Translate

Seguidores

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

CORTA ESSA, MEU!



*por Iranildo Freire

Anagé cidade cantada e decantada pelos seus filhos poetas como possuidora de riquíssima cultura popular e permeada de muitas histórias e memórias. Nas décadas de 60 e 70 a cidadezinha era uma espécie de Palestina Antiga, servia de passagem e hospedagem para milhares de romeiros que vinham de Minas Gerais, Sul da Bahia e de outros tantos recantos da Bahia e do Brasil rumo à cidade de Bom Jesus da Lapa, especificamente nos primeiros dias do mês de agosto. A cidade de Bom Jesus da Lapa conhecida por sediar, desde o século XIX a segunda maior festa religiosa católica do Brasil - Romaria do Bom Jesus.
Neste cenário de pequena cidade do interior da Bahia vive Avelino Vieira com sua família, autor da célebre frase: corta essa, meu! Avelino Vieira, mais conhecido como Avelino de Fulô. Fulô era Filomena. Dona Filomena. Esposa de Avelino, ou seja, “Filomena de Avelino” e “vice-versa”. Bebedor das águas do rio Gavião, ser humano emblemático e marcante na memória histórica da cidade, principalmente pelas histórias que protagonizava nos períodos de romarias, como comerciante ambulante de frutas e de guloseimas diversas.

A cidadezinha dividia-se basicamente em duas partes; as casas que ficavam na parte de baixo da Igreja Matriz (Padroeiro São João Batista) e as casas que ficavam na parte de cima da Igreja. Eram nessas casas de ruas empoeiradas que vivia uma população que anualmente, no mês de agosto, ficava polvorosa para receber os romeiros peregrinos de Bom Jesus da Lapa. A população do lugarejo direto ou indiretamente mobilizava-se e transformava-se em exímios comerciantes; montavam-se barraquinhas nas ruas, convertendo a cidade numa verdadeira “quermesse temporã”. Vendia de tudo nas barraquinhas montadas pelos “moradores comerciantes”; café, brevidade, mingau, bolinho (de puba, milho, goma), aipim cozido, cuscuz, canjica, frutas; além de objetos artesanais produzidos no Munícipio, como selas, cabrestos, rédeas, chapéus de palha e de couro, esteiras de palha, sandálias de couro, etc. As residências dos moradores também era um meio de ganhar um “dinheirinho” nesta época, pois serviam de dormitórios. A casa de Sinhana de Bitu, por exemplo, servia como dormitórios e ainda restaurante. O pouso na cidade era necessário, pois naquela época praticamente todo o percurso até a cidade de Bom Jesus da Lapa era feito em estradas de terra, o que gerava um grande desconforto e cansaço físico aos romeiros. Muitos deles, principalmente os que vinham do Estado de Minas Gerais e de outras partes mais longínquas do Brasil ficavam até três dias na pequena Anagé para contentamento financeiro dos moradores do Vilarejo.

Numa dessas romarias da primeira metade da década de 1970, eis que surge o folclórico personagem dessa história, Avelino de Fulô, levando o seu comércio até os romeiros. Os caminhões que transportavam os romeiros eram revestidos com lonas sobre estacas armadas e assentos entre as duas laterais da carroceria do caminhão, o que por várias vezes, “Tio Vilu”, como também era popularmente conhecido o Sr. Avelino em Anagé, confundia constantemente com carros que transportavam bois, os chamados carros de boiadeiros que eram parte do cenário cotidiano da cidade. Os caminhoneiros, ou melhor, os boiadeiros eram hóspedes assíduos dos hotéis São João(de propriedade de Senhorinha Barbosa – Dona Senhora, esposa de Neco), Ideal (de propriedade de Belarmina – Dona Bela, segunda esposa de Ulisses Oliveira), Fé em Deus (de propriedade de Dona Dosa, primeira esposa do ex-prefeito - mandato tampão de 1970-72, Henrique Ribeiro Neto), Itapetinga(proprietária - Dona Mera, esposa do ex-candidato a prefeito na eleição de 1966, Claudemiro Fortunato Pereira) e, ainda na pensão de Dona Miúda, filha de Ulisses Oliveira e esposa de Júlio.

De visão “pouco apurada”, Tio Vilu sai para trabalhar numa noite sem contar com a luz do luar e muito menos com a luz elétrica da cidade, pois esta dependia sempre do óleo para produzi-la e quase sempre faltava, por descuido ou mesmo falta de responsabilidade com a “coisa pública” por parte dos prefeitos de então; Tio Vilu achando que estava próximo de um carro de romeiro, rumou-se para gentilmente oferecer suas guloseimas aos peregrinos do Bom Jesus. Na bandeja ele carregava sobre um dos braços chimango e pastel, na outra mão carregava duas garrafas, hoje térmicas, naquela época, “quente-frios”, uma com café e a outra com leite. Ao oferecer o seu produto aos possíveis fregueses foi surpreendido com uma “coiçada de bosta” direto na bandeja. Ele que estava abaixo da carroceria do caminhão lotado de bois, perdeu a paciência e gritou como se queixasse para outros vendedores que estavam próximos:
_ Oh! rumeiros maliducados! Ruminou de raiva o velho Vilu.
Outra passagem de Tio Vilu não menos pitoresca ocorreu numa pura falta de comunicação entre ele e um romeiro paulista, possivelmente, um baiano que foi a São Paulo para trabalhar e que retornou com um palavreado carregado de gírias. O baiano-paulista interessou em comprar uma melancia ofertada por Tio Vilu, pois neste dia, o velho estava vendendo frutas, dentre elas, melancia.   Perguntou o baiano de linguajar paulista:
_ Quanto custa essa, meu?
_ Esta melancia custa 10 cruzeiros. Está vermelhinha e docinha. Respondeu Tio Vilu com aquela “vozinha” rouca, marcante e inconfundível.
_ Corta essa, meu! Retrucou o baiano-paulista inconformado com o alto preço da fruta em questão.
Tio Vilu de imediato cortou a melancia e apresentou ao freguês. 
_ Está aqui a melancia cortada que você pediu. Despachou Tio Vilu.
_ Sai dessa, meu! E saiu sorrindo, o baiano-paulista, sem entender a atitude do “velhinho-vendedor” nas romarias de Bom Jesus da Lapa.
 
(Iranildo Freire Oliveira – é professor de História no CERV – Anagé-BA)



































 


















0 comments :

Postar um comentário

Buscar neste blog

por autor(a)

Arquivo

Inscreva seu e-mail e receba nossas atualizações: