Nesse sentido, torna-se a base para todas as decisões morais dos indivíduos, que proporciona a tomada de decisões baseadas em princípios eternos e objetivos.

Em Kant a liberdade é essencial à moralidade, pois sendo a liberdade uma condição indispensável à qualquer pessoa para escolher o modo de agir em conformidade com o seu dever moral, independente de que a sua escolha seja contrária as suas inclinações ou vantagens pessoais.

Kant também expressa respeito imprescindível a dignidade humana, segundo o "imperativo categórico" há uma exigência ao acatamento da dignidade humana, no sentido que atribui tratamento respeitoso a todas as pessoas sem qualquer outro interesse, refutando a conveniência do tratamento como meio para alcançar seus próprios interesses. Kant exige considerações igualitárias, pois deve ser também condição legítima de justiça exigir que se trate todas as pessoas com igual consideração, rebatendo discriminações baseadas em traços pessoais de raça, gênero e classe social.

Nesse sentido, a teoria Kantiana afirma que os objetos estão na mira das sensações que produzem impressões, essas por sua vez precisam existir de maneira reconhecível pelo campo físico para que as impressões façam sentido. Em razão disso, o conhecimento das coisas do mundo é motivando pela faculdade de sentir e avaliar.

O agir baseado no dever como princípio supremo da moralidade não se limita a ideia de “fazer o que gostaria que lhe fizessem”, por causa do comportamento que deve ser livre de interesse e encerra um fim em si memo. Não existe relativismo moral, pois não está condicionado à mudança de situação e de contexto no qual a pessoa está inserida. Da mesma forma não é afetada pela subjetividade porque se estende a todas as pessoas.

Kant considera que o agir está ligado a ideia geral de comportamento extensivo que alcança a todas as pessoas, portanto parte-se do princípio de que todas as ações estejam dentro das regras, portanto, uma lei universal acolhida pela coletividade. O imperativo categórico está baseado em afirmações complementares e de orientação que norteiam o modo como se investiga a conduta moralmente recomendada.

Kant propõe um agir como lei universal, na qual o sentido último de uma ação consiste no que deve ser por meio de vontade da pessoa, diz Kant “Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal”. Esse agir com base em princípios se torna previsível e pode ser usado pela humanidade tanto na pessoa de quem age, quanto de qualquer outra pessoa simultaneamente e o tempo todo, pois existe um fim em si mesmo e jamais usada como meio. Aqui a vontade individual está olhando a si mesma e, simultaneamente, como legislador universal por meio de princípios.

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