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O açodado soldado raso bolsonarista dando carteirada de doutor
*por
Herberson Sonkha
Atendendo ao convite para participar do programa “Agito Geral” feito pelo amigo Pedro Alexandre Massinha, na noite de ontem (16), fui à Rádio UP FM para falar aos ouvintes do programa sobre o pensamento orgânico de esquerda numa perspectiva marxiana. Inicialmente, não vi nenhum problema em discutir com alguém que seja orgânico da direita, um intelectual conservador. Infelizmente essa pessoa nunca esteve lá, aliás, enviou um milico calça-curta que se reivindicava soldado de um “capitão” fascista, expulso da caserna.
O debate que originou esse texto pode ser
acessado abaixo no link para o programa Agito Geral na Rádio UP 100.1
FM:
Um
vereador assumidamente soldado bolsonarista, algo perceptível que lhe orgulhava
muito, pois nem mesmo a expulsão do exército, os 30 anos parasitando no
parlamento, a faca mentirosa, o golpe, o genocídio, a destruição e entrega da
Amazônia, a corrupção do governo, a roubalheira dos filhos nem lhe pesava sobre
os ombros. Um ultraconservador com sua odiosa narrativa de extrema-direita. A
questão é que não se deve mandar um saldado raso fazer o serviço de um
profissional de alta patente. Não é prudente!
A
perceber pelo enviado, a entrevista não se deu nessa perspectiva. Massinha
tinha a ideia de oferecer um contraponto mais elaborado, mais consistente
teoricamente para mostrar a cidade como pensa um intelectual conservador,
orgânico de direita. Pedro Alexandre é um desses democratas que se entusiasma
rapidamente com um bom bate-papo entre intelectuais de alto nível, regozija com
a capacidade de exercer o contraditório, de apresentar divergências teóricas,
uma variação de concepções epistemológicas.
Poxa,
quem não gosta, né? Afinal de contas somos contemporâneos de Ruy Medeiros e uma
geração de pessoas contemporâneas, a exemplo de Simone Beauvoir, Jean-Paul
Sartre, Angela Davis, José Paulo Netto, Sueli Carneiro, Reinaldo Carcanholo,
Vilma Reis, István Mészáros, Betty Friedan, Paulo Freire, Silvia Federici,
Jessé Souza, Shulamith Firestone, Frantz Fanon, Judith Brown, Achille Mbembe,
Keu Souza, Márcia Lemos, Luciana Oliveira e outras tantas...
Naturalmente
criou-se o clima cult e a expectativa em torno do que poderia ter sido a
livre manifestação do pensamento e o diálogo crítico entre um marxiano e um
político conservador, na acepção da palavra. Imaginei ouvir do meu “oponente” a
necessidade de defender as instituições sociais tradicionais, historicizando
analiticamente o processo de conformação, desenvolvimento e contradições dessas
instituições sociais tradicionais brasileiras - família, comunidade local e a
religião.
Obviamente,
imaginei que o meu “oponente” arguiria no sentido de defender a continuidade e
a estabilidade dessas instituições brasileiras. Aliás, dizem que ele possui uma
sólida formação teórica que possibilitaria fazer o contra ponto aos movimentos
revolucionários. Imaginou-se que buscaria em “seu vasto” estudo da sociologia
brasileira, àquele viés fundamentado pelas recentes pesquisas realizadas por
diversas correntes do pensamento social liberal conservador.
Caso
fosse verdade, saberia o meu “oponente” qual é a real situação sobre a escassez
de teóricos e obras clássicas por não haver no pensamento conservador
brasileiro um conjunto de ideias políticas definidas, sobretudo porque existem
variações em virtude do lugar e do tempo. Saberia, por exemplo, que o
conservador do período colonial é um sujeito diverso do senhor conservador dos
dias atuais, mas ambos são aristocráticos e comungam indubitavelmente das
mesmas tradições de suas atinentes sociedades.
O que
poderia ter sido uma aula, já que estamos falando de um médico com
especialização que atua como professor da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (UESB). No entanto, acabou sendo uma fala desastrada que deixou muito a
desejar, subjaz à tradição da liturgia acadêmica. Uma imposição arbitrária de
narrativa súcia, carregada de anacronismos e um ataque politicamente
desajustado, eivado de ódio e descontrole emocional.
Quisera
que o tratasse como Doutor, mas o meu “oponente” não nunca foi um doutor. No
sentido etimológico, significa dizer que um doutor é alguém que fez o
doutoramento. Em verdade, como filho “bastardo” da UESB aprendi que esse título
tem “sentido estrito”, portanto só deve ser concedido a quem efetivamente se
presta ao ato de doutorar-se, um título conferido apenas a quem praticou o ato
de tomar o grau de doutor após cumprir todas as fases de uma pós em stricto-sensu.
Geralmente,
diz-se de quem fez uma pós-graduação centrada na revisão bibliográfica, na
pesquisa e na produção científica. Lamentavelmente, o meu “oponente” não o fez,
o que explica (inexplicável) o seu comportamento averso a academia. Além do
mais, dela só o contracheque no final do mês para laureá-lo como trabalhador.
Verdade seja dita, se comportou com estranhamento às ciências, agiu com
alheamento em relação ao douto lugar da docência, berço inexorável das
ciências, optando pelo asco negacionista.
Descoberta
as origens de suas vulnerabilidades cognitivas nas áreas de ciências sociais e
aplicadas, em razão da ausência de domínio no campo epistemológico e de
habilidades pedagógicas para manuseio das categorias analíticas. O meu
“oponente” se perdeu, descontrolou-se pelas veredas das expressões ofegantes,
decaiu da compostura e partiu sorrateiramente para a desqualificação da
esquerda (que ele toscamente resume ao PT) com ataque vil às ciências sociais e
aplicadas, mergulhando na vã expectativa de tentar atingir e silenciar-me.
Me
permitam uma aspa? Como médico, ele sabe o real significado de olhos
esbugalhados, testa franzida, sobrancelhas arqueadas, respiração ofegante, voz
descompensada, semitonada e punhos cerrados. Ali sentado diante do meu
“oponente” não tive como não fazer uma rápida leitura da linguagem corporal que
falava mais que sua própria voz. Não me escapou o modo como franzia a testa,
sorria, cruzavam os braços, apertavam as mãos.
Enfim,
tudo, absolutamente tudo em nós passa uma mensagem. Apenas 7% das palavras
comunicam. O vocal são 38% e tem a ver com o tom de voz, velocidade, ritmo,
volume e entonação. O não verbal corresponde a 55% e diz respeito aos gestos,
expressões faciais, postura e de mais informações ditas sem usar palavras.
Tecnicamente ele estava irreconhecível.
O que
me fez questionar se o conservador era de fato a mais alta feição da
intelligentsia branca conquistense com representação do establishment
supremacista. O seu comportamento mostra apenas que ele não está habituado a
ser confrontado, sobretudo se o alvo for o seu “posto de comando” e o seu status
quo. Daí pra frente nenhuma analise fez mais sentido, pois me dei conta de
que estava diante de um minúsculo soldado de chumbo do bolsonarismo cego e
rude.
O meu
“oponente” confundiu pensamento político conservador brasileiro com atitudes em
relação às mudanças políticas conservadoras. Defender um governo eleito ou um
novo grupo social no comando do poder político, econômico, social, cultural é
um comportamento conservador no sentido de reagir para manter o governo, mas
não significa que esse grupo defenda o pensamento político conservador. Imagine
que um movimento revolucionário comunista após se estabelecer no controle por
meio de uma revolução bem sucedida, naturalmente suas medidas devem ser de
permanência, se opondo as ideias conservadoras.
O meu
“oponente” desconhece a vasta literatura no campo da antropologia, sociologia,
história, geografia, economia e filosofia que dão conta do processo de
conformação do pensamento político conservador brasileiro. Desconhece as
semelhanças entre o pensar conservador no Brasil e o pensamento norte-americano
e europeu. Destituído das categorias analíticas corretas, o meu “oponente” não
alcança o grau de influência numa sociedade sob a égide da doutrina cristã e
das ideias políticas liberais como padrão que se repete - oscilando nesta ou
naquela conjuntura.
Ao
invés de analisar o conservadorismo ocidental em suas inúmeras correntes
internas, que dificulta a sobreposição de um único constructo mental,
descamba para uma fala rasa e ensimesmada pelo senso comum. Não soube
explicar o padrão que se mantem no pensamento político conservador brasileiro,
consubstanciado por valores de “liberdade e ordem”. Não entende que a liberdade
se restringe a política e a economia liberal, e a ordem como princípio social e
moral.
O
pensamento conservador acredita na existência de uma moral duradoura e
transcendente, com base na doutrina cristã ocidental que define o pensar
conservador. Aqui reside uma das principais contradições dos conservadores que
acredita ser impossível pensar em igualdade como desígnio da política, de modo
que limita à igualdade à condição político-jurídica, condição essencial para
garantir a igualdade necessária entres as pessoas. O pensamento político
conservador entende que a desigualdade material ou que ela resulta, decorre das
diferenças naturais entre as pessoas (esforços e decisões), o que leva a se
posicionar na esfera política como guardiões da ordem para preservar as
instituições políticas e sociais tradicionais existentes – família, comunidade
local e religião.
Embora
ele não saiba (pelo menos não se permitiu explicar), identifiquei teoricamente
a fonte que nutri a narrativa do meu “oponente” ao repetir reiteradas vezes a
afirmação de que é médico cirurgião e proctologista que conseguiu ser o que é
estudando o ensino médio em escola pública, escamoteando o fato de ter sido um
normalista (Escola Normal) em uma escola de classe média localizada na área
nobre da cidade, numa época sem alternativa da escola privada.
Ele
atribui a sua ascensão social, econômica e política alcançada por mérito
(esforço e decisões) pessoal, a meritocracia como elemento que naturaliza o
êxito de alguns poucos iluminados e desgraça da maioria agonizando no escuro.
O meu
“oponente” desconhece as ciências econômicas, e, por isso, ignora por
desconhecimento o fato de que vivemos numa sociedade burguesa regida pelas
regras do sistema de mercado capitalista. Não alcança a dimensão sistêmica de
reprodução do capital com base na exploração (concentração e centralização) da
relação capital versus trabalho.
Certamente
não leu Adam Smith, por certo saberia que Empresários capitalistas (o capital,
meios de produção, meios de produção, matéria-prima, insumos e o galpão) de
per si não gera riquezas, pois só a força de trabalho é capaz de produzir
riquezas. Assim sendo, o discurso de que o empresário capitalista é alguém útil
à classe trabalhadora ou a sociedade de modo geral porque recolhe impostos,
oferece serviços-produtos e dar oportunidade de trabalho não é verdade.
Essa
tese inverossímil de que a pessoa do capitalista é um ser social bom (e de bem)
porque defende os interesses da cidade e das pessoas é uma demagogia, uma
inverdade, pois “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do
padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelos
próprios interesses” (SMITH, 1776).
O meu
“oponente” é um empresário, como todo político conservador só admite mudanças e
progressos na sociedade dentro da normalidade da “liberdade e da ordem”, única
condição que tornam a sociedade saudável e isso só deve ocorrer de maneira
cautelosa e gradual. O conservador é alguém que compreende a política como
sendo a arte do possível, contrapondo-se de maneira extremada a
socialdemocracia que toma a política com meio para reformar as estruturas da
sociedade.
Nas
esferas sociais o pensamento político conservador sugere uma moralidade como
regramento rígido nas relações no interior da sociedade, defendendo a
manutenção dos usos, costumes e convenções tradicionais. Isso vai ter
rebatimento na cultura com a valorização das manifestações locais e de
identidade nacional, coletivizando padrões de comportamentos e valores
conservadores para garantir uma coesão social e a identidade dos indivíduos com
a sociedade.
Essa
concordância desse moralismo nacional vai ser adotada também na economia com a
defesa do individualismo característico do neoliberalismo e mais recentemente
pelo extremado ultraliberalismo. O conservador compreende que a questão da
propriedade privada é uma condição indissociável da liberdade, uma vez que a
liberdade no liberalismo está condicionada aos meios de sobrevivência do
indivíduo que não deve está nas mãos de outras pessoas para evitar que se torne
dependente ou subalternizada. Irônico, né?
A
contradição no conceito de liberdade do pensamento conservador decorre da
restrição da propriedade privada a um diminuto e determinado grupo social
dominante, em detrimento da imensa maioria de pessoas desapropriadas, razão
pela qual torna o conservador alguém que desfruta de privilégios e transforma a
propriedade privada no principal meio de controle e alienação da classe
trabalhadora e demais populações subalternizadas.
Apensar
da defesa da propriedade privada, existem minúsculas frações do pensamento
político conservador que não advoga pela defesa do livre mercado (laissez-faire),
a grande maioria que defende a globalização com a abertura do mercado ao
capital estrangeiro. E o fazem com restrições porque defendem um processo de
integração limitado a esfera econômica e financeira porque defendem a cultura e
a identidade local-nacional para resguarda-las de influências externas.
Essa
questão incide sobre o fato de o conservador defender traços fortes de
nacionalismo que acaba sendo arrastado para o pensamento econômico que se afina
com uma política macroeconômica que privilegia os empresários capitalistas do
ambiente doméstico interno, baseadas em políticas econômicas
desenvolvimentistas e protecionistas.
Por
último, observarei as principais críticas feitas aos conservadores no sentido
de que eles acreditam na ideia de que toda a sociedade deve se sujeitar a um
único código moral e a uma única estrutura social tradicional sem coexistir com
outras opções reformistas, marxistas e marxiana. A crítica revela a contradição
da chamada autonomia econômica, mesmo estabelecendo por imposição determinados
padrões para toda a sociedade na esfera social, rechaçando aos
multiculturalistas e cosmopolitas culturais.
Deste
modo a crítica aos conservadores alcançam a esfera política ao refutar a ideia
de igualdade formal dos conservadores, posto que a igualdade política-jurídica
não é concreta por se tratar de abstração irrealizável, não se efetiva a
igualdade substancial – matéria e de resultado.
O que
explica o comportamento dos conservadores quando chegam ao poder que é acabar
com a política de assistência e desenvolvimento social (Estado de Bem-Estar
Social), alegando que essas medidas só devem ser aplicadas quando for
estritamente necessário. Portanto, inviabilizando a oferta de assistência e
desenvolvimento social a todas as populações em múltiplas situações de riscos.
Findo
por aqui profundamente frustrado com o que poderia ter sido o meu “oponente”,
pois o convite feito pelo Pedro Alexandre Massinha visava esse debate. Caso o
meu “oponente” tivesse alcançado o alto nível do convite, certamente teríamos
feito uma excelente e proveitosa discussão. Possibilitando aos ouvintes do
programa “Agito Geral” a oportunidade para conhecer as várias matizes teóricas
e ideológicas que permeiam o pensamento social brasileiro.
Lamento
não ter tido condições para oferecer aos ouvintes do programa dirigido por
Massinha com base no que me fora convidado em virtude do descalabro do meu
“oponente” que ricocheteou em apresentar teoricamente o pensamento político
conservador. Privando os ouvintes do que poderia ter sido uma exposição de dois
quadros sinóticos antípodas que mostra quais são as diferenças teóricas e a
práxis política que qualificam os sujeitos sociais na sociedade, nos partidos,
nos sindicatos, nas associações, nas universidades, no executivo, no judiciário
e no legislativo em esquerda e direita.
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