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domingo, 12 de outubro de 2014

Ao presado Professor amigo...


* Por Herberson Sonkha

Meu caro Professor amigo eu bem seu o quanto sua vida é corrida e difícil, especialmente porque o Senhor tem várias turmas para dar conta para garantir um orçamento doméstico alto e muitos planos para sua família. A conta de água, energia, telefone fixo e móvel, sinal fechado de TV, medicamentos, roupa, prestação da casa própria, mensalidade escolar das crianças, do carro, plano de saúde, viagens de veraneio, férias, carnaval, pascoa, semana santa, carne da aposentadoria, São João, Natal e a faculdade dos filhos... É professor... A vida realmente é bem difícil. Esse padrão de vida sempre foi à aspiração da classe media alta brasileira e o Senhor contestava tanto porque afirmava ser o “Sonho Americano” dos imperialistas ianques malvados.


Professor amigo, o Senhor se lembra daquelas suas aulas mágicas em que ficávamos maravilhados e boquiabertos com seu domínio do conhecimento histórico e econômico e da oratória impecável. Se uma agulha caísse no chão daria para escutar porque estávamos todos vidrados em silencio para escutá-lo falar. Recordo-me que o Senhor ficava indignado só em falar do e entreguismo da riqueza da nação com as privatizações de FHC que destruiu parte do patrimônio brasileiro, estratégico ao desenvolvimento social e econômico do país; do salário defasado do professor que mal dava para comprar um livro, do sucateamento da educação, da falta de espaços lúdicos e pedagógicos, da carga horária extenuante, do plano de carreira e etc...; da carestia do aluguel que subia a cada seis meses e comia no mesmo prato com o Senhor; dos preços de produtos da cesta básica, roupa, livros, carros, passagens áreas, gasolina; das filas intermináveis, da sujeira e ambiente tenebroso nos corredores dos hospitais e do preço da consulta médica; da inflação que não deixava nem comprar uma cesta básica descente; desemprego que obrigava o professor aceitar trabalhar no comércio ou qualquer outro trabalho diferente da formação acadêmica recebida. Hoje, anos depois gostaria de falar um pouco para o Senhor sobre o que aconteceu em minha vida depois de todas aquelas aulas maravilhosas. Ah... Naquela época eu não tinha maturidade muito menos uma relação pessoal com o Senhor madura que permitisse dizer estas coisas que agora vou lhe dizer. E também porque eu não compreendia, embora sentisse na pele o sofrimento porque passavam os filhos das classes trabalhadoras desempregado, negros, indígenas, crianças e adolescentes, idosos, mulheres, LGBT.

Nasci numa cidade do interior da Bahia, Vitória da Conquista no início dos anos 70, do século XX. Vitória da Conquista dos anos 70 era pequena no só no tamanho, mas na mentalidade tacanha, ao contrário da exagerada pobreza, e do frio que duía nos ossos. Nasci na mesma maternidade que a maioria esmagadora dos conquistenses que moravam na periferia da cidade, quando não era pelas mãos abençoadas das parteiras que além de ajudar a vir ao mundo fazia de tudo para evitar a morte da parturiente. Na pequena Conquista, eram poucos os que nasciam bem nascidos. Quanto a nós, filhos de trabalhadores e desempregados urbanos e rurais a vida sempre fora muito difícil e sofrida. Ser filho da periferia de Vitória da Conquista era o mesmo que ser um cachorro sarmento malcheiroso que deve ser exterminado ou mantido longe da vida social dos ricos conquistenses.

Éramos vitimas das péssimas condições socioeconômicas e prejudicados pela inoperância político-administrativa dos dirigentes políticos ricos que governavam a cidade com mãos de ferro naquela época e eram ferrenhos perseguidores de seus adversários políticos. Os governos conservadores nos tornavam indigentes vulneráveis a ponto de chegar a quase 50% de óbitos entre crianças de 0 a 1 anos de vida. Infelizmente morria-se aos montes como cachorro sem dono, ou melhor, sem “parentes nem derentes”. Entre as estatísticas estavam às complicações durante a gravidez ou no trabalho de parto, cujas causas iam das doenças infecto-parasitarias mais conhecidas como amebíase, doença de chagas, giardíase, leishmaniose, toxoplasmose, tricomoníase à inanição velada por falta do que comer diariamente.  

Não havia o SUS com suas infindáveis opções de procedimentos médicos e um portfolio de exames de diagnósticos laboratoriais e por imagem que o SUS oferece hoje, mesmo com toda demora, era infinitamente melhor do que naquela época em que éramos obrigados a enfrentar madrugada fria adentro nas filas intermináveis do INAPS ou FUNRURAL na Avenida Santos Dumont. Aliás, para aventurar uma consulta médica, isto é, quando havia vinculo empregatício comprovado em carteira de trabalho que era menos de 20% da população urbana e menos que 10% da população rural. Não havia tantos hospitais ou postos médicos que dessem conta da sintomatologia decorrente das infecções parasitarias. Sentíamos febre, cefaléia, adinamia, cansaço, sensação de mal-estar indefinido, sonolência, corrimento nasal, lacrimejamento, dor de garganta, tosse, dor torácica e abdominal, estertores pulmonares e sopros cardíacos, dor abdominal, diarreia, náuseas e vômitos, icterícia, disúria, rash cutâneo (aparecimento de manchas ou pápulas na pele), presença de gânglios palpáveis, hepatomegalia (doença do fígado), esplenomegalia (crescimento anormal do baço), rigidez de nuca, convulsões e coma, lesões e / ou corrimentos genitais.

Mesmo antes de chegar à universidade pública, que se deu tardiamente porque precisava trabalhar para ajudar em casa, a militância me ensinou muita coisa. A universidade vem me ajudando sistematizar para ter mais clareza dos fenômenos socioeconômicos.  Mas, foi nas atividades de militância que descobrir que a desigualdade socioeconômica entre trabalhadores/desempregados e patrões era extrema e parte importante destas razões residia no modelo estrutural de sociedade adotada pelos ricos representantes das oligarquias cafeeiras que exploram a mão de obra. Dei-me por convencido também Professor amigo que parte destas explicações residem implicitamente na manutenção da renda familiar per capta média expressa em salario mínimo (que até setembro de 1991), segundo o ICV-Renda, era de apenas 0,81, sendo que em 1970 era de 0,41. Em 1991 59,47% da população pobre de Vitória da Conquista vivia com renda inferior a 50% do salário mínimo.

Meu caro professor amigo quando conheci um militante que me apresentou um livro da professora da UESB, Maria Aparecida, Sertão da Ressaca, passei a ter conhecimento histórico de qual era a verdadeira história de Vitória da Conquista, desde a "conquista" do Sertão da Ressaca, passando pelo surgimento do Arraial da Conquista até à última geração do Colonizador João Gonçalves da Costa, que foi o Senhor José Pedral Sampaio. Vitória da Conquista da minha infância Professor amigo era uma cidadezinha provinciana e atrasada para a maioria da população pobre, mas só para os trabalhadores porque as elites conquistenses desde 1958 frequentavam o luxuoso e moderníssimo Clube Social Conquista. O glamour das elites conquistenses era proporcionado pelo ouro verde explorado dos humildes catadores de café que sobreviviam na penúria da pobreza sofrida pelos arredores de uma Vitória da Conquista fria e ingrata para com os seus filhos.

Éramos pouco desenvolvidos, pois nosso Índice de Desenvolvimento Humano era de apenas 0,353. Em 1970 apenas 0,58% dos jovens com até 25 anos tinham mais de 11 anos de estudo, em 1980 chegamos a 1,77% e os anos 1990 atingimos 3,68%. Isso piora se observarmos que havia uma distorção série-idade entre as crianças de 10 a 14 anos, em 1991, de próximo de 77%. A situação de saneamento em 1991 era 55,88% era atendida no abastecimento de agua canalizadas internas ligadas a rede geral, destes apenas 0,35% dos moradores do campo tinham água canalizada, 66,75% na área urbana e 49,11% utilizavam poços ou nascentes sem canalização ou qualquer tipo de tratamento desta água.

Segundo o SIAB, 28% da população permaneciam sem acesso à abastecimento de água por meio de rede pública. Em 1991 as instalações sanitárias são precárias ou inexistentes para morados do campo, pois 78,65% não possuíam qualquer tipo de instalação sanitária e 17,02% possuíam fosses rudimentares. Na área urbana a situação não diferente, pois 35,21% habitavam em domicílios com fossas sépticas sem escoadouro, 22,93% estavam ligados a rede geral de esgoto e 29,45 possuíam fosses rudimentares.

Meu querido Professor amigo, os efeitos negativos ocasionados pela ausência histórica de qualquer tipo de política pública e principalmente de saúde pública voltada para as populações periféricas vão ser duramente sentidos até o final dos anos 90. Entre 1996 e 1998 aproximadamente 10% do total de óbitos em Vitória da Conquista ocorreram entre crianças de 0 a 1 anos de vida, destes 42,70% decorrem de afecções perinatais, sendo principalmente transtornos respiratórios e cardiovasculares específico do período perinatal. Também se constata que 14,61% são de doenças infeciosas e parasitarias e 10,11% doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas. O estudo mostra que 7,87% destas crianças morriam por doenças do aparelho respiratório, malformações congênitas, deformações e anomalias cromossômicas (6,18%).

Por isso meu caro Professor amigo, quem nunca viveu esta triste realidade de Vitória da Conquista dificilmente saberá as razões pelas quais a população empobrecida de Vitória da Conquista votou em 1996 e continua votando na proposta de governo do Partido dos Trabalhadores. No que pese saber que muitos dos que cresceram socioeconomicamente através da ascensão acadêmica deveu ao seu esforço e determinação pessoal, no entanto, sabe-se também que isso só foi possível porque milhares de trabalhadores e desempregados empobrecidos os mantem com suas rendas tributadas, recolhidos na forma de impostos compulsórios cuja fonte de recolhimento são oriundas das populações pobre porque historicamente rico não paga impostos neste país. Dona Maria Preta, uma tia que faleceu sem nunca ter conhecido, nem por dentro nem por fora a UESB e até o momento sua ascendência não a conhecem também, mas mesmo assim pagou e os seus continuam pagando compulsoriamente pelo estudo e a carreira acadêmica de muita gente.

É uma sensação de traição de classe vê hoje em dia um professor(a), ainda bem que o Professor amigo mantem-se fiel as lutas das classes trabalhadoras, que doutorou-se com dinheiro público defender programa de governo que prejudica os trabalhadores é uma imoralidade. Essa gente acomodou-se com o conforto proporcionado pelos bens e serviços consumidos pela classe média alta e perdeu sua relação de pertencimento com a história e as lutas das classes trabalhadoras. Assim como o Senhor nos ensinou Professor amigo, não se pode brincar com a vida de milhões de pessoas que precisam de políticas públicas que visam proteger e promover mais 115 milhões (60%) da população brasileira vive com menos de um salario mínimo e os 22,5% da população ganha de um a dois salários mínimos, muito menos brincar com os 15,8% da população que ganham a partir de dois salários mínimos, porque são estes que mantem o financiamento para construções públicas, habitação, cultura, educação, saúde e desenvolvimento social e principalmente com a folha de pagamento de servidores públicos municipais, estaduais e federais. Como pode ser? Milhões de trabalhadores assalariado mantem o financiamento de seu conforto e a recompensa e dizer que o projeto neoliberal é o melhor para o Brasil. E os milhões de brasileiras que financiam sua estabilidade devem ser explorados, excluídos e depauperados?

Ah... Professor amigo... Realmente os tempos são outros, mas continua a exploração de uma classe que domina de forma privada as riquezas, os meios de produção, as terras, matérias primas e insumos, contra as classes trabalhadoras que só possui sua força de trabalho para manter-se viva. Ah... Professor amigo descobrir que herdei do Senhor a mesma indignação... A vaidade intelectual de uma academia estéril que está a serviço da reprodução do capital e do status quo de uma elite intelectual. Ah... Professor amigo, a maioria deles são muito diferentes do Senhor. Eles preterem pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica, produzindo artigos científicos e discursos fáceis a favor de projetos neoliberais que só atendem aos interesses do capitalismo, só porque já estão com suas vidas resolvidas pelo contracheque acima da media da população brasileira. Dizem não devem nada a ninguém porque chegaram lá por méritos próprios, sem sequer reconhecerem que devem sim aos trabalhadores um retorno porque são os trabalhadores que financiam as universidades e seus programas de pós-graduações.

Por último meu caro Professor amigo, queria agradecê-lo por contribuir com minha consciência de classe trabalhadora. É por isso que voto pela manutenção de programas e políticas públicas que visem melhorar as condições materiais e intelectuais dos trabalhadores e desempregados empobrecidos deste país pagam impostos altíssimos, enquanto isso, as elites além de explorar, locupletar-se com dinheiro dos cofres do Estado, sonegam impostos e ironicamente alegam serem vitimas da política fiscal. Professor o que nos deixa angustiado nessa gente é o insolência. E o que mais sínico nisso tudo é que fazem discurso alegando que a carga tributaria é escorchantes.  

Queria dizer que é chegado o momento de tachar as grandes fortunas deste país, tocar nas estruturas fundiárias para democratizar o acesso a terra para acabar com o latifúndio improdutivo possibilidade a quem de fato produzi a agricultura familiar. De envidar esforços da base governista para criminalizar a homolesbofobia, misoginia, machismo, xenofobia; viabilizar o casamento civil igualitário entre pessoas do mesmo sexo; reestruturar a Rede Própria de Saúde com equipamentos e tecnologias, procedimentos multiprofissionais curativos e preventivos, exames laboratoriais e diagnósticos por imagens por quantidade per capta de pessoas de acordo o perfil socioeconômico de contingentes vulneráveis; investimentos necessários ao combate de epidemias, particularmente DST/Aids conforme áreas de vulnerabilidades;   avançar na titulação de áreas quilombolas e indígenas com prazos menores e mais agilidades; reestruturar a Rede Própria de Educação levando em conta a execução orçamentaria do PNE, politica de promoção, qualificação e qualidade de vida aos professores da rede pública com tempo determinado e agilidade na execução destas políticas; coibir, punir, confiscar e evitar com austeridade todas as formas ilícitas de evolução patrimonial de a gentes públicos de livre nomeação, eletivos e concursados das três esferas de poder Executivo, Legislativo e Judiciário.
Ao Professor amigo.





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