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A sofrência do caminhoneiro autônomo: combustível, frete e o pedágio
Foto: Revista Fórum |
"...
disse ao deputado Osni Cardoso que o Bolsonaro não cria oportunidades
minimamente dignas para nós caminhoneiros e a população de modo geral, mas
amplia diariamente as desigualdades na sociedade."
*por
Almerindo Neto
Gosto da simplicidade como característica primária que mais se destaca na personalidade de uma pessoa, isso faz com que eu me afeiçoe a esse tipo cada vez mais raro de ser humano. Apesar disso, não vejo com bons olhos quem usa da simplicidade apenas quando lhe convém. Em especial com quem tem esse perfil afetado, pois provavelmente são os maiores responsáveis por minha insatisfação com os políticos.
Na
política partidária sou aquela pessoa que chamam de outsider, um tipo discreto
de indivíduo de esquerda (progressista) sem qualquer vivência com partidos
políticos, mas totalmente incrédulo em relação aos políticos mandatários. Não
faço parte de nenhum grupo partidário, mas tenho consciência de que a política
é uma ferramenta indispensável de transformação, pois sem ela não se muda
absolutamente nada na sociedade.
Um dia
desse, fui apresentado para um Senhor da capital que atua na política
institucional baiana, um parlamentar pouco conhecido na cidade. Um mandatário
com discrição e hábitos positivos que não são nada convencionais para a real
política baiana. Deputado agindo com simplicidade? Estranho, né?
No
começo eu fiquei na defensiva, pois confesso que tenho enormes dificuldades em
concordar com a intenção de afirmar que é possível ter bons políticos (políticos
bons), reservadamente aqueles que se comportam com transparência e
simplicidade. Todavia, é sempre bom dizer que nunca estive na conta de caçador
de vantagens pessoais ou a procura da famosa mãozinha invisível da politicagem
que fazem a “coisa certa” de maneira errada. Talvez, isso me isente do que
pretendo escrever nesse texto.
A
conversa com o parlamentar da ALBA tomou um rumo surpreendente, pois nada neste
mundo é mais frustrante para qualquer caminhoneiro autônomo contra Bolsonaro do
que ouvir de qualquer interlocutor a desconfortável pecha de bolsonarista,
apenas por ser caminhoneiro. Óbvio que não sou de extrema direita, mas não
estou livre da bizarrice com base nas escolhas feitas na vida pregressa da
minha categoria.
Uma
nódoa infeliz que terei de explicar por muito tempo, mesmo não sendo um
bolsonarista. Mas o meu interlocutor não me subestimou, apenas observou minhas
ponderações, uma vez que a simplicidade continua sendo um traço inseparável da
minha personalidade e não uma estultícia, uma estupidez características de
bolsonaristas.
É
preciso ter simplicidade, porque a vida é feita de coisas e momentos simples.
Contudo, simplicidade não pode e nem deve ser sinônimo de ausência de saberes
ou rudeza que o impede de enxergar o precipício suicida que o bolsonarismo
propõe ao país, como advertiu o deputado Osni Cardoso.
Ao meu
ver, simplicidade é uma maneira extraordinária de fazer o conhecimento transpor
os obstáculos do obscurantismo da extrema direita que separa pessoas. A ideia é
não ter nenhuma consciência sobre a realidade do Brasil, sobre seus próprios
atos e sobre as privações de acesso dos menos favorecidos à qualidade de vida
em sociedade.
Muito
improvável durante essa fase de desmoronamento do pouco da qualidade de vida
social alcançada no país, a maioria de nós caminhoneiros autônomos ainda não
atingiram esse nível de consciência. Enquanto isso, a prepotência do
bolsonarismo abusa do poder no Brasil. Contudo, antes de qualquer coisa a
simplicidade é uma escolha política que inclui todas as pessoas e o faz de modo
que elas possam ter acesso a riqueza e desfrutar do conhecimento.
Osni
Cardoso reforçou essa impossibilidade de melhoria do país no curto prazo ao
analisar que na atual conjuntura isso é improvável a qualquer membro da classe
trabalhadora em função da alta descontrolada do custo de vida. Isso tem levado
as pessoas ao endividamento e, por consequência, às doenças mentais por causa
de enormes preocupações com o pagamento de dívidas contraídas com alimentação,
moradia, saúde, transporte e etc., que a população brasileira está sujeita.
Apesar
disso, no que pese saber que a profissão de caminhoneiro também é vítima disso,
recai sobre nossas costas a acusação de sermos desinformados ou estúpidos por
continuar dando sustentação ao bolsonarismo. Talvez não seja apenas uma questão
de desinformação, seja mesmo ausência de formação escolar.
Ninguém
nunca cogitou a discussão sobre a modalidade de educação mais flexível para
quem leva uma vida simples em cima de um veículo de carga pesada trafegando
solitário diuturnamente por essas estradas perigosas. Há vários riscos nesta
atividade de transportar cargas, mas infelizmente o que menos importa é a vida
do caminhoneiro que vale infinitamente menos que a carga que transporta.
Minha
vida de caminhoneiro me faz compreender que a carga, chegando ou não, está
segura, mas o caminhoneiro não. Os profissionais de transporte de carga enfrentam os riscos iminentes de morte por
acidentes ou assassinado por quem rouba carga. O seguro protege contra roubo e
saque de cargas, por isso, é, dos males o menor, porque muitas vezes o saque de
uma carga esparramada na pista é feito por pessoas pobres e igualmente vítimas
do sistema bruto.
Na
conversa disse ao deputado Osni Cardoso que o Bolsonaro não cria oportunidades
minimamente dignas para nós caminhoneiros e a população de modo geral, mas
amplia diariamente as desigualdades na sociedade. Somos vítimas do aumento
abusivo de combustível (que é repassado a toda cadeia produtiva direta e
indiretamente); a desvalorização do valor do frete; o acréscimo do pedágio.
Não
sou filiado a nenhum partido político, mas não posso fechar os olhos para a
situação de pobreza no país. Em particular, depois do controle político
daqueles que, além de se reivindicarem honestos, foram eleitos democraticamente
por se apresentarem como políticos anti-sistema.
Infelizmente,
a maioria de nós foi enganada e ainda não consegue perceber que eles sempre
foram os legítimos representantes do sistema que muitas vezes transforma
pessoas famintas (de educação, saúde, moradia, emprego, transporte,
medicamentos, alimentos e lazer) em saqueadoras de cargas para sobrevivência.
Essa
questão de saque de carga é polêmico e pouco compreendido pela sociedade, mas
precisamos falar aberta e francamente sobre isso. O problema para o patronato e
o Bolsonaro nunca foi a carga porque é protegida por seguro, muito menos a vida
de quem assume a responsabilidade de transportar mercadorias. Eles não importam
se quem transporta a carga é um caminhoneiro autônomo na condição de explorado
ou se corre risco de vida.
Não
interessa ao bolsonarismo, que nós caminhoneiros no cumprimento do dever de
ofício, se privem do convívio e da partilha das refeições diárias em nossas
casas com as nossas famílias. Comemos em restaurantes na beira da estrada ou
fazemos nossa própria comida na cozinha improvisada no chassis do caminhão ou
da carreta. Dormimos em nossas próprias boleias para adiantar a viagem ou
economizar recurso para levar para casa.
A
simplicidade para fazer as coisas e explicar a vida, apresentar o mundo,
informar sobre o regramento ético de convivência na sociedade; ensinar a
matemática do capitalismo que faz subir e descer os preços das mercadorias; e
porque não a ciência de governar já que a política há muito deixou de ser uma
arte.
Mas,
devemos evitar a ingenuidade que nos tornam pessoas iludidas, abobalhadas e
presa fácil para impostores e seus delírios alheios. Aliás, não podemos ser um
joguete de ninguém, sobretudo em mãos erradas porque nos torna uma espécie de
instrumento dessa perversidade a serviço de interesses que não são os nossos.
A
simplicidade é a ausência de complicações criadas para impedir ou dificultar a
compreensão deste momento de crise e retrocessos que o Brasil atravessa. A
simplicidade ingênua leva a trágica condição de mero espectador sem nenhum
poder para transformar a realidade.
Nós
caminhoneiros autônomos não queremos ser médicos, economistas, professores, açougueiros,
padeiros ou técnicos de futebol, queremos ser caminhoneiros porque é isso que
somos, pois é isso que faz sentido às nossas vidas. Somos trabalhadores
profissionais e gostamos do que fazemos, mas é preciso que tenhamos dignidade
para sustentar nossas famílias.
Como
disse ao deputado Osni Cardoso não queremos uma jornada de trabalho extenuante
que rouba da gente a melhor parte de nossas vidas presas em cima de um veículo
de carga, percorrendo diuturnamente as estradas desse país. Por mais lindas,
sinalizadas e bem cuidadas que sejam, não é só isso que queremos.
Mesmo
sendo decida em novembro de 2022, nossa sofrência ainda se estenderá até o fim
de 2022. E a não consciência de nossa categoria nos impõe uma árdua guerra de
braço contra o bolsonarismo e uma gigantesca capacidade de argumentação contra
a alta de combustíveis, a desvalorização do frete e os pedágios que tiram da
gente o pouco que se ganha arriscando a vida.
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