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quinta-feira, 13 de abril de 2023

Dialogando com Edwaldo Alves sobre “deixar tudo como está”?


 

*por Herberson Sonkha 

 

Em artigo de opinião publicado no Blog de Paulo Nunes recentemente (03), o ex-secretário municipal designado para várias pastas ao longo de duas décadas do governo petista (1997-2017), militante fundador do Partido dos Trabalhadores (PT), o sociólogo Edwaldo Alves, faz observações pontuais consideráveis, não menos questionáveis, sobre as eleições de 2024. 

Sobre Edwaldo Alves pode-se dizer que é um histórico, inegavelmente um desses importantes intelectuais paulistas que se radicou em Vitória da Conquista no final do século passado e com larga militância no país organizando o Partido dos Trabalhadores (PT) nos anos 1980. Experienciou os primeiros passos das primeiras prefeituras do partido, a exemplo do Governo Participativo de Santos (SP) em 1989 da prefeita Telma Santos. Não se iludam, pois Edwaldo Alves vem respeitosamente do "Partidão", foi formado pela “escola clássica” de lutas memoráveis da esquerda nesse país, forjado nos duros tempos de resistência à ditadura militar no Brasil (1964-1985).

Quando a direção do PCB se viu forçada a exilar-se por causa do endurecimento do regime autoritário pelo do AI-5 e as perseguições de generais de linha dura no final da década de 60, Edwaldo Alves se exilou na União Soviética. De volta ao Brasil para atuar no processo de redemocratização do país participou da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) no final da década de 1970. A convite do recém-eleito prefeito de Vitória da Conquista, o médico Guilherme Menezes eleito em 1996, Edwaldo Alves coordena a formulação, organização e execução do Orçamento Participativo (OP) implantado em Vitória da Conquista.

A seriedade, o conhecimento e domínio empírico das relações sociais na dinâmica brasileira (isso inclui Vitória da Conquista) que orienta e qualifica a escrita de Edwaldo Alves, ao mesmo tempo em que o localiza no campo de esquerda, pois ainda preserva a cultura da escrita com base na análise de conjuntura: quadro Internacional, nacional, estadual e municipal. 

Provavelmente não tenha sido essa a finalidade do petista nesse exato momento de produzir uma minuciosa análise de conjuntura (no sentido lato da expressão), embora Edwaldo Alves possua todas as condições intelectuais e o conhecimento empírico necessário para tal. Contudo, insisto, pois, todas essas observações pertinentes feitas por Edwaldo Alves vão muito além de apenas explicar e correlacionar os fatos, diz mais sobre a exiguidade de romper o óbice da alienação e bestialidades bolsonaristas para instar a consciência crítica dos(as) munícipes conquistenses.

Por razões óbvias, não existe outro caminho senão discutir criticamente os dois campos colidentes para abordar ideologicamente os interesses sociais, econômicos, culturais e políticos em disputa no processo eleitoral que se avizinha.  Essa "escolha" é que atribui singularidade partidária (esquerda radical, centro-esquerda, direita ou extrema-direita) ao Programa de Governo e, consequentemente, ao papel político (conservador ou progressista) a ser desempenhado pelo governo que pode promover avanços ou causação do desmontes e retrocessos nas políticas públicas e diminuem o "fluxo circular da renda" do município. 

A meu ver, Edwaldo Alves pertence ao campo de esquerda, mesmo com toda a elasticidade de nosso tempo (por isso inclui-se os liberais progressistas) e essa escolha histórica fez desse observador atento aos movimentos históricos dialéticos da sociedade de nosso tempo um crítico incorrigível, cuja escrita possui considerável e intrigante discernimento. 

Esse é o convite de sua escrita para aprofundar reflexivamente o debate sobre os efeitos contraproducentes no município, causados pela depressão socioeconômica vivenciada na última gestão pela política macroeconômica ultraliberal adotada pelo governo federal de Jair Messias Bolsonaro. Em Vitória da Conquista é intensificada pela desastrosa política do governo municipal da outsider Sheila Melo. Na contramão da escrita de Edwaldo Alves, segue a empresária e politicamente partidária que se reivindica representante do capital (rentista, industrial e agronegócio) na cidade de viés bolsonarista. 

Essas escolhas no âmbito federal e municipal vêm demonstrando rebaixamento em todos os indicadores multidimensionais que impactam negativamente na vida das pessoas e do município. Aliás, Edwaldo Alves não deixa de apresentar um “preambulo” que enriquece qualquer debate sobre Programa de Governo. Pois, essa modalidade de escrita ajuda muito na formulação da tática eleitoral da maioria dos partidos tradicionalmente de esquerda.  

No geral, Edwaldo Alves destoa pontualmente da linha hegemônica central (segundo conceito teórico de hegemonia do marxista italiano Antônio Gramsci) da direção do Partido dos Trabalhadores (PT). Essa talvez seja a importância da contribuição textual de Edwaldo Alves para o debate crítico (fora da caixa de ressonância programática) de quem pretende disputar os espaços de poder sabendo qual é a correlação de forças antagônicas constituídas que vão operar a Política Partidária no processo eleitoral de 2024. Essa esfinge me trouxe para esse diálogo crítico sobre os limites e os desafios, tanto para esquerda radical, quanto a esquerda social liberal no município em 2024.  

Assim sendo, portanto, adotarei a mesma linha de observações de Edwaldo Alves, não produzindo uma análise de conjuntura propriamente dita. Apenas algumas poucas ponderações (críticas e contribuições) acerca dos pontos que considero centrais no artigo de opinião do camarada Edwaldo Alves. Dessa maneira, nos interessa analisar qual a direção da “visão do momento”, de onde se observa (da bolha ou das ruas) o cenário internacional/nacional e quais são as ponderações feitas pelo mesmo.  

A primeira é a de que ele olha de encontro ao “momento” pretérito, marcado pelos últimos acontecimentos (ataques nazifascistas a Praça dos Três Poderes no 08 de janeiro de 2023), imediatamente depois do encerramento da gestão federal que finda com a posse da versão III do governo Lula sob fortes ameaças terroristas. Embora tenha sido um curto período de tempo em que o Brasil fora governado por forças de extrema-direita de verve fascista, a sensação era de termos saído de décadas de retrocessos, uma espécie de déjà-vu do final dos anos de chumbo da ditadura militar no país.

A segunda é a de que o lócus de onde ele observa não é o da bolha. Pelo contrário, é do chão das ruas mesmo porque se tornara lócus de rearticulação e resistência do campo de forças democráticas de esquerda e liberal progressista contra a derrocada literal da 8ª República, instituir uma versão “tupiniquim” de Terceiro Reich. Esse entrincheiramento de resistência, capitaneado pelo capital político e as experiências acumuladas ao longo de duas décadas de gestão do PT no município, vai posicionar as forças ligadas ao governo do Estado contra todas as formas golpistas da extrema-direita e todo o protagonismo fascista que dele decorre desde 2016.

A terceira é a de que ele apresenta um conjunto de observações pretéritas voltadas para o futuro próximo, mas que estão inextrincavelmente relacionadas aos últimos acontecimentos no âmbito mundial que podem (dentro da correlação de forças em disputa) motivar a causação do enfraquecimento gradativo do hegemonismo internacional dos EUA (não necessariamente do capitalismo), comprometendo o protagonismo imperialista beligerante estadunidense.   

Esses três aspectos observados estão inextrincavelmente relacionados entre si, de modo que, serão abordados conjuntamente, não como coisas estaques. Entretanto, parto do cenário mundial como sugere Edwaldo Alves para ampliar o debate à esquerda. Antecipo-me para incluir os recentes espasmos financeiros na economia doméstica dos EUA, se tomado no conjunto de outras crises cíclicas sinalizam uma tendência de colapso no médio-longo prazo. Sobre isso, a entrevista do ex-analista de investimento no Unibanco e atual Ministro da Fazenda, o advogado Fernando Haddad (PT), disse recentemente à Agência Brasil que a ação imediata do banco central norte-americano (FED) para evitar corrida bancária fez o mercado estadunidense reagi positivamente, de modo que vem garantindo todos os depósitos realizados nesses bancos que quebraram (Silicon Valley Bank e o Signature Bank). 

Esse enfraquecimento em curso da liderança dos EUA no comando do capitalismo imperialista a que se refere Edwaldo Alves decorre da mudança (não é objeto das observações precisar o grau de intensidade) na correlação de forças internacionais tradicionais, com base no aprofundamento das contradições e crises cíclicas na economia doméstica norte-americana. Se confirmado (caminha pra isso), poderá levar ao movimento de deslocamento de bastão da liderança do capitalismo em sua fase atual imperialista, esperamos que não seja da mesma forma como ocorreu com Inglaterra na segunda parte da década 40 do século XX.  

Esse movimento com algum grau de intensificação (em outro debate poderá ser analisado) pode ser a principal causa da derrocada dos EUA enquanto país intrinsecamente imperialista, provocando “as mudanças no plano internacional”, segundo o qual promoverá alteração geopolítica do lócus donde se exerce a gerência do movimento de reprodução do capital e seu sociometabolismo  capitalista imperialista. 

Sobre isso, cabe um outro imprescindível debate sobre "sistema de sociometabólico do capital", concebida embrionária e estruturalmente por Karl Marx em "O capital: Crítica da Economia Política" (1867) e atualizado pelo filósofo húngaro István Mészáros, em sua obra "Para além do capital: Rumo a uma teoria da transição" (2002) tradução de Paulo Cezar Castanheira e Sérgio Lessa pela Boitempo em 2011.

Contudo, Edwaldo Alves corretamente admite (em minha opinião) que na conjuntura atual, mesmo com todos os sinais de crise eminente do capitalismo, o leme ainda está sob égide da “hegemonia” absoluta dos EUA. No entanto, nada impede que império seja abalado pelo crescimento exponencial da economia chinesa mundializada: demanda por consumo mundial, pesquisa científica, ampliação da capacidade instalada do parque industrial, educação, tecnologia e capital da China. 

Segundo o site do Instituto Humanitas Unisinos (IUH)1 “quase 40% do orçamento militar mundial, os Estados Unidos ultrapassam o que os próximos onze países juntos gastam nessa rubrica”. Isso se traduz em um “orçamento militar para 2022 foi de 778 bilhões de dólares, e para 2023 sobe para 813 bilhões”. No entanto, o instituto chama a atenção para a tendência de queda na participação dos norte-americanos na renda (de 1975 a 2018), pois 90% da população norte-americana despencou de 67% para 50%, ao mesmo tempo em que apenas 1% dos mais ricos aumentou de 9% para 22%. 

Ao que parece é que a guerra faz a roda da economia doméstica girar nas costas desnudas da humanidade, sobretudo da América Latina. Pois, só na segunda metade do século XX os EUA declararam e fizeram a guerra contra a Coreia (1950-1953); Vietnã (1965-1973); Golfo Pérsico (1990-1991); Afeganistão (2001-2016) e o Iraque (2003-2011) e mais recentemente se envolveu indiretamente na guerra entre a Rússia e a Ucrania.  

Embora os números não sejam tão “robustos” do crescimento da economia interna dos EUA (com crescimento para apenas 1% dos mais ricos), é inegável o encolhimento da renda dos 90% não ricos. Esse é o modelo de economia de guerra praticado pelos EUA desde os anos 50 do século XX, ao que parece, é que vem dando sinais de fadiga. As observações de Edwaldo Alves vão ao encontro, em certa medida, do estudo publicado em 2013 de um importante observador de nosso tempo, o historiador marxista Eric Hobsbawm.   

Segundo Hobsbawm, em sua obra intitulada “Globalização, democracia e terrorismo”, a corrida armamentista do EUA desde a Segunda Guerra Mundial ignorou (e continua) acordos internacionais de paz (2013, p. 156), não obstante levar à exaustão de maneira inédita porque não existia precedentes registrados pela historiografia moderna, bem observado também em outra obra do Hobsbawm chamada “Era dos Extremos” (1994, p. 233).  

Outra questão apontada positivamente por Edwaldo Alves (a meu ver) é a ameaça da China ao imperialismo ianque, se preferir norte-americano, em função do poderio bélico. Sobre isso, vale a pena considerar também as observações feitas por outro historiador inglês marxista, o Francis Rory Peregrine Anderson, se preferir Perry Anderson, numa obra intitulada “Força e Consentimento: aspectos da hegemonia americana”. 

As observações de Perry Anderson dizem respeito as mudanças de plano estratégico norte-americano no entre guerras e ao longo da Segunda Guerra Mundial, quando Washington se limitava apenas a conter o comunismo. No entanto, os EUA mudam de finalidade passando a planejar a remoção da União Soviética do globo terrestre, iniciando um novo ciclo chamado guerra fria. 

Pierre Anderson vai observar que o Estado Maior dos EUA planejou lançar bomba atômica sobre as 20 principais cidades da União Soviética, dois meses e meio depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Obviamente, que os EUA tinham superioridade bélica, mas não tinha aviões que comportassem o translado das 12 bombas atômicas e nem militares dotados de capacidade para montá-las em tempo hábil (dezembro de 1947), saliente-se que a União Soviética não tinha armas nucleares (2003, p. 8).  

Esse modelo norte-americano beligerante foi levado a exaustão porque é o principal vetor de desenvolvimento econômico dos EUA, em torno do qual se alavanca recurso público e privado para pesquisa científica de ponta para alimentar o avanço da indústria bélica pesada, da construção civil, do transporte, de vestuário, de acessório, de alimentação (fastfood), de produção da cultura imperialista cinematográfica e outros bens e serviços de consumo de massa. 

A fatura chegou e vem se tornando um problema interno inadministrável que nenhum governo (Republicano e Democrata) de economia liberal ou social consegue resolver. Fato é que a economia norte-americana não é apenas deficitária, mas uma bomba relógio celerada pela extrema-direita do Donald Trump pronta a explodir a qualquer momento todos os mercados financeiros capitalistas mundiais.  

Como diria RPM (Revolução Por Minuto) em 1985, “Nos chegam gritos da Ilha do Norte”, certamente esses gritos estrepitantes vêm dos 90% da população com poder aquisitivo em queda livre por causa do encolhimento da renda. Aliás, são sinais de sucessivas crises, sobretudo a crise financeira de 2008 em que o governo teve que ameaçar tirar dinheiro do orçamento militar (sobretudo destinado ao Pentágono exercer a beligerante “arte da guerra”), para salvar bancos falidos, a famigerada bolha imobiliária que abalou o mercado financeiro mundial. Sobretudo os EUA e a Europa, abalando as estruturas do capitalismo.  

Um movimento extremamente racionalizado na economia estadunidense levou ao colapso do sistema financeiro, desencadeando alta de preço (inflação) bem acima do esperado pelo mercado, supervalorização não lastreada na capacidade financeira das pessoas norte-americanas de bancar esses aumentos nos custos. Portanto, despencou a liquidez das hipotecas, quebrando a economia por causa de juros e da inflação. Enquanto os gritos pipocam nos EUA, “Agora a China bebe Coca-Cola" no dizer assertivo da banda pop-rock oitentista do vocalista Paulo Ricardo.  

Décadas depois, as observações irônicas de Paulo Ricardo fazem todo sentido, pois terá sido uma troca tática (não necessariamente justa) vantajosa, pois beber Coca-Cola num país de tradição milenar só se explica se houver uma relação comparativa de custo-benefício, uma razão tática. Isso significa obter permissão para entrar no “livre mercado” (não é livre?) norte-americano para investir no setor público de seu principal adversário (na perspectiva sócio-histórica, sim) de projeto de sociabilidade.    

Internacionalmente falando, a China se estabeleceu taticamente como maior credor dos EUA, realizando investimentos públicos robustos na economia doméstica norte-americana da ordem de U$$ 739,6 bilhões2 em títulos do tesouro americano em janeiro de 2018. Ressalte-se que no olho da crise da bolha imobiliária de 2008, a China possuía algo em torno de U$$ 492,6 bilhões em bônus do Tesouro. Investimento seguro? Os ares daquela conjuntura economicamente árida que asfixiava a economia norte-americana sedenta por consumismos se avizinhavam, pois, como diria Paulinho da Viola “dinheiro na mão é vendaval”. 

Contudo, dificilmente afetariam os chineses precavidos, posto que estavam vacinados contra o “Pecado Capital” denunciado por Paulinho da Viola em 1975. Pois, se tem alguém na conjuntura internacional que sabe exatamente o real significado do papel-moeda são os chineses e basta observar como o Estado trata sua política fiscal, bancos, bens de capital e bens de consumo.  

A economia mundial observa como a China vem se mostrando superavitária com taxa de crescimento 3% ao ano em 2022, com taxas de juros básicas de 3,65% ao ano e a principal credora dos EUA (menor taxa de crescimento de 2,1% em 2022) com a economia mundial na percepção da Chine o rolê é outro. No Brasil não poderia ser diferente. 

Edwaldo Alves observa isso com olhar cuidadoso e aponta a possibilidade de retorno do protagonismo mundial do governo brasileiro (sem definir o nível) e cogita um papel diferenciado para o Brasil. Sobre isso, pode-se dizer que a derrota das forças de extrema-direita nos EUA primeiro e depois no Brasil não significa a retomada imediata do papel exercido (em condições iguais) pelos dois países no cenário mundial.  

Especialmente no Brasil, o legislativo tem força (lê-se votos) para inviabilizar o governo Lula, a exemplo do Trader presidente do banco Central, o economista ultraliberal Roberto Campos Neto colocado estrategicamente BACEM para garantir que o Copom mantenha a Selic em 13,75%, uma taxa básica de juros altíssima, quando nos EUA o Federal Reserve mantém em torno de 5%. ao ano. Aqui é um bom exemplo de travamento de governo progressista como aponta Edwaldo Alves quando diz “Lula que tenta superar o caos deixado pelo governo Bolsonaro”.  

A conclusão a que Edwaldo Alves sugere é a de alerta ao leitor porque as forças ultraconservadoras estão vivas, articuladas e se movimentam no cenário brasileiro para manter o fosso que separa a classe trabalhadora e as populações subalternizadas dos históricos privilégios das elites brasileiras.  

Nesse sentido, esse quadro só poderá se reverter a medida em que houver a “ação consciente dos movimentos sociais e a unidade política das correntes democráticas e progressistas podem frear as tentativas de paralisar o governo Lula”. Sobre isso, os dirigentes de linha hegemônica do PT precisam rever o auto esvaziamento do próprio partido nos movimentos sociais, a retomada do debate de luta de classes e a ideologia anti-burguesa e contra hegemônica.  

No que pese concordar com essas observações de Edwaldo Alves, acrescentaria apenas que, a despeito de a unidade tática emergencial das forças democráticas de esquerda e centro-esquerda para vencer (ainda não derrotamos) essas forças de ultradireita no comando do poder central do país, não podemos prescindir da luta contra a histórica direita brasileira, responsável pelo golpe de 2016 e ampliação das históricas mazelas existentes (sociais, econômicas, culturais e políticas) do Brasil. 

Desse avanço do governo federal para atender as pautas socioeconômicas inclusivas, depende do êxito da política macroeconômica contracíclica, com rebatimento positivo na economia que poderá proporcionar o sucesso de toda as políticas públicas do Governo da Bahia.  

Em relação a Bahia cabe manter e ampliar as observações feitas por Edwaldo Aves e acrescentar algumas outras. O governo da Bahia entra para o quinto mandato estadual do Partido dos Trabalhadores, sem apontar nenhuma mudança na concepção política da linha de governo dos antecessores - pelo menos até momento em que estou escrevendo. 

As observações de Edwaldo Alves não são questões menores, são divergentes da linha central do partido porque existe uma questão do hegemonismo ideopolítico que subordina o petismo à mesma inércia dos antropólogos liberais do olhar que tudo vê com descrição fenomênica com rigor e riqueza descritiva, mas não passa disso. Porque não se pretende intervir para alterar as estruturas da sociedade, apenas reformar a faixada para tornar aprazível. 

Obviamente que a observação de Edwaldo Alves é mais contundente e aponta possibilidades e consequências ao abordar as urgências dessa quadra da história, na qual ele diz que “urge um olhar mais crítico sobre a violência policial, as questões ambientais e a relação com o funcionalismo público estadual”.  

Contudo, a linha central hegemônica do partido não se propõe ultrapassar os limites do apenas “olhar”, se capacitando intelectualmente em caracterizar e discursar sobre o fenômeno. Ainda que alguns não gostem (mesmo sem ter lido) minimamente alguma dessas matrizes marxistas ou diretamente a tradição marxiana, é oportuno aprofundar um pouco mais essa questão filosófica que separa a contemplação da transformação.

Nesse sentido, ressalto o entendimento do próprio Karl Marx sobre a manutenção sistêmica do capital e sua ordem civil burguesa em sua obra “Teses Sobre Feuerbach”, publicado em 1845, ao se contrapor peremptoriamente a tese do olhar contemplativo e da descrição fenomênica apenas por considerar que não é o bastante, pois “Até agora os filósofos se preocuparam em interpretar o mundo de várias formas. O que importa é transformá-lo”.  

A saber, a abordagem das múltiplas violências vistas apenas pelo campo da moral burguesa, além de não explicar, mistifica a essencialidade do papel do Estado que comanda a polícia unilateralmente como aparelho ideológico repressor, com níveis de letalidade praticados pelo braço militar armado agindo à revelia da lei. Essa é a polícia que age com excessiva violência e letalidade, caracterizado como atos de inconstitucionalidade enquanto instituição pública subordinada a Constituição, sob as ordens do Governador.  

Não obstante a caracterização da ação militar como violenta e letal, mesmo com a transferência de julgamentos de crimes cometidos por militares para o jure popular, é preciso desmilitarizar urgentemente a polícia, instituir o controle social externo e disciplinar a tropa dentro dos limites da constitucionalidade. Do contrário, O Estado jamais erradicará o comportamento ultraconservador de viés fascista que pratica o extermínio da juventude negra como eugenia social. 

O hegemonismo do PT não parece ter estofo intelectual revolucionário para tanto, muito menos disposição política ou qualquer compromisso com a pauta do Movimento Negro Brasileiro (MNB) pela erradicação de homicídios de corpos negros jovens, feminicídio e homicídios de membros das populações LGBTQIAP+ na Bahia. Não se trata de coragem (até acho que correntes internas minoritárias mais à esquerda dentro do PT têm), mas de projeto de partido que defenda efetivamente uma sociedade alternativa ao capitalismo e que seja capaz de bancar o debate da desmilitarização da PM e instituir controle social externo dessa força policial. 

Durante as eleições de 2022 o candidato ao governo da Bahia pelo PT, o professor Jerônimo Rodrigues se esquivou desse debate sem hesitar, inclusive fazendo o mesmo discurso fascista do candidato Jair Messias Bolsonaro na Bahia do aumento do efetivo e do armamento beligerante da PM como saída para os crimes domésticos contra bens e a vida das pessoas da comunidade.  

A despeito das pautas históricas dos movimentos sindicais e sociais oriundas de movimentos de esquerda no Estado da Bahia, saliente-se que o campo hegemônico que dirige o PT passa ao largo de quaisquer debates críticos dessa natureza. Aliás, permite-se que o pragmatismo político criado pela lógica neoliberal de Estado-Mínimo eficiente (lê-se austeridade fiscal oriunda da teoria economia conservadora do equilíbrio dos dispêndios sociais) opere livremente a máquina estatal baiana que serve apenas para impedir grandes mudanças estruturais.  

Dessa forma, aprofunda-se a política institucional herdada do carlismo com pouca ou quase nenhuma modificação (embora muito bem envernizada) mantendo o feijão com arroz básico de sempre para as populações periféricas e camponesas nos 417 municípios baianos.  Esse cenário de cortes (se preferir, contingenciamento orçamentário) é propício para:

a) à prática neoliberal do aumento escorchante da alíquota de 12% (já era a maior entre os Estados federados) para 14%; 

b) a reforma administrativa neoliberal que afeta financeiramente os servidores públicos do Estado; que mantem a terceira maior taxa de homicídios entre pessoas negras jovens, mulheres e LGBTQIAP+ no Estado; 

c) frear reforma agrária com estagnação do processo de desapropriação de áreas improdutivas para fins de reforma agrária, a titulação de terras quilombolas e a demarcação de áreas históricas como reservas de povos originários; 

d) fazer vistas grossas à polícia para que continue seguindo incólume no extermínio de jovens negros sob a alegação de tráfico ou troca de tiros sem qualquer explicação com base em perícia forense que possa elucidar todos esses homicídios; 

e) instrumentalizar o IDEB para escamotear a educação com baixa qualidade, múltiplas violências no âmbito escolar e a militarização compulsória de escolas estaduais como “saída” da violência (ressalte-se que são aspectos aparentes, pois a natureza dessas violências tem causas estruturais históricas, demandas socioeconômicas reprimidas e não de ordem moral e disciplinar como sugerem os ultraconservadores do seletivo CPM que engendra a cultura nazifascista no ambiente escolar.

 

Contudo, os indicadores apontam que esses números são pífios e acabam aumentado a concentração-centralização de riquezas entre as classes dominantes (com alguma concessão mínima à classe média), enquanto na base da pirâmide alarga-se a fome e as desigualdades que geram ainda mais lesões no tecido social extenuado pelas múltiplas violências. O companheiro Edwaldo Alves conhece bem essa realidade, deve ficar angustiado porque além de compor a primeira gestão do PT no município de Vitória da Conquista, contribuiu diretamente com a primeira experiência de governo participativo em 1997 que mudou o aspecto politicamente atrasado e socioeconomicamente de extrema-pobreza da cidade. 

Sabe-se que duas décadas depois entregou-se outra cidade à extrema-direita com mudanças estruturais contestáveis - mas não inegáveis. Talvez não seja (certamente não é) reconhecido pela histórica classe dominante formada pelas elites econômicas oriundas dos três setores (agronegócio, indústria e comércio) da economia e seus representantes na política partidária da cidade. É perfeitamente compreensível para um observador crítico com base na luta de classes. 

Antes de olharmos criticamente para os adversários (alguns são inimigos de classe, raça e gênero) da população conquistense como bem definiu o companheiro Edwaldo Alves, certamente, qualquer análise minimamente crítica concorda com essa afirmação de Alves, convém que se faça uma observação cirúrgica nesses “aliados”. A que se recomendar a exclusão literal dessa parte politicamente degenerada dos federalizados, tecnicamente considerada como “aliada” do PT. 

Peço vênia a histórica militância ideopolítica do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) de Vitória da Conquista, mas essa contrafação parasitando na franja do partido integra conscientemente o "grupo” de extrema-direita que governa a cidade nesse momento. São exatamente àquelas pessoas que defendem que tudo “continue como está” instalada em todos os partidos da ordem, são os parasitas que fazem de tudo para manter seus mandatos. Enfim, esse parasitismo vê no mandato a expectativa de ter algo para barganhar para si próprios. 

A cidade conhece esse tipo de verme chamado de parasitose política, iguais as larvas de tênia de porco que ao chegar no cérebro comem toda massa cinzenta deixando as pessoas desmemoriadas e totalmente dependente de migalhas dos gabinetes. Talvez seja isso que vem impedindo que parte das pessoas se lembre de como era Vitória da Conquista no final da década de 90, do século XX. A parasitose política é um comportamento degenerado e mal resolvido (sobretudo de vereadores pseudoesquerda), sobretudo aqueles que vem minando alianças desde as eleições de 2016, muito antes da “Federação Esperança”. Para esses parasitas, pouco interessa a coerência ideológica e a consciência política histórica. Aliás, a construção coletiva e os ganhos coletivos alcançados coletivamente pela classe trabalhadora e as populações subalternizadas, com a participação popular efetiva não dar votos. Muito menos a participação da população em todas as instancias de decisões que visam transformar para melhor a vida das pessoas e a cidade. 

Embora Edwaldo Alves não trate especificamente dessa questão, por razões óbvias que são até certo ponto compreensíveis, o lema da construção da unidade em 2024 não passa necessariamente pela mesma perspectiva de 2022 em que todos os “partidos aliados anti-bolsonaristas e que prezam a democracia e o Estado de Direito” estavam na mesma trincheira. Isso seria o mesmo que criar uma geleia-geral blindar o mau-caratismo político de vereadores comezinhos e vendidos. 

Além de criar uma condição confortável para manter intocável o comportamento camaleônico dessa parasitose política amalgamado dentro do campo de forças de esquerda e progressista contra esse mini feudo bolsonarista incrustrado na prefeitura de Vitória da Conquista. Seria cômico senão fosse trágico ver todas essas omissões que retroalimentam todas essas defecções políticas praticadas por mandatos do legislativo. Embora deva destacar que a federalização funciona muito bem a nível nacional e estadual, mas localmente isso tem problemas de éthos como mencionei. 

Sobre essa parte prófuga, pesa a dura crítica ao comportamento imoral (se observado os termos da federalização) de alguns filiados e de mandatos eletivos do legislativo (com exceção do vereador Andreson Ribeiro) do PCdoB que compõe, vota e defende aberta e publicizadamente o atual governo municipal (mesmo sendo eleitos numa aliança petista). Não obstante, aquela outra pequena parte flertar com a extrema-direita de olhos nos cargos que podem surgir dessa relação promiscua.

Feita essa observação inadiável, tenho acordo com Edwaldo Alves sobre a inabilidade desse atual governo municipal que, ao invés de colocar máquina municipal à serviço da mudança da cidade e da melhoria da qualidade de vida da sua população, prefere se aventurar irresponsavelmente em “usar a máquina administrativa e dela sabem tirar proveito pessoal e eleitoral”. Sendo a único instrumento ainda disponível no restrito e derrotado horizonte da política institucional da extrema-direita na cidade e no país.  

Para além desse suposto “trunfo”, se admitirmos que será (será?) usado imoralmente com o máximo possível de utilização eficiente da máquina, pesa sobre a prefeita outsider duas situações contraproducentes: a ausência estofo intelectual para formular politicamente e a inabilidade excessiva para conduzir seus próprios aliados que se devoram esganiçadamente por dentro do governo. Agem feito o conto mágico do lobisomem que traça no dente seres humanos durante a noite e ao longo do dia agem como seres humanos aparentemente normais. Ou seja, a gestão age como lobo nos quatro anos de governo sob apenumbra da noite, devorando esganiçadamente as pessoas periféricas e campesinas, ao raiar do sol democrático que ilumina o período eleitoral, se transformam em seres humanos bons, dóceis e gentis. 

Enfim, durante os quase oito anos de governo municipal, o império temporão esteve em pé de guerra, sempre dividido: de um lado o staff incapaz que se estapeava entre si, e do outro a rudeza do baixo clero que se engalfinhava por mais privilégios esgarçando a já extenuada população conquistense. Ao largo dessa matilha de lobos esganiçada, a prefeitura felizmente não parou porque os funcionários de carreira não permitiram o estrangulamento, fazendo funcionar minimamente dentro do que lhe eram permitidos para não estrangular a maquinaria pública e tornar a vida das pessoas infinitamente mais empobrecidas e difíceis.  

Ainda sobre a gestora, recai a nódoa indelével da péssima escolha do ex-prefeito bolsonarista de apoio ao golpe (2016), eleição de 2018 e a adoção incondicional da política institucional de extrema-direita bolsonarista de viés negacionista, anti-ciência,  anti-vacina e seu comportamento perdulário (mau gastador). Mantendo a tradução politicamente perdulária, a prefeita outsider manteve o programa eleitoral neoliberal, mesmo com todos os retrocessos sociais explícitos, apoiou a reeleição do nazifascista corrupto - após derrotado fugiu do país para tramar e incitar de longe a sua segunda tentativa de golpe de Estado por meio da violenta invasão 8 de janeiro de 2023. 

O PT tem responsabilidade na reeleição do negacionista Herzem Gusmão, pois foi garantida com aquele fatídico empréstimo que contou com o voto da banca de “oposição”, sobretudo com a anuência dos mandatos petistas e a total omissão do PT no último trimestre de 2019. Apenas um voto contrário do inominável vereador do PTC de extrema-direita, não por crítica ao comportamento perdulário do prefeito Herzem Gusmão, mas por pura conivência tática de usar seu voto como trampolim para alavancar a candidatura a prefeito de Vitória da Conquista com slogan de “legitimo” representante do fascista na Câmara Municipal.  

Contudo, o PT ainda possui o capital político necessário para derrotar nas urnas sua principal opositora, a atual prefeita outsider Bolsonarista. Mas, não o fará sozinho, pois precisará manter alianças eticamente sustentáveis com outras forças partidárias históricas, ampliando para novas alianças da base do governo do Estado para compor a chapa. Isso passa também pela definição de uma tática para impor uma redução significativa ao plantel de candidaturas fascistas ao legislativo municipal.

 

 

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