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domingo, 17 de novembro de 2013

Historiador e Jornalista Fábio Sena faz justa homenagem aos anos 80


*por Herberson Sonkha

O vídeo publicado pelo Blog do Fabio Sena silenciou uma geração de nostálgicos ao exibir momento memoráveis com alguns notáveis que de maneira especial viveram os dias de gloria no Poirão, na Bartolomeu de Gusmão ou na Vitor Brito ao som da boa musica na Bahia e suas implicações sócio-históricas. O curta-metragem em forma de documentário originalíssimo, sem qualquer edição, faz um resgate histórico da memoria coletiva dos conquistenses, ao retirar do fundo do baú uma pérola, ou melhor, uma relíquia artístico cultural que trata com riqueza de detalhes a sócio-história cultural da Bahia, com forte influências em, e, de Vitória da Conquista, num momento impar para a produção musical no Estado da Bahia, vale lembrar que naquele período não havia qualquer inserção de grande importância no mercado nacional e internacional para a musica produzida na Bahia.


O produto Axé Music (aqui cabe o devido registro da diferença entre o musicista Luiz Caldas criador desta expressão na musica e o que derivou do produto de mercado Axé Music pós Luiz Caldas) deu visibilidade a grandes musicistas baianos, no entanto, para manter-se produtivo a musica passou por um processo de profissionalização mercantil, adequando-o aos interesses econômicos que idiotiza qualquer saber para facilitar o marketing perdendo sua aquiescência de musica com propósito social, crítico e muita musicalidade. É preciso conhecer um pouco mais desta história dos Conquistenses para perceber a simbologia e identificar a sentimentalidade desta importante publicação. 

Vitória da Conquista dos anos 80 era uma cidade pequena, racista, xenófoba e elitizada com arroubos de grandeza (questionável) característica de província governada por coronéis conservadores e reacionários. Havia poucas opções de diversão, principalmente festa de largo, como oportunidade para os filhos dos trabalhadores e a maioria da população que era pobre e negra. As Barraquinhas, Festa da Padroeira na frente do Clube Social; Barracões descentralizados, realizados nos bairros e o Carnaval que saia da porta do Clube Social passando pela Praça das Borboletas e no final dos anos 80 mudou para outro circuito saindo da Praça do Gil e a Bartolomeu de Gusmão. Fora isso, havia as casas de show como Taquara, Ticronais, Cafezal, Cabana da Sereia, Urca, 706 e o Kailak no Patagônia e os clássicos Bordeis de Beto, Fogo Azul e os violentos prostibulos da Rua da Brasília. 

O espaço urbano extremamente elitizado, a cidade não foi pensada para atender aos trabalhadores e por isso parte desta massa se deslocava para a Barragem do Poço Escuro e quando foi extinta pelo governo de José Pedral para alimentar a Praça Tancredo Neves, antigas Praça das Borboletas, as pessoas deslocava-se para a barragem de Anagé, Maçal e Água Fria na Barra do Choça e mais tarde Águas do Catolé. O primeiro clube a surgir foi o Clube Social Conquista inaugurado em 1945, depois a AABB fundada desde 1965 e o Country Club Primavera criado em 1982. Havia espaço para quem pertencia a leite conquistense, seja como profissional liberal, seja como comerciante, seja como empresário do setor agropecuário. O que não havia mesmo era espaço de diversão e entretenimento para os trabalhadores.

É neste contexto que surgem as Escolas de Samba e o Carnaval de Rua em Vitória da Conquista. Os clubes, espaço privativo aos endinheirados Conquistenses de cidades circunvizinhas, começavam perder sua força porque a festa de salão cedeu à força do Carnaval de Rua e tornava-se mais popular no inicio do século XX e seu carro chefe eram as marchinhas carnavalescas mais animadas e como textos mais próximos da vida suburbana. Trazida da Europa no século XVII, os setentistas eram fidalgos, filhos dos barões do agronegócio no Brasil, esta festa foi trancafiada nos clubes para evitar que os penetras (a população negra e mestiça) participassem ou era realizada pelas ruas centrais me desfiles nos famosos cordões e famosos cortejos de automóveis luxuosos excluindo a população, particularmente trabalhadores e a população negra. 

O século XX marca um novo tempo para a arte no Brasil, sendo fortemente influenciada pelos artistas comunistas da semana da arte moderna (1922). O surgimento da primeira escola de samba vai ocorrer em agosto de 1928 quando foi criada no Brasil, no Rio de Janeiro, a Escola de Samba “Deixa Falar”, anos depois passaria a ser chamada de Estácio de Sá passando a fazer parte das Ligas de Escolas de Samba e os campeonatos com seus belíssimos enredos, vestimentas e animação. O carnaval de Rua começa a se alastrar pelo país como febre e no nordeste recebe toda a carga cultural regional marcadamente pela expressão nordestina e consolidando as ruas como geoespacialidade própria para realização da maior expressão popular do mundo.

Os anos 80 em Vitória da Conquista o Carnaval de Rua ganha dois circuitos claramente distintos: Praça do Gil e Bartolomeu de Gusmão. O governo municipal daquele período instituiu estes espaços e eles foram ao longo desta curta trajetória se consolidando e forjando sua própria personalidade, pois mesmo saído da Praça do Gil, espaço da elite conquistense, a chegada a Vitor Brito e conclusão na Bartolomeu de Gusmão modificava-se o perfil dos foliões e a musicalidade fluía com mais animo e alegria. Havia o Bloco Mássicas e o Executivo para a elite e a classe média, mas havia também o Bloco Fascinação voltado para os trabalhadores e pobres, Blocos alternativos e as escolas de Samba que traziam, além do enredo com a temática de classes sociais distintas, havia também a força marginalizada dos cânticos, vestimentas e danças das religiões de matriz africana.

O trecho do circuito a partir da Praça Vitor Brito tinha capilaridade complementares do circuito porque contava com varias barracas, parque de diversão e o inexorável poeirão e os galpões das escolas de samba que deixava este trecho popular com a cara da periferia da cidade. O poeirão era um lugar de shows empoeirado que a prefeitura contratava para realização de shows de intervalos visando evitar a migração em massa das populações pobre à Praça do Gil. O Poeirão servia de controle de espaço para evitar o desconforto da elite conquistense de ter que dividir seu espaço com “gentinha”, pois esse era o tratamento dado às populações periféricas neste trecho. 

Não era muito difícil identificar essa “galera”, folião “populacho”, porque se vestia a rigor da festividade com shorts jeans desbotado e rasgado; camiseta regata ou sem mangas e bem cavada; bolso estufado pela carteira da Caerê; tênis de marcas populares (Kichute, bamba, All Star, conga, Montreal, Rainha e Adidas); cabelo com gel new wave e um cantil (conexões de canos tigre) cheio de batida de maracujá com leite condensado. A dança geralmente era coletiva e cheio de passos bem sincronizados alguns oriundos do Break ou agressiva com cotoveladas porque sempre estava a espreita da disputa de espaços com “gangs” rivais e para recordar não poderia deixar de lembrar de algumas históricas brigas de “gang” entre o bairro Alto Maron e o São Vicente; bairro Alegria com patagônia, este último que quase sempre rivalizava com a “gang” da Rua do Piolho, que era uma perigosa rua de “mulheres” que ficava num recorte geoespacial por causa do Aeroporto situado entre o Bairro Patagônia e o Alegria, limítrofe com o Orfanato e as Bateias, portanto era odiado pela “gang” do patagônia”.

As musicas tocadas no carnaval dos anos 80 tratavam do cotidiano de gente comum, anônima, mas havia a mística e a crítica do que viria ser um Pop carnavalesco. O que marca a Bahia no cenário nacional e internacional foi o lançamento de um clip em 1988 com uma musica cantada por vários artistas baianos, We Are The World Of Carnaval. Escrita por Nizan Guanaes e gravada por músicos os artistas homenageavam o carnaval baiano ao mesmo tempo em que levantava dinheiro para as obras de Irmã Dulce. Mais 100 artistas e personalidades baianas como Lazzo, Gerônimo, Luiz Caldas, Daniela Mercury, Ricardo Chaves, Missinho, Jorge Zarath, Jussara Silveira, Margareth Menezes, Durval Lélis mostraram ao mundo a musicalidade na Bahia.

Mas, a Bahia também produziu (continua produzindo) grandes composições que não aparece na mídia porque sua proposta visa à dominação de massa como o que viria a ser o Axé. Certamente o que pensara Luiz Caldas quando usou pela primeira vez a expressão Axé Music na mídia nacional num programa do Faustão e nunca mais foi convidado a qualquer atividade da Globo pela critica feita no ar em horário nobre aos capitalistas que investem no mercado musical visando tão somente seu investimento e o lucro. O Axé surge para qualificar um novo momento nacional e internacional da musical na Bahia, mas não é exatamente isso que assistimos hoje e muito menos deu origem a musica baiana. 

O berço da musica na Bahia passa distante da idiotização cantada por grupos midiáticos, pois além de produzirem lixo para alienar, estimula a misoginia e o machismo. Não pretendo fazer quaisquer esclarecimentos conceitual sobre música, mas vou destacar outra vez que musica na acepção da palavra é algo bem diferente do se faz hoje em grande escala e divulgado pela mídia na Bahia. Com raras exceções, é claro, o que se propagandeia pelo país (truque de marqueteiro) é algo deplorável e se vende como se fosse algo palpável e de qualidade. Aliás, pelo contrário, é algo medíocre, prosaico e de pior qualidade. 

Apesar desta triste realidade, podemos classificar a produção da boa musica na Bahia como MPB sem nenhum prejuízo. Porque a MPB quando surgiu em 1966, enquanto gênero musical a partir da segunda geração da bossa-nova, ela recebeu influência de outros ritmos (forro, rock e o samba) num país rico e diversificado culturalmente. Este gênero possui uma manifestação estética com pertencimento, identidade cultural e traz consigo a memória coletiva preservada como espaço social diferenciado para as diversas leituras do Brasil. 

Além das letras, há sim um cuidado com arranjos, acordes, cenário e figurino na Bahia presente na boa musica na Bahia. Há uma produção bastante interessante que vai do rock, passando pelo reage, pelo samba ao afoxé e outras expressões culturais de matriz africana. A Bahia é um celeiro musical do mundo (Caetano, Naná Vasconcelos, Tom Zé, Adelmário Coelho, Luiz Caldas, Lazzo Matumbi, Gerônimo, Gilberto Gil, Elomar Figueira, Xangai, Maria Bethânia, Dorival e Família Caymme, Ylê Aiê, Olodum, Araketu e outros) e bastante diversificado, basta percorrer as várias regiões do interior baiano e da capital para descobrir a riqueza artística presente com sua simbologia e ritmos variados. 

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