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Leituras preliminares e considerações práticas sobre o filósofo alemão Immanuel Kant
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Imagem: The New European |
*por
Herberson Sonkha
O primeiro contato ainda como um "insolente" adolescente (com pretensões à intelectualidade) com o filósofo alemão Immanuel Kant, não me causou tanto interesse assim como deveria. Penso que eu ainda não tinha a maturidade necessária para refletir na mesma profundidade da densa obra desse filósofo que inaugura o pensamento moderno, sobretudo sobre o tipo de pensamento dominante naquele mundo e de como as pessoas viviam imersas naquele século XVIII na Alemanha.
Impensável
uma Europa burguesa mergulhada no mais absoluto analfabetismo, repentinamente
havia gente sem qualquer tipo de letramento na Europa. Isso era o mesmo que
dessacralizar a imagem intelectual desse lugar moderno, cuja literatura liberal
surgida na revolução burguesa havia mudado a cabeças de estudantes fidalgos que
foram estudar na Europa, de tal modo que os transformaram em abolicionista,
referencial de berço da civilização ocidental (ou burguesa se preferir).
Anos
depois, já com alguma leitura complementar no campo da historiografia marxista,
descobrir que o historiador inglês Erick Hobsbawm, considerado um dos mais
proeminentes expoentes da historiografia marxista de nosso tempo, o pensador
mais influente de minha geração, escreveu em sua obra seminal, a terceira obra
publicada em 1984 da tríade que ele denominou “longo século XIX”, o livro
"Era dos Impérios - 1875-1914", que parte significativa da Europa se
localizava fora do eixo central do desenvolvimento econômico capitalista e da
sociedade burguesa.
Portanto,
estar fora desse eixo significava dizer que as grandes extensões de terras da
Europa permaneciam na periferia do desenvolvimento e as pessoas que nelas
viviam estavam a um século equidistante dos seus "contemporâneos e
governantes", exemplo de quem estava no "litoral adriático da
Dalmácia ou na Bukovina, onde, em 1880, 88% da população eram analfabetos"
(HOBSBAWM, 1988, p. 20).
Para
quem morreu em 1804, como é o caso de Kant, ele presenciou esse cenário de
analfabetismo generalizado da Europa. Exceção à regra geral, o filósofo Kant
produziu intensamente, cuja principal contribuição filosófica é a teoria do
conhecimento denominada de "idealismo transcendental". Kant
compreendia em sua teoria do conhecimento que o nosso conhecimento não advinha
apenas do reflexo da realidade objetiva, pois segundo Kant dependia também da
estrutura de nossa mente. Para ele, determinados conceitos ou categorias são
inatas (nasce com a pessoa) a mente, possibilitando organizar e interpretar a
experiência sensorial.
Como
qualquer um de seus antecessores, o filósofo Kant também escreveu sobre a
ética, apresentando os pressupostos da teoria do imperativo categórico. Nela,
afirma-se que as ações humanas são moralmente corretas, quando realizadas
atendendo minimamente a princípios universalizáveis e que possa ser adotada por
todas as pessoas. Portanto, Kant define ética do imperativo categórico como
sendo a ação moral fundamentada em princípios universais e imperativos
racionais, destituída do interesse egoísta.
Esse
era o enigmático Kant que eu o via tão distante da minha compreensão lá na
minha longínqua adolescência, a distância desse autor me impedia de enxergá-lo
como um dos principais pilares da filosofia moderna que deu ao mundo um
conjunto de obras intensamente estudas e debatidas que ainda nos alcança com
tamanha vivacidade.
Immanuel
Kant nasce em 22 de abril de 1724 em Königsberg, no mais importante centro
cultural e intelectual alemão, considerada cidade universitária. Seu nascimento
acontece quase dois meses antes da junção de três povoações menores de
Altstadt, Kneiphof e Löbenicht que se tornaria a maior cidade oriental da
Alemanha até a Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945), depois do bombardeio
a Königsberg, pela Força Aérea Soviética em agosto de 1944.
Viveu
em Königsberg grande parte de sua vida, filho de modesto artesão, descendente
de um grupo étnico minoritário e estudou (matemática, física e teologia) na
Universidade de Königsberg, onde se tornou professor assistente por 30 anos.
Importante destacar as influências intelectuais recebidas por Kant e como elas
vão comparecer na teoria Kantiana.
Kant
teve acesso aos principais pensadores de seu tempo através de as suas
respectivas obras, a exemplo do filósofo alemão Christian Wolff, do filósofo
escocês David Hume, do filósofo e escritor francês Jean-Jacques Rousseau, do
filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm Leibniz e do cientista inglês
Sir Isaac Newton. Todos esses pensadores vão exercer direta ou indiretamente
influência sobre a filosofia Kantiana.
Kant
se impressionou com o sistema filosófico racionalista desenvolvido por
Christian Wolff, sobretudo o conjunto de elementos alicerçados na lógica e na
matemática. Esse conhecimento impactou Kant de tal forma que foi amplamente
utilizado por ele em seus pressupostos racionalistas. Contudo, é com o filosofo
e matemático Gottfried Wilhelm Leibniz que Kant amplia o conceito de sistema de
filosofia racionalista.
Interessou
a Kant as ideias de Leibniz acerca da natureza dos conceitos, sobretudo suas
ideias baseadas no entendimento de que todo conceito é composto de unidades
fundamentais (mônadas) vão fundamentar as ideias de Kant acerca da natureza da
mente e do conhecimento. O cientista inglês Isaac Newton com suas leis do
movimento e da gravitação influenciou o pensamento de Kant de tal modo que ele
passa a analisar a natureza da física e do mundo natural.
Com
filósofo David Hume, Kant analisou detidamente a influência da argumentação
ceticista acerca da natureza do conhecimento. Analisou a tese de Hume de que
todo conhecimento é baseado em experiências sensíveis e a refutação do
conhecimento a priori (raciocínio cujas definições foram dadas inicialmente) ou
conceito universais.
Embora Hume tenha inspirado Kant, é inegável
que ele tenha preferido desenvolver sua própria teoria acerca de como
conhecemos o mundo. Kant recebe do filósofo Jean-Jacques Rousseau a influência
expressiva exercendo sobre Kant um interesse sobre suas ideias políticas e
sociais, e isso vai aparecer na obra de Kant na formulação teórica dos pressupostos
sobre a ética e a política.
Dessa
rica e caudalosa discussão filosófica, resulta a produção de toda a literatura
existente naquele período que antecede à construção do pensamento Kantiano no
campo da filosofia. Kant vai produzir um conjunto de obras consideráveis que
constituem e explicam a filosofia moderna. As obras "Crítica da Razão
Pura", a "Crítica da Razão Prática" e a "Crítica do
Julgamento" compõem o conjunto da obra Kantiana que afeta
significativamente a filosofia moderna e continua influenciando pensadores
importantes na atualidade.
O
que me levou à Kant foi minha necessidade de compreender outro alemão chamado
Karl Marx, pois agora era necessário percorrer alguns itinerários teóricos
feito por Marx que, inevitavelmente me levaria para além de sua densa e
complexa obra marxiana, na qual Kant ocupa lugar importante para Marx. O ponto
de intercepção era a sua abordagem da dialética. No entanto, não pretendo fazer
uma análise comparativa entre essas duas concepções filosóficas, apenas
entender em Kant formula as considerações sobre a dialética em sua obra
"Crítica da Razão Pura".
Para
Kant a dialética é um método que procura examinar a razão depois dos limites da
experiência possível, procurando encontrar respostas para questões que superam
o conhecimento empírico (baseado na experiência e na observação). Porém, Kant
alega que a dialética é capaz de conduzir a contradições e paradoxos, através
da procura para criar conhecimento sobre as coisas que não podem ser
diretamente experienciadas.
Por
esse motivo, ele propõe que a filosofia deveria limitar-se ao campo da razão
pura, devendo ser fundamentada de maneira adequada pela lógica e pela
matemática. Ademais de a dialética ser direcionada para análise crítica das
condições e limites do conhecimento humano. Portanto, Kant entende que a
dialética é um risco para a filosofia, pois pode nos levar a ilusões e
confusões. Nesse sentido, Kant defende uma epistemologia crítica fundamentada
na razão pura para firmar a verdade de maneira consistente e rigorosa.
Na
"Crítica da Razão Pura", Kant investiga a possibilidade e os limites
do conhecimento humano, dividindo-a em duas partes: a "Estética
Transcendental" e a "Lógica Transcendental".
1
- Na "Estética Transcendental", Kant debate como a mente humana é
capaz de perceber o mundo e atingir a um conhecimento sensível. Sua
argumentação vai no sentido de afirmar que a mente é capaz de organizar a
percepção sensorial em formas como espaço e tempo, afirmando ser pré-condições
para qualquer experiência sensível.
2
- Na "Lógica Transcendental", Kant está centralizado na análise dos
conceitos e categorias aplicados pela mente para atingir a um conhecimento
inteligível. Nesse sentido, ele afirma que as ideias a priori são determinantes
para o conhecimento verdadeiro. Essas ideias servem de base para as categorias
da mente, agindo como causa-efeito, tempo e espaço.
A
"Crítica da Razão Pura" de Kant discute também a distinção entre
fenômenos e números, uma tese que argui que a mente humana não tem capacidade
de conhecer a realidade em si mesma, somente as aparências (aquilo que se
mostra imediatamente) sensíveis (capaz de ser percebida pelos sentidos) que ela
apresenta. Essa é a obra que vai distinguir a influência da abordagem crítica e
sistematizada à filosofia moderna, que considera os limites do conhecimento
humano e procura instituir as condições e possibilidades por meio dos quais são
possíveis acessar o conhecimento verdadeiro e racional.
Na
"Crítica da Razão Prática", Kant afirma que a moralidade é
independente da experiência, argumentando que a moralidade não pode ser
fundamentada em nossas experiências, sentimento ou desejos. Ao invés disso, ele
afirma que a moralidade está fundamentada em "imperativo categórico"
que regra a moral absoluta a qual todos os seres racionais estão sujeitos, sem
qualquer relação com as suas inclinações.
Segundo
Kant, o "imperativo categórico" é o critério necessário para se
admitir a análise acerca do que motiva a ação humana e compreensão da moral e
da ética, com a finalidade de explicar como o indivíduo age guiado por
princípios considera ser o recomendável para sociedade, de modo que esse
comportamento se tornaria uma lei universal.
Nesse
sentido, a "razão prática" para Kant conduz os seres racionais a
moralidade, de modo que esse pressuposto da razão prática afirma ser a
capacidade de agir dentro do que é estabelecido pelo "imperativo
categórico", caminho que conduz os seres racionais à moralidade. Nesse
sentido, torna-se a base para todas as decisões morais dos indivíduos, que
proporciona a tomada de decisões baseadas em princípios eternos e objetivos.
Em
Kant a liberdade é essencial à moralidade, pois sendo a liberdade uma condição
indispensável à qualquer pessoa para escolher o modo de agir em conformidade
com o seu dever moral, independente de que a sua escolha seja contrária as suas
inclinações ou vantagens pessoais.
Kant
também expressa respeito imprescindível a dignidade humana, segundo o
"imperativo categórico" há uma exigência ao acatamento da dignidade
humana, no sentido que atribui tratamento respeitoso a todas as pessoas sem
qualquer outro interesse, refutando a conveniência do tratamento como meio para
alcançar seus próprios interesses. Kant exige considerações igualitárias, pois
deve ser também condição legítima de justiça exigir que se trate todas as
pessoas com igual consideração, rebatendo discriminações baseadas em traços
pessoais de raça, gênero e classe social.
Nesse
sentido, a teoria Kantiana afirma que os objetos estão na mira das sensações
que produzem impressões, essas por sua vez precisam existir de maneira
reconhecível pelo campo físico para que as impressões façam sentido. Em razão
disso, o conhecimento das coisas do mundo é motivando pela faculdade de sentir
e avaliar.
O
agir baseado no dever como princípio supremo da moralidade não se limita a
ideia de “fazer o que gostaria que lhe fizessem”, por causa do comportamento
que deve ser livre de interesse e encerra um fim em si memo. Não existe
relativismo moral, pois não está condicionado à mudança de situação e de
contexto no qual a pessoa está inserida. Da mesma forma não é afetada pela
subjetividade porque se estende a todas as pessoas.
Kant
considera que o agir está ligado a ideia geral de comportamento extensivo que
alcança a todas as pessoas, portanto parte-se do princípio de que todas as
ações estejam dentro das regras, portanto, uma lei universal acolhida pela
coletividade. O imperativo categórico está baseado em afirmações complementares
e de orientação que norteiam o modo como se investiga a conduta moralmente
recomendada.
Kant
propõe um agir como lei universal, na qual o sentido último de uma ação
consiste no que deve ser por meio de vontade da pessoa, diz Kant “Age como se a
máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei
universal”. Esse agir com base em princípios se torna previsível e pode ser
usado pela humanidade tanto na pessoa de quem age, quanto de qualquer outra
pessoa simultaneamente e o tempo todo, pois existe um fim em si mesmo e jamais
usada como meio. Aqui a vontade individual está olhando a si mesma e,
simultaneamente, como legislador universal por meio de princípios.
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