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quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A sofrência do caminhoneiro autônomo: combustível, frete e o pedágio

Foto: Revista Fórum

"... disse ao deputado Osni Cardoso que o Bolsonaro não cria oportunidades minimamente dignas para nós caminhoneiros e a população de modo geral, mas amplia diariamente as desigualdades na sociedade."

*por Almerindo Neto

 

Gosto da simplicidade como característica primária que mais se destaca na personalidade de uma pessoa, isso faz com que eu me afeiçoe a esse tipo cada vez mais raro de ser humano. Apesar disso, não vejo com bons olhos quem usa da simplicidade apenas quando lhe convém. Em especial com quem tem esse perfil afetado, pois provavelmente são os maiores responsáveis por minha insatisfação com os políticos.

Na política partidária sou aquela pessoa que chamam de outsider, um tipo discreto de indivíduo de esquerda (progressista) sem qualquer vivência com partidos políticos, mas totalmente incrédulo em relação aos políticos mandatários. Não faço parte de nenhum grupo partidário, mas tenho consciência de que a política é uma ferramenta indispensável de transformação, pois sem ela não se muda absolutamente nada na sociedade.

Um dia desse, fui apresentado para um Senhor da capital que atua na política institucional baiana, um parlamentar pouco conhecido na cidade. Um mandatário com discrição e hábitos positivos que não são nada convencionais para a real política baiana. Deputado agindo com simplicidade? Estranho, né?

No começo eu fiquei na defensiva, pois confesso que tenho enormes dificuldades em concordar com a intenção de afirmar que é possível ter bons políticos (políticos bons), reservadamente aqueles que se comportam com transparência e simplicidade. Todavia, é sempre bom dizer que nunca estive na conta de caçador de vantagens pessoais ou a procura da famosa mãozinha invisível da politicagem que fazem a “coisa certa” de maneira errada. Talvez, isso me isente do que pretendo escrever nesse texto.

A conversa com o parlamentar da ALBA tomou um rumo surpreendente, pois nada neste mundo é mais frustrante para qualquer caminhoneiro autônomo contra Bolsonaro do que ouvir de qualquer interlocutor a desconfortável pecha de bolsonarista, apenas por ser caminhoneiro. Óbvio que não sou de extrema direita, mas não estou livre da bizarrice com base nas escolhas feitas na vida pregressa da minha categoria.

Uma nódoa infeliz que terei de explicar por muito tempo, mesmo não sendo um bolsonarista. Mas o meu interlocutor não me subestimou, apenas observou minhas ponderações, uma vez que a simplicidade continua sendo um traço inseparável da minha personalidade e não uma estultícia, uma estupidez características de bolsonaristas.

É preciso ter simplicidade, porque a vida é feita de coisas e momentos simples. Contudo, simplicidade não pode e nem deve ser sinônimo de ausência de saberes ou rudeza que o impede de enxergar o precipício suicida que o bolsonarismo propõe ao país, como advertiu o deputado Osni Cardoso.

Ao meu ver, simplicidade é uma maneira extraordinária de fazer o conhecimento transpor os obstáculos do obscurantismo da extrema direita que separa pessoas. A ideia é não ter nenhuma consciência sobre a realidade do Brasil, sobre seus próprios atos e sobre as privações de acesso dos menos favorecidos à qualidade de vida em sociedade.

Muito improvável durante essa fase de desmoronamento do pouco da qualidade de vida social alcançada no país, a maioria de nós caminhoneiros autônomos ainda não atingiram esse nível de consciência. Enquanto isso, a prepotência do bolsonarismo abusa do poder no Brasil. Contudo, antes de qualquer coisa a simplicidade é uma escolha política que inclui todas as pessoas e o faz de modo que elas possam ter acesso a riqueza e desfrutar do conhecimento.

Osni Cardoso reforçou essa impossibilidade de melhoria do país no curto prazo ao analisar que na atual conjuntura isso é improvável a qualquer membro da classe trabalhadora em função da alta descontrolada do custo de vida. Isso tem levado as pessoas ao endividamento e, por consequência, às doenças mentais por causa de enormes preocupações com o pagamento de dívidas contraídas com alimentação, moradia, saúde, transporte e etc., que a população brasileira está sujeita.

Apesar disso, no que pese saber que a profissão de caminhoneiro também é vítima disso, recai sobre nossas costas a acusação de sermos desinformados ou estúpidos por continuar dando sustentação ao bolsonarismo. Talvez não seja apenas uma questão de desinformação, seja mesmo ausência de formação escolar.

Ninguém nunca cogitou a discussão sobre a modalidade de educação mais flexível para quem leva uma vida simples em cima de um veículo de carga pesada trafegando solitário diuturnamente por essas estradas perigosas. Há vários riscos nesta atividade de transportar cargas, mas infelizmente o que menos importa é a vida do caminhoneiro que vale infinitamente menos que a carga que transporta.

Minha vida de caminhoneiro me faz compreender que a carga, chegando ou não, está segura, mas o caminhoneiro não. Os profissionais de transporte de carga  enfrentam os riscos iminentes de morte por acidentes ou assassinado por quem rouba carga. O seguro protege contra roubo e saque de cargas, por isso, é, dos males o menor, porque muitas vezes o saque de uma carga esparramada na pista é feito por pessoas pobres e igualmente vítimas do sistema bruto.

Na conversa disse ao deputado Osni Cardoso que o Bolsonaro não cria oportunidades minimamente dignas para nós caminhoneiros e a população de modo geral, mas amplia diariamente as desigualdades na sociedade. Somos vítimas do aumento abusivo de combustível (que é repassado a toda cadeia produtiva direta e indiretamente); a desvalorização do valor do frete; o acréscimo do pedágio.

 

Não sou filiado a nenhum partido político, mas não posso fechar os olhos para a situação de pobreza no país. Em particular, depois do controle político daqueles que, além de se reivindicarem honestos, foram eleitos democraticamente por se apresentarem como políticos anti-sistema.

Infelizmente, a maioria de nós foi enganada e ainda não consegue perceber que eles sempre foram os legítimos representantes do sistema que muitas vezes transforma pessoas famintas (de educação, saúde, moradia, emprego, transporte, medicamentos, alimentos e lazer) em saqueadoras de cargas para sobrevivência.

Essa questão de saque de carga é polêmico e pouco compreendido pela sociedade, mas precisamos falar aberta e francamente sobre isso. O problema para o patronato e o Bolsonaro nunca foi a carga porque é protegida por seguro, muito menos a vida de quem assume a responsabilidade de transportar mercadorias. Eles não importam se quem transporta a carga é um caminhoneiro autônomo na condição de explorado ou se corre risco de vida.

Não interessa ao bolsonarismo, que nós caminhoneiros no cumprimento do dever de ofício, se privem do convívio e da partilha das refeições diárias em nossas casas com as nossas famílias. Comemos em restaurantes na beira da estrada ou fazemos nossa própria comida na cozinha improvisada no chassis do caminhão ou da carreta. Dormimos em nossas próprias boleias para adiantar a viagem ou economizar recurso para levar para casa. 

A simplicidade para fazer as coisas e explicar a vida, apresentar o mundo, informar sobre o regramento ético de convivência na sociedade; ensinar a matemática do capitalismo que faz subir e descer os preços das mercadorias; e porque não a ciência de governar já que a política há muito deixou de ser uma arte.

Mas, devemos evitar a ingenuidade que nos tornam pessoas iludidas, abobalhadas e presa fácil para impostores e seus delírios alheios. Aliás, não podemos ser um joguete de ninguém, sobretudo em mãos erradas porque nos torna uma espécie de instrumento dessa perversidade a serviço de interesses que não são os nossos.

A simplicidade é a ausência de complicações criadas para impedir ou dificultar a compreensão deste momento de crise e retrocessos que o Brasil atravessa. A simplicidade ingênua leva a trágica condição de mero espectador sem nenhum poder para transformar a realidade.

Nós caminhoneiros autônomos não queremos ser médicos, economistas, professores, açougueiros, padeiros ou técnicos de futebol, queremos ser caminhoneiros porque é isso que somos, pois é isso que faz sentido às nossas vidas. Somos trabalhadores profissionais e gostamos do que fazemos, mas é preciso que tenhamos dignidade para sustentar nossas famílias.

Como disse ao deputado Osni Cardoso não queremos uma jornada de trabalho extenuante que rouba da gente a melhor parte de nossas vidas presas em cima de um veículo de carga, percorrendo diuturnamente as estradas desse país. Por mais lindas, sinalizadas e bem cuidadas que sejam, não é só isso que queremos.

 

Mesmo sendo decida em novembro de 2022, nossa sofrência ainda se estenderá até o fim de 2022. E a não consciência de nossa categoria nos impõe uma árdua guerra de braço contra o bolsonarismo e uma gigantesca capacidade de argumentação contra a alta de combustíveis, a desvalorização do frete e os pedágios que tiram da gente o pouco que se ganha arriscando a vida.

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