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O Caixa Eletrônico da Nação
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| Foto: José Carlos D'Almeida |
*por Marcelo Neves
Diziam que o Brasil seria um país jovem. Talvez seja verdade. Mas, se é jovem, é um daqueles adolescentes que nunca aprende com o próprio tropeço. Escorrega, cai, levanta, sacode a poeira… e tropeça de novo no mesmo buraco, aberto pelo mesmo grupo carcomido pelo tempo e pelas ideias, com a mesma pá, financiada com o mesmo dinheiro público saqueado de várias formas “criativas”.
A história começa sempre igual:
O país desperta com ares de esperança. Uma geração de trabalhadores, professores, lavradores, mães de família e estudantes decide que já deu. A mesa está vazia, o salário encolheu, o ônibus continua lotado e o futuro insiste em não chegar. Aí, num sopro de coragem, essa gente toda pega o país pela mão e o conduz a outro caminho — mais social, mais solidário, mais voltado para quem nunca foi visto. Vi esse filme com Getúlio, com Jango, com Lula I e II, com Dilma Rousseff e, agora, com o Lula III, na iminência concreta de se tornar um Lula IV em 2026.
E, como em todo esforço coletivo, o Brasil começa a brilhar de novo. O feijão volta para a panela, a fila da universidade se abre para os filhos da classe trabalhadora, o salário mínimo cresce, o SUS respira e a economia — teimosa, mas justa — responde. Até isenção de Imposto de Renda para o trabalhador chegou. Não é milagre. É política pública séria, pautada na justiça social, em que os super-ricos, pela primeira vez, passam a pagar ou, melhor, dividir a conta. É o Estado funcionando para quem precisa, e não só para quem manda e vive de renda.
Mas é aí que, do outro lado obscuro da esquina da história (na Avenida Faria Lima, em São Paulo), a velha ideologia de direita — essa senhora bem vestida, perfumada e sempre acompanhada de amigos engravatados — começa a coçar os bolsos. Não os próprios bolsos, claro, pois estes estão sempre cheios. Mas os bolsos da Nação, que ela enxerga como um grande caixa eletrônico com senha fácil para fazer uma “Emenda PIX”.
A senha é a mesma há décadas:
“crise fiscal”, “gastos excessivos”, “eficiência”, “mercado”, “corrupção”.
Digitou, abriu.
E lá vem o ciclo.
Eles voltam ao poder — às vezes pela porta da frente, às vezes empurrando a porta dos fundos — e imediatamente se sentem em casa. Tiram o sapato, esticam as pernas, abrem a geladeira da República como quem sabe que ninguém vai reclamar. E começam o saque. Não o saque barulhento, vulgar, do ladrão de galinha. Mas o saque elegante, legalizado, revestido de decretos, privatizações, renúncias fiscais, isenções e amigos muito bem posicionados. Veja aí a gênese do golpe do INSS: decreto de Bolsonaro, Paulo Guedes e o “libera geral”.
Enquanto isso, os mais pobres — aqueles que sustentam tudo isso — são convocados a “fazer sacrifícios”.
Sacrifício é a palavra preferida dos poderosos quando o boi não é deles. Congela-se o salário mínimo por sete anos, cortam-se orçamentos da educação, da saúde, da seguridade social... Aff!
E o país, mais uma vez, afunda — desde a ponte quebrada para o futuro de Temer, passando pela tentativa de golpe, até chegar a uma economia em frangalhos. O caixa eletrônico fica zerado, o povo endividado, o Estado quebrado e a elite… bem, a elite nunca quebra. No máximo troca o número da conta ou apenas o nome: Banco Master, Lojas Americanas, Carrefour, etc.
Quando o estrago é grande demais para esconder, a direita se retira. Temporariamente, claro. Sai dizendo que tentou, que o país é ingovernável, que a culpa é do povo, do gasto social, da natureza, da chuva — de tudo, menos deles. E deixam para outros o trabalho árduo da reconstrução.
Mas que bom que esses outros vêm.
Reorganizam as contas, recuperam empregos, devolvem dignidade, colocam comida no prato, fazem o país respirar — tudo isso enquanto limpam o rastro de destruição da democracia e da economia deixado por aqueles que tratam o Brasil como cofre particular.
Aí, quando tudo começa a melhorar e o cheiro de esperança volta a circular, adivinhe quem reaparece?
Ela mesma: a direita, com seu discurso renovado, sua propaganda afiada e sua velha intenção de sempre. Volta ao palanque pedindo “uma nova chance”, como se não tivesse sido exatamente ela quem incendiou o povo com algoritmos, fake news e falácias.
E o ciclo se repete.
De novo.
E de novo.
E de novo.
Agora, não, cacete!
Chegará o dia em que — quem sabe? — o Brasil, esse adolescente teimoso, decida finalmente crescer. E perceba que a história só muda quando a memória deixa de ser distraída, quando os ciclos deixam de ser aceitos como destino e quando o povo entende que caixa eletrônico e PIX não votam — quem vota é gente.
Gente que sente, que sofre, que vive o resultado de cada política.
Talvez um dia, quem sabe, a senha do nosso futuro não esteja mais nas mãos de quem saqueia, mas de quem sonha.
Marcelo Neves Costa
Professor Assistente da Universidade do Estado da Bahia – UNEB,
numa manhã de divagações.
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Uma crônica político-histórica e crítica, acerca do velho ciclo ideológico de poder num Brasil atual.


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