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quarta-feira, 17 de janeiro de 2018
O futebol como instrumentalização das massas
janeiro 17, 2018
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por
Vinícius...
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"O que era antes uma alegria e diversão, virou uma coisificação do sujeito que compulsoriamente foi perdendo a percepção da realidade acerca da miséria humana."
*por Herberson Sonkha
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Herberson Sonkha |
Disputar uma partida de futebol não deveria significar apenas uma concorrência predatória (seleção natural anti-darwiana) que transforma o adversário em inimigo ferrenho e o resultado num propósito esdrúxulo, cujos meios justificam os fins. Antes, uma grande partida implica em usar em grande medida as habilidades técnicas, vigor físico e a inteligência emocional educada para transformar uma partida de futebol numa peça artístico cultural. Num espetáculo de humanidade e entretenimento coletivo capaz de encher os olhos.
Essa guerra intestinal entre bons e ruins é demasiadamente desumana e perversa. Uma espécie de demonização contra alguns que não fazem parte do seleto clube dos dóceis “mocinhos” da Casa da Grande. A ideia estapafúrdia de que senão houver agressões, violência, xingamento e muito dinheiro não é futebol. Isto é apenas um lado da moeda permeada pela ideologia perversa do capital. Poder-se-ia existir remunerações altíssimas, técnica, vigor físico e até alguns desatinos, contudo que mantivesse o futebol-arte. Aliás, mais humanidade e oportunidade para todos os clubes que pertencem a todas as divisões.
Não discuto futebol nesta perspectiva maniqueísta. Compreendo que essa abordagem é apenas uma massagem no ego da aparência, em detrimento de uma essência imoral.... Estas categorias do campo da moral (bem e mal) sozinhas, não dão conta de responder, muito menos de compreender as contradições no futebol brasileiro que atualmente é regido pelas regras capitalistas predatórias de mercado. É absolutamente normal que exista diferenças entre clubes. E isto deveria servir apenas para motivar o bom futebol nas grandes partidas entre só clubes, principalmente entre os gigantes. Contudo, as consequências desastrosas dessa concorrência predatória são frustrantes.
Como curioso do futebol brasileiro, não menos perna de pau, nasci numa família de flamenguistas. Por tradição, o Flamengo era 99% da minha família, entre os homens e as mulheres, com exceção de duas mulheres, exatamente como é a realidade da grande parte das famílias nordestinas. Esse vertiginoso crescimento do flamengo vai ocorrer no último quartel do século XX, logo após a reabertura do país quando a rede globo, fiel escudeira dos milicos golpistas de plantão, sai fortalecida pelas trocas de favores espúrios.
Neste cenário, basta olhar quais eram os sinais de rádios/tvs que chegavam por estas bandas com domínio até os anos 90. Em certa medida, isso explica o porquê do Flamengo liderar a maior torcida nestas bandas descriminadas do país. Não é nenhuma novidade que o futebol no Brasil cumpre um papel escroto de anestesiar a consciência da população em relação a pobreza, a inflação, desemprego, violência e corrupção. O saldo de assassinatos, torturas e desaparecimento de militantes de esquerda na história recente do país durante a maldita ditadura civil-militar nos faz refletir sobre as copas mundiais de 1970, 1974 e 1978.
Contudo, eu passei a discutir futebol não mais influenciado pelo senso comum midiático, mas sim por uma produção crítica oriundo da sociologia marxiana que denunciava o papel da rede globo na alienação do povo brasileiro, vítima do descaso na educação, incapaz de formar sujeitos críticos. O Flamengo serviu de instrumento para alienar as massas e esconder vários tipos de crimes cometidos pelas elites brasileiras, inclusive de corrupção.
Desde o final dos anos 90, do século XX, que rompi com essa lógica mercantilista de futebol no Brasil. Quando fui Vice-Bahia da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) conheci uma discussão da torcida jovem do Vasco no Rio de Janeiro que me apresentou uma leitura crítica do processo socioeconômico e político do Brasil. Hoje não sou torcedor deste ou daquele clube, mas aprecio alguns poucos clubes, a exemplo do Vasco e do Botafogo.
Um amigo de mais de duas décadas, o historiador, musico, compositor, militante de esquerda, professor João Paulo, torcedor do Botafogo também tem uma larga experiência nesses debates, sobretudo porque é um historiador que cumulou conhecimento sobre o tema. Outro amigo de longas datas, Zé Otávio (filho do grande intelectual Gilson Moura) vascaíno da linha crítica sempre fez essa discussão teórica de forma fundamentada que reforçou minha compreensão e influenciou minha ruptura ideológica com o Flamengo. Embora reconheçamos que o grande intelectual (esquerda) Zé Otávio é a grande referência teórica neste campo de discussão.
Como alguns intelectuais de esquerda além de ler (discutir e fazer militância) também joga uma bolinha aos domingos, nós fazíamos isso também. Após o baba fazíamos uma roda de discussão (uma cerveja geladíssima lá no bar de meirinha) para conversarmos (analise crítica) sobre o retrocessos no futebol brasileiro e alienação promovido pelo falacioso mercado publicitário contra Vasco e as contradições do seguimento mercadológico que oferta serviços esportivos, especificamente o futebol que até os anos 90 era de entretenimento.
Existe uma engrenagem de mercado perversa que arrasta a maioria absoluta dos clubes para essas desregradas relações de mercado. Uma degradação técnica e artísticas do futebol vem grassando a dignidade do futebol no Brasil. A violência, drogas e corrupções são os mais graves problemas que assola nossa tradicional república do futebol. Como diria Caetano Veloso, “da força da grana que ergue e destrói coisas belas”, o futebol perdeu seu brilho e seu encantamento que fazia com que milhões de brasileiros fossem ao campo para se divertir com o futebol arte.
Houve uma maledicente discussão sobre a profissionalização do futebol, contudo o que houve mesmo foi a dinheirama rolando num seleto grupinho de preferidos, enquanto a maioria vivencia o drama de ser constrangido pela vilania dos capitalistas que não hesitam em escolher quem der mais audiência a sua marca e aumentar seus lucros. Mesmo que estes não joguem a quinta parte do jogador mediano do clube que disputa a terceira divisão do país. Pois, as opiniões contrárias (criticas) são amordaçadas pelo controle absoluto da mídia que dita quem e o que deve ir ao ar.
Com o espírito esportivo altruísta da última quadra da história do século XX, assistir a todas as partidas dos anos 80/90 entre o Flamengo e Vasco. Me sentia inexoravelmente feliz, além de me divertir com grandes jogadas de encher os olhos de qualquer adolescente que jogava bola canário na terra e descalço. No campo, havia futebol de verdade e não a excrescência do “pão e circo”. Exalava pelos poros a qualidade no futebol brasileiro. Não havia a opulência e vaidades imorais, na mesma proporção que existe hoje.
Quando comecei a ler sobre futebol no Brasil, havia alguns poucos intelectuais que eram jogadores. Sócrates era um deles, cujo filho fora batizado de Fidel em homenagem ao líder revolucionário cubano Fidel Castro, no que pese as críticas aos excessos do regime. Sem contar com o jogador italiano do Perugia, o Paolo Sollier, intelectual e militante de esquerda, escreveu o livro em 1976 (Calci e sputi e colpi di testa) sobre a sua militância na Vanguarda Operária do futebol na perspectiva de esquerda.
Do ponto de vista histórico, é preciso fazer autocrítica e admitir que alguns clubes no Brasil passaram a aceitar as regras imorais da rede globo para assumir o papel de liderança no futebol. Essa aceitação implicou em concordar com a despolitização do povo brasileiro. Isso, consequentemente contribuiu para a alienação das massas frente a situação gritante em que viviam a maioria das classes trabalhadoras e as populações subalternas em situação de vulnerabilidade socioeconômica e política.
O que era antes uma alegria e diversão, virou uma coisificação do sujeito que compulsoriamente foi perdendo a percepção da realidade acerca da miséria humana. Pior ainda é cegueira crescente acerca da origem da fortuna de um minúsculo grupo de arquimilionários a entrar para o panteão das vaidades, ostentando luxo, dependência química, sonegação fiscal e corrupções. Futebol mesmo? Há muito deixou de existir.
Não esqueçamos de Pelé (Lei 9.615, março de 1989)! Essa nos deixou um legado de desconstrução do futebol. Apesar dos discursos efusivos sobre a necessidade de profissionalização. Na economia esta lei vai fazer a divisão social do trabalho e "profissionalizar" o futebol no país. Surge aí a presença de um novo agente, a figura do empresário, no horizonte das grandes transações milionárias para promover alguns poucos jogadores (nem sempre os melhores). Aliado ao crescimento dos "patrocinadores" que passaram a escalar jogadores no lugar dos técnicos que passaram a submeter a estes capitalistas que visam apenas disputar mercado e aumentar seus lucros estratosféricos.
Obviamente, que não existe nenhum problema em investir no futebol, contudo as práticas imorais grassaram uma tradição de bons jogadores e os técnicos que resistiram a esta imoralidade passaram a ser criminalizados. Havia um discurso chulo de caráter positivista egresso da teoria de Auguste Comte que pregava a isenção (física social) política, futebol não é política, por isso não corrupta! A ciência acadêmica produzindo discursos ideológico para a mídia, pautada por uma linguagem tecnicista dos comentadores futebolísticos da rede globo.
Neste sentido, havia uma grande discussão no país que não chegava nas periferias ou rincões do paíis porque era invisibilizado pelos meios de comunicação regulado pelos interesses políticos conservadores. A exemplo de torcedores e jogadores do Vasco, Botafogo, entre alguns outros poucos clubes surgidos no bojo do movimento operário no Brasil, mantendo a mesma postura crítica. Aliás, foram brutalmente criminalizados!
A questão específica do Vasco deve ser observado com atenção pelo fato de ser um clube com perfil operário. Mas, inquestionavelmente incorporou as lutas sociais, a exemplo da demanda do Movimento Negro que já discutia desde os anos de 1970 a questão da inserção de jogadores negros no esporte, particularmente no futebol profissional brasileiro.
O clube que enfrentou a rede globo em horário nobre, colocando uma marca de outra emissora e fez a rede globo transmitir o jogo filmando as pernas ou cabeças dos jogadores. Isto sim é um confronto. Claro que esse clube seria rechaçado de forma perversa. Da mesma forma que o Estado do Rio de Janeiro foi covardemente criminalizado por ter um governador como o Leonel Brizola que se opôs ao jogo sórdido da rede globo, foi hostilizado 24 horas todos os dias, o Vasco vai sofrer da mesma forma.
Portanto, o futebol foi o tempo todo instrumentalizado para alienar as massas, sujeitando-as aos interesses inescrupulosos das elites brasileiras. Em maior ou menor grau, a ideologia burguesa capitalista sempre esteve orientada a conduta de cada torcedor. As instituições políticas públicas e privadas sempre fizeram o jogo explorador do grande capital. A mídia assume o papel de criar um cenário perverso de ilusões e de controle ideológico das massas. Inequivocamente a maioria absoluta dos clubes vão corroborar peremptoriamente com isso, não só visando a permanência no grupo de elite, mas os contratos milionários e a não publicitação de corrupções e envolvimentos com crimes de lavagem de dinheiro e o tráfico.
Contudo, não podemos dizer também que todo torcedor do Vasco ou do Botafogo, ou até mesmo do Corinthians se transformaram em combativos militantes, críticos ou de esquerda, por causa de Sócrates. Mas, inequivocamente, a história desses clubes faz parte das grandes manifestações políticas neste país pela reabertura política, pela democracia, pela anistia aos exilados políticos, pelo fim da carnificina dos torturadores e da letífera ditadura.
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*Herberson Sonkha é professor de Filosofia e Sociologia no Zênite Pré-Vestibular e Cursos. Estudante de Ciências Econômicas na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Foi gestor administrativo lotado no Hospital de Base de Vitória da Conquista. Foi do Comitê Gestor da Secretaria Municipal de Educação de Anagé. Presidiu o Conselho Municipal de Educação de Anagé. Coordenou o Programa Municipal Mais Educação e a Promoção da Igualdade Racial do município de Anagé. Foi Vice-Bahia da União Brasileira de Estudante (UBES) e Coordenador de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Vitória da Conquista (UMES). Militante e ex-dirigente nacional de Finanças e Relações Institucionais e Internacional dos Agentes de Pastorais Negros/Negras do Brasil. Membro dirigente do Coletivo Ética Socialista (COESO) organização radical de esquerda do Partido dos Trabalhadores.
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