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terça-feira, 20 de março de 2018
Sobre a militarização das escolas públicas no Estado da Bahia.
março 20, 2018
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por
Vinícius...
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"função ideológica de obediência sem questionamento"
*por Cláudio Félix
Na sexta-feira, 16 de março de 2018, uma notícia deixou muitos educadores preocupados com os rumos da educação escolar baiana. Não se tratava de anúncio de indicadores de qualidade (para melhor ou para pior), tampouco de notícias de construção ou fechamento de escolas, mas sim da declaração do governador de que o Estado deverá assinar, até o final do mês, um termo de acordo para a implantação da metodologia e filosofia da educação dos colégios militares nas escolas baianas.
Após a repercussão, o governador anunciou em seu programa nas redes sociais que se trata de notícia falsa (fake news). Todavia, dada a repercussão, é importante abrir um diálogo acerca do apelo a militarização da educação escolar em vários estados do Brasil.
Esta fórmula de transformar escolas civis em escolas militares ou seguir seu modelo pedagógico iniciou-se em Goiás. Na Bahia, um grande divulgador da educação militar é o comandante da Polícia Militar Coronel Anselmo Brandão. O comandante publicou artigo em seu blog afirmando que “os colégios militares na Bahia são um sucesso”. Este sucesso se expressa em termos de desempenho de aprendizagem, disciplina dos alunos e no resultado do ENEM que ranqueiam esses colégios em boas colocações na Bahia e no Brasil.
De fato, é verdadeiro o que o coronel anuncia em seu texto. Todavia, tal sucesso está atrelado a um conjunto de fatores como, por exemplo, 70% das vagas do CPM são destinadas aos filhos de militares ou funcionários da instituição. Estes pais e/ou responsáveis, geralmente são mais presentes, possuem maior escolaridade o que indica outro perfil de estudantes, diferente da grandiosa maioria de jovens que utilizam a rede estadual de educação.
Portanto, é necessário discutir melhor o que significa aplicar a filosofia e metodologia dos colégios militares para as escolas baianas. Temos pressa, de fato, mas medidas de forma açodada neste âmbito podem acarretar consequências que não temos como dimensionar.
É compreensível que em meio a situação atual de destruição das condições de vida das pessoas, marcada por um conjunto de ataques aos direitos sociais, sobretudo após o golpe de 2016, surjam manifestações de cólera e desespero.
A busca por saídas mais rápidas encontram nos discursos oportunistas da repressão e da violência legal do Estado os alicerces para uma possível mobilização social que defenda argumentos e ações do tipo: intervenção federal (militar) como está ocorrendo no Rio de Janeiro; a exigência de mais policiamento; prisão ou matança generalizada de bandidos, geralmente identificados como jovens, negros e da periferia; ou mesmo reivindicações pela volta da ditadura militar.
Esta crise aguda também se expressa na educação escolar pública na Bahia. Todavia, muito se avançou nos três últimos governos petistas no Estado. O abaixo assinado subscrito por professores e militantes, divulgado no dia 19/03, intitulado “contra a proposta de militarização das escolas estaduais e municipais baianas” (http://peticaopopular.com.br/view.aspx?pi=BR83964), sinaliza a reação dos educadores por meio de argumentos que demonstram as conquistas alcançadas até aqui pelo projeto de gestão democrática e de atendimento aos alunos das escolas públicas estaduais como: a) eleição direta para diretores; b) expansão das escolas técnicas estaduais; c) o maior programa de formação continuada de professores da história da educação baiana. Dentre outras realizações. O documento reconhece que é preciso dar muitos passos em direção a melhoria da qualidade, mas que não se pode admitir medidas unilaterais como a que se pretende ser posta em prática pelo governo.
O projeto de militarização das escolas baianas vem sendo discutido desde o ano de 2016. O Deputado Estadual Pastor Sargento Isidório (PROS) apresentou o Projeto de Lei Nº 21.798/2016, que autoriza a implantação por meio de convênios do governo do Estado e dos municípios da adoção do modelo de funcionamento e disciplina dos colégios militares. (www.al.ba.gov.br/docs/Proposicoes2016/PL__21_798_2016_1.rtf)
A ideia deste projeto de lei não é transformar as escolas públicas em colégio militar, mas utilizar a sua filosofia e metodologia. Como afirma o autor do projeto de Lei, em letras maiúsculas: “AUMENTAR O NÚMERO DE ESCOLAS ESTADUAIS E MUNICIPAIS NO FORMATO GENÉRICO / SIMILAR DOS CPMs É UMA RESPOSTA PRÁTICA E ACESSÍVEL DO PODER PÚBLICO, pois o molde militar de ensino é uma excelente alternativa aos dias difíceis que passa o Ensino Brasileiro”.
Engana-se quem pensa que este simplismo tenha como objetivo central a nobre tarefa de melhorar a qualidade de ensino das escolas baianas, mesmo que esta seja a melhor das intenções, inclusive do comando da PM-BA.
Em termos educacionais isso significa ocupar toda a lógica da organização do trabalho educativo, ou seja, indicar os princípios, os fins e os meios educacionais com base em duas premissas básicas da burocracia militar: a disciplina e a hierarquia.
Não tenhamos dúvida, disciplina é fundamental para o desenvolvimento do trabalho educativo, assim como o respeito a autoridade do corpo docente. Todavia, no que consiste estas duas categorias na perspectiva militar?
A questão central, a nosso ver, é que a lógica da disciplina e hierarquia militar, e isso se desdobra nas escolas básicas da corporação, tem uma função ideológica de obediência sem questionamento (disciplina) e de ascensão individual que reforça o individualismo, o reconhecimento da desigualdade, valores típicos da educação burguesa e que deveria ser profundamente criticado por um governo que se reivindica de esquerda; especialmente por ter como referência para suas políticas de educação autores como Paulo Freire e sua pedagogia da libertação e sua perspectiva de diálogo.
Como anuncia o regimento disciplinar das escolas da polícia militar, o objetivo do mesmo é definir o padrão comportamental dos alunos. (ver em file:///C:/Users/cefel/Desktop/Artigo%20sobre%20militarização%20das%20escolas%20baianas/regimento%20disciplinar%20das%20escolas.pdf).
Portanto busca-se atingir um padrão, uma uniformidade de comportamento dos estudantes. Mas... com qual objetivo?
Se o leitor tiver a curiosidade de consultar o site do colégio Militar (http://www.cpm.ba.gov.br), verá que sobre a filosofia e metodologia dos colégios há um link intitulado missão e outro chamado regimento disciplinar.
Em relação à missão, é apresentada a tarefa da coordenação do colégio de organizar a estrutura das escolas. Quanto ao link regimento escolar, o internauta só tem acesso ao regimento disciplinar dos estudantes com as normas para a padronização da disciplina, seus princípios e anúncios das transgressões leves, médias e graves, bem como as suas respectivas punições. Portanto, no site não está publicado, explicitamente, os princípios e finalidades da educação ofertada aos estudantes destes colégios.
De fato, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), no seu título II, garante a liberdade de aprender e ensinar. Neste sentido, é perfeitamente legal que as corporações privadas ou estatais, assim como as igrejas tenham o direito de manter escolas e direcionar a formação das crianças, adolescentes e adultos.
Todavia, quando uma teoria e uma metodologia direcionada para uma corporação específica se apresentam como modelo para toda uma rede entramos na discussão da ilegalidade de tal medida. Esta indicação, caso seja implantada, fere o mesmo título II da LDB, que se refere as garantias da liberdade de ensinar, do direito de utilização de metodologias variadas que cada escola e professores podem se valer para melhor atender aos educandos.
Concordamos com os professores que assinam o abaixo-assinado contra a militarização das escolas, bem como o sindicato dos professores estaduais da Bahia (APLB-Sindicato) , que em nota lançada no dia 17 de março indica saídas há muito discutidas para enfrentar os obstáculos que impedem uma educação de qualidade às filhas e filhos da classe trabalhadora como a garantia de boa infraestrutura por meio da construção de ginásios de esportes, laboratórios; acesso à internet banda larga gratuita. Acabar com a terceirização, dentre outras medidas. (http://aplbsindicato.org.br/a-aplb-sindicato-e-contra-a-militarizacao-da-educacao/)
Não é possível nos iludirmos com o canto das sereias e cairmos em armadilhas e ideias milagrosas que miram apenas a aparência do problema e não vão a fundo na raiz dos problemas.
O povo, sobretudo os trabalhadores, exige escolas públicas de qualidade, os jovens querem estudar, gostam de estudar. Mas precisam de estrutura, de filosofias e metodologias que os auxiliem neste sentido. Não apenas para se tornarem “bons cidadãos”, ou seja, sujeitos que conhecem e reivindicam seus direitos e deveres. Mas uma educação que além da cidadania, possibilite as mais amplas formas de entendimento da realidade, de participação verdadeiramente coletiva dos rumos de sua escola, além das condições estruturais para essa realização.
Neste momento de obscurantismo e de golpe parlamentar-judiciário que enfrentamos no Brasil; neste tempo de estado de exceção com os direitos constitucionais suspensos e instituições apodrecidas, é fundamental às educadoras, educadores, estudantes, pais, responsáveis, gestores públicos, organizações docentes e discentes que combatem por uma educação pública de qualidade marcharem juntos contra todo processo de tentativa de formatação uniforme e acrítica da educação das pessoas...
*Cláudio Félix é professor na área de fundamentos da educação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e militante do Partido dos Trabalhadores.
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