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sexta-feira, 29 de março de 2013
A Beleza que pagamos
março 29, 2013
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por
Vinícius...
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Narciso (1594-1596), por Caravaggio |
* Por Marcelo Lopes
Eco e Narciso são duas figuras míticas que, como arquétipos, desenham muito bem histórias contadas e recontadas através dos tempos. A primeira personagem era uma bela ninfa, apaixonada pelo segundo, um jovem de beleza incomparável, cuja consciência da sua graça o levava a se achar semelhante a um deus. Eco, sem ter seu amor correspondido, definhou melancolicamente, o que fez a deusa Némesis lançar sobre Narciso uma lição à altura da sua frivolidade: o jovem apaixonou-se por seu próprio reflexo na água na lagoa de Eco, onde se deitou num banco, admirando seu próprio reflexo, embelezando-se, enquanto consumia-se pouco a pouco. Mais tarde, ao procurarem seu corpo, encontraram apenas uma flor, que hoje leva o seu nome.
Venus Anadyomene, óleo por Tiziano Vecelli |
Mitos que tem por tema a beleza povoam a história humana e mudam de tempos em tempos, de acordo as transformações do olhar do homem sobre o mundo que o cerca. As beldades da Renascença, por exemplo, tinham por característica o reconhecimento de suas celulites e pneuzinhos à mostra, fartura em carnes e muito lugar para “dar uma apertadinha”, revelando mais do que a voluptuosidade do seu corpo: num tempo em que comer bem e bastante era um privilégio ainda maior que hoje, demonstravam representar o ideal da beleza ao mostrarem-se bem nutridas. Um padrão de beleza estendido por séculos afirmando categoricamente que não haveria coisa mais linda neste mundo que uma gordinha nua.
Se as pinturas e esculturas clássicas perpetuavam padrões corporais ideais, referências máximas a serem seguidas na busca da beleza para homens, e muito especialmente, para mulheres, o acesso popularizado a outras e mais diversas imagens com o advento do cinema e da TV, criou mitos inalcançáveis de outra ordem de beleza, cercados de narrativas heroicas e sedução à flor da pele. Assim, de Rodolfo Valentino a Errol Flynn e Clark Gable, de Rock Hudson a Tom Cruise, passando por Greta Garbo, Rita Hayworth, Marilyn Monroe, Sharon Stone a Charlize Theron e Megan Fox, todos os mitos do cinema carregam para fora das telas doses cavalares de uma beleza que vai além dos próprios atores que os encarnam. Estes, contando do início do século para cá, tiveram seu padrão mudado radicalmente: os homens se tornando mais musculosos; as mulheres emagrecendo até não sobrar mais onde pegar.
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A era do Photoshop: ideal de beleza além da beleza |
O mundo que antes sustentava a beleza como um ideal, um status e um privilégio de poucos - manipulados no presente e na posteridade -, passou a transformá-lo numa construção que difunde um ideal do belo como algo vendável, comercializável, atingível na medida do bolso de cada um. Esta falsa democracia acirra o desejo humano na busca de um padrão cada dia mais inalcançável. Se anteriormente as revistas da moda e os anúncios já mascaravam com retoques à mão as fotos das modelos, o atual grau de refinamento da manipulação digital das imagens gera reconstruções corporais completamente irreais de tão perfeitas. Para esse novo ideal estético, que corrige as imperfeições, as curvas do corpo, vincos da pele, texturas e rugas, são anulados não apenas o que nos torna humanos, mas também aquilo que nos marca a história do corpo através do tempo. Temos, neste novo modelo, um padrão de tão alto nível de perfeição que não basta recorrer à saúde do corpo, é preciso ir além e nos tornarmos, pelo poder da maquiagem digital e da ponta de um bisturi, a reconstrução modelada de outro tipo de ser humano, edificado para atender não as exigências da saúde, mas aos apelos infinitos do desejo e do consumo.


Pensar o ideal estético do nosso tempo e tudo o que o implica não é possível sem compreender como somos tão fartamente bombardeados na nossa parcela narcisista. Bajulados, aliciados nas ruas, em casa, no trabalho, somos atalhados pela mídia naquilo onde mais somos vulneráveis, o nosso desejo. Vendem-nos o impossível em frascos, em carros, em móveis e imóveis, em estilos de vida e nos sentimos, mesmo sem ter como, parte disto. Entregues, nos deixamos levar. Queremos nos achar mais bonitos do que somos, e mesmo que o sejamos, ignoramos os riscos de querer ter (e não ser) mais. Por isso, tendemos, nessa lógica, a definhar também, sem nunca alcançar o reflexo. E, após tudo isso, não é possível que não sobre nem uma flor com nosso nome.
Fonte:http://sintomadecultura.blogspot.com.br/2013/03/a-beleza-que-pagamos.html
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