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quarta-feira, 24 de março de 2021

Morre Haroldo Lima: um dos mais notáveis e admiráveis comunistas do Brasil

 

"(...) camarada Haroldo Lima cumpriu seu papel irretocável no mundo, sua história permanecerá viva na memória e na práxis política de uma geração que se acostumou a ler, debater e construir as lutas sociais por um mundo novo."

*por Herberson Sonkha

O genocida por detrás do caos que assegura a propagação desmedida da pandemia do coronavírus calou mais uma admirável voz comunista à serviço das transformações socioeconômicas, das liberdades democráticas e da emancipação do povo brasileiro. Um fato inexprimível, por isso gostaria de me solidarizar aos familiares e amigos do combativo camarada Haroldo Lima, excepcionalmente ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB) neste momento de profundo lamento e consternação pelo trágico falecimento deste notável Ser Humano.


A triste partida do caetitense Haroldo Borges Rodrigues Lima poderia ter sido uma consequência natural da vida, um ocaso. Lamentavelmente não foi algo inevitavelmente determinado pelo imponderável. Antes, fora algo letificante deliberadamente praticado por alguém nomeado para proteger e promover a vida da população brasileiro e não faz, isso torna o fato um crime imprescritível na memória e na vida daquelas pessoas que o estimam.

Os sanguinários milicos da ditadura civil-militar não deram cabo de ceifar sua vida no campo de batalha em uma das formas de se fazer as lutas de classe, mas a serpente chocou o seu ovo no calor das entranhas covardes da burguesia e seu filhote o fez.

O camarada Haroldo Lima é mais uma vítima das atrocidades desse desgoverno fascista no país. É a mais absoluta irresponsabilidade de um decrépito presidente, por isso se torna mais um crime hediondo aditado nas costas desse sabujo atarracado no planalto central. Esse genocida, um deplorável contemporâneo contumaz da geração de golpistas de 2016, comprados com dinheiro público a preço de ouro para chocar o ovo da serpente no seio da república, segue incólume assassinando pessoas.

Esse energúmeno continua contrariando todas as expectativas cientificas e recomendações de organismos internacionais de saúde (OMS), nos arrastando desonestamente para essa destrutível e irrefutável pandemia.

Para um comunista, não existe céu e nem inferno, muito menos o arquétipo de diabo e outras personagens feudais malignas presente no imaginário coletivo colonizado pelas narrativas conservadoras cristãs. O que existe mesmo é o capitalismo e seus lacaios na política matando, ludibriando, roubando, explorando, expropriando e oprimido a população brasileira.

Conheci o camarada Haroldo Lima ainda em Jequié nos anos de 1986, apresentado por Domingos Ailton presidente do Grêmio Livre Dinaelza Coqueiro. Em Vitória da Conquista retomei minha relação orgânica com o PCdoB. No final dos anos 90 passei uma temporada em Manoel Vitorino, terra de nascimento de mamãe e conheci uma prima da parte de vovô, uma entusiasta do comunismo que dizia ser muito amiga de Haroldo Lima, a professora Adelza Coqueiro Lima. Adelza atribui ao camarada Haroldo Lima não só o esforço para a construção do reservatório de água do município, mas os fundamentos que a convenceu ingressar no PCdoB logo após o partido voltar a legalidade.

Num encontro com Haroldo Lima em 1995 em São Paulo, conversamos sobre a professora Adelza Conqueiro Lima e o mesmo afirmou ser amigo dela e a considerou como sendo primeira mulher manoelvitorinense comunista, a época era um município politicamente atrasado e controlado pela velha política do coronelismo carlista. 

Tenho me dado ao direito de não concordar e me posicionar implacavelmente contra quaisquer manobras e artimanhas institucionais e religiosas que visem transformar perseguidores algozes da população em “mocinhos do bem” para sacralizar a vida pública, desviando o olhar crítico da população para à nodoa amoral indelével atada na história de homens e mulheres com mandato na vida pública.

Nenhum comunista descorda que essas pessoas fizeram de livre e espontânea vontade suas escolhas ao lado de quem defende o sistema, a sua ideologia, os seus políticos e as suas políticas ultraconservadoras que promovem a fome, a miséria, o desemprego, o extermínio, os racismos, o ódio contra a classe trabalhadora, a misoginia, o feminicídio e o extermínio de jovens negros e populações LGBTQIA+.

Haroldo Lima era um comunista indefectível no sentido mais estrito da palavra, resistiu e combateu seus adversários políticos sem pestanejar. Jamais mistificou ou logrou o papel nefasto e sanguinário dos milicos fascistas nos anos de chumbo da truculenta ditadura civil-militar (1964-1985) no Brasil. Lima lutou incansavelmente contra a truculência, tortura, o desaparecimento por homicídio de militantes praticado pelos agentes da polícia política do DOI-CODI durante o período da ditadura militar. Haroldo Lima foi uma das principais figuras no combate sistemático ao regime torturador criado pelo estado de exceção.

As forças armadas aniquilaram brutalmente vários militantes comunistas na história recente do Brasil, como por exemplo o atentado conhecido como “Chacina da Lapa”, uma ordem das forças armadas para executar sumaria comunistas. Haroldo Lima participou na condição de vítima dos torturadores sanguinolentos do mais trágico episódio que ceifou a vida de vários camaradas, a exemplo do camarada Valter Pomar, Haroldo Lima conseguiu sobreviver. A ditadura exterminou militantes comunistas jogados na ilegalidade, foi torturado e preso na capital da Bahia, mas se manteve em várias frentes de lutas nacionais e internacionais na América Latina pelas liberdades sociais e democráticas.

Haroldo Lima construiu sua trajetória irretocável nos seus cinco mandatos qualificados na Câmara Federal, sendo que o seu primeiro mandato foi exercido entre 1983 a 1987, no curto período de tempo entre a reabertura política gradual do país e a formação da Assembleia Nacional Constituinte de 1987 que promulgaria a nova Constituição brasileira em outubro de 1985.

Haroldo Lima combateu durante as duas longas décadas de extermínio de opositores pela ditadura militar, adoção de prática de tortura, corrupção nas entranhas da autocracia fascista, enquanto o país mergulhava no profundo e desesperador desemprego, hiperinflação, fome, miséria e múltiplas violências urbanas e camponesas promovido por milicos sanguinários que operavam com a autorização das forças armadas, sob o comando de generais sanguinários.

Haroldo Lima disputou todas as eleições das duas últimas décadas do século XX, sendo reeleito várias vezes.  A segunda foi de 1987 e 1991 para constituinte, cumprindo papel destacado nos debates acalorados contra os representantes da burguesia e seu decrépito regime ditatorial em favor da classe trabalhadora, da população brasileira e das liberdades sociais e democráticas.

Haroldo Lima foi intrépido em suas denúncias contra crimes de lesa pátria cometidos por políticos representantes de empresários capitalistas industriais, ruralistas, banqueiros, rentistas e viúvas da ditadura civil-militar extinguida pelas forças democráticas brasileiras de centro e de esquerda. Lima foi um combativo comunista que se manteve ideologicamente entrincheirado no parlamento lutando contra a burguesia e seus beneplácitos golpes e manobras contra a classe trabalhadora e a população brasileira, sendo eleito mais três vezes (1991-1995, 1995-1999 e 1999-2003).

No governo do presidente Luiz Inácio, o Lula metalúrgico, a partir de 2002 Haroldo Lima integrou a Agencia Nacional do Petróleo como diretor-geral, contribuindo para a construção da política de exploração do pré-sal, na formulação, mediação e promoção da cooperação entre a China e o Brasil consolidando avanços no desenvolvimento das relações bilaterais extremante necessárias e vantajosas para o Brasil.

Haroldo Lima começou sua militância na Juventude Universitária Católica (JUC), vindo militar na Ação Popular, uma organização de esquerda criada em 1962, depois da ruptura interna entre militantes ligados aos movimentos de leigos e a institucionalidade hierárquica da Igreja Católica, contrários a participação de seus membros nas atividades políticas.

Haroldo Lima militava na JUC, mas haviam várias frentes de juventudes – Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Agrária Católica (JAC), Juventude Operária Católica (JOC) e da Juventude Independente Católica (JIC) - que possibilitaram uma conscientização mais à esquerda que levou a ruptura com as práticas assistencialistas, assumindo o caráter de massa, se integrando gradativamente ao dia-a-dia e as lutas da população periférica pauperizada do país.

Haroldo Lima participou da efervescência dos movimentos leigos, numa conjuntura de fortalecimento políticos, sobretudo a partir da nomeação de João XXII, considerado progressista. O ambiente político dentro da igreja católica era propício a uma publicação de encíclica mais à esquerda, pois desde 1958 com a nomeação do Papa João XXII a ebulição promovida pelos movimentos de leigos, exigia da igreja uma nova postura política diante do mundo e a promulgação da encíclica de “Mater et magistra” (1961) reconhecendo o papel da igreja de agente central para as mudanças sociais.

Dois anos depois publica a encíclica “Pacem in Terris” (1963), reafirmando diretrizes da encíclica anterior, destacando a indispensável posição dos movimentos leigos diante da nova posição social critica abraçada pela igreja. Os leigos abriram o leque de suas análises socioeconômicas e políticas, passando a dialogar com outros processos revolucionários no mundo, sobretudo aqui na América Latina que estava em polvorosa no início dos anos 60 com a exitosa revolução Cubana (1959).

Esse encontro criou um caldo cultural propicio ao ambiente político do que viria a ser o “cristianismo de libertação”, marcado pelo começo de um ciclo de “lutas sociais, guerrilhas e insurreições” que se alastrou em toda região do país, com desdobramentos que alcançam a década de 90, do século XX. 

O mundo que forja a militância comunista de Haroldo Lima no primeiro momento é a efervescente América Latina, um lugar sob a égide do Concilio Vaticano II, entre 1962 e 1965. Isso para o Brasil foi algo incendiário das consciências críticas nos movimentos de leigos, toda essa carga intelectual e práxis política revolucionária em contato com atributos e práticas políticas dos leigos no Brasil, proporcionou algo que os diferenciavam no contexto geopolítico da América Latina.

Enquanto os movimentos de leigos latino-americanos se articulavam à Ação Católica Espanhola, no Brasil esses movimentos se vincularam à Ação Católica Francesa recebendo densos referenciais teóricos. A exemplo do filósofo Jacques Maritain, que revisou todas as ideias de Thomás de Aquino fundando uma escola de pensamento chamada de “neotomismo”.

Esse pensamento filosófico advogava a tese de que cristão deveria se apropriar criticamente da literatura produzida pelo socialismo e se tornar socialista, numa perspectiva diferente, personalista no sentido de desenvolver o indivíduo para o exercício da autonomia crítica por meio da qual se atinge a liberdade do ser humano aprisionado pelos grilhões ideopolíticos de uma sociedade eminentemente conservadora de verve burguesa que influenciavam a ala conservadora da igreja católica.

Maritain (1965) enfrenta o debate com os liberais acerca da liberdade, discordando da concepção liberal que se limita garantir a liberdade simples, àquela que se resume a escola do indivíduo, segundo ele não é o começo e nem a raiz da liberdade. É notório que Maritain contrapôs a concepção imperialista ou ditatorial da liberdade de grandeza e de poder do Estado.

Ele considera que a liberdade é antes de qualquer coisa a liberdade de autonomia das pessoas, frequentemente confundida com perfeição espiritual.  Tornando acessível ao Ser Humano a centralidade para unificar a ordem temporal e política, colocando-a acima da ordem (institucional e política) a dignidade e a liberdade espiritual da pessoa.  Essa construção correu as bases conservadoras dos movimentos de leigos e arrebatando-a para o campo de batalha temporal, entrincheirando a militância contra o sistema capitalista imperialista, a ordem civil burguesa conservadora e setores ultraconservadores da igreja católica que coibia os leigos de participarem de atividades políticas.

Despeço-me desse nosso valoroso e combativo camarada Haroldo Lima com a certeza de quem foi testemunha ocular de parte de sua militância comunista, cumpriu seu papel irretocável no mundo, sua história permanecerá viva na memória e na práxis política de uma geração que se acostumou a ler, debater e construir as lutas sociais por um mundo novo, uma outra sociabilidade em que é perfeitamente possível a existência de Seres humanos desalienados, distribuir igualmente o papel da produção, da circulação e da distribuição coletiva do resultado do trabalho.

Que a história do camarada Haroldo Lima continue fertilizando nossa caminhada e frutifique nossas esperanças no por vir, pois nós comunistas de todas as organizações partidárias almejamos uma sociedade em que todas as pessoas indistintamente possam desfrutar de “Caçar de manhã, pescar a tarde, pastorear à noite e fazer crítica depois da refeição”.

Descanse em paz Camarada!

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