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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Socialismo: utópico ou cientifico?


* Por Herberson Sonkha


A ideia de igualdade entre humanos não é uma proposta que nascem com a modernidade ou com a elite intelectual européia no século XVIII que se reivindicavam “esclarecidos” o suficiente para colocar em duvida a verdade absoluta da Igreja e do Estado, por intermédio da razão instrumental, ciências positivas, com objetivo de reformar a sociedade feudal e destronar o saber inabalável herdado da tradição medieval. Para Thomas More e Tommaso Campanella (1568-1639) a sociedade deveria ser regida por um consistente ordenamento jurídico que organizasse uma sociabilidade de iguais.

Pensadores como Baruch Spinoza (1632-1677), John Locke (1632-1704), Pierre Bayle (1647-1706) e Isaac Newton (1643-1727) sentiam-se prejudicado no exercício de suas atividades de especulação cientifica porque a Igreja e o Estado coibiam qualquer atividade de “alquimia” ou “bruxaria” porque entendiam que tais práticas colocariam em xeque o poder instituído por Deus, através das autoridades da igreja, aqui na terra.

Para Gracchus Babeuf (1760-1797) havia um fosso entre a igualdade formal e ideia de “liberdade, igualdade, fraternidade”, denunciado pela bandeira da revolução francesa em função da desigualdade real, por traz da falácia iluminista de igualdade de condições. Babeuf havia percebido que o desenvolvimento econômico propiciado pelo capitalismo, começado pela revolução industrial, teria desenvolvido bolsões de misérias nos arredores das fabricas, urbanização das cidades, formado por uma nova espécie de trabalhador (proletários) com baixos salários. Aqui o autor do “Manifesto dos Iguais” faz a primeira crítica contundente ao liberalismo, atribuindo à livre concorrência praticada pelo mercado a causa maior da desigualdade social, contradizendo a promessa de “liberdade, igualdade e fraternidade”, fundando uma ordem injusta e imoral.

Aqui surge o debate entre direito ideal e real, estabelecendo uma dicotomia entre os pressupostos liberal burguês e a realidade vivenciada por milhões de trabalhadores elucidando as condições, eclipsadas pela ordem econômica e jurídica na perspectiva liberal. Babeuf vai estabelecer distinções entre a igualdade real vivenciada pela classe operária naquele período e a formal de caráter ideal. Portanto, a “idéia” alienada da realidade, oculta verdades veladas para manter tais igualdades pensadas a partir do século XVI por More e Campanella. A representação se daria no plano ideal, incompatível no plano prático, porque estava alienada da realidade concreta regida por uma sociedade liberal, operada por um sistema econômico e financeiro que só se viabiliza a partir da expropriação de mais valores (mais valia) da classe trabalhadora, mantida por uma superestrutura de conformação com esta sociabilidade.

A encruzilhada entre o utópico e o cientifico possuem matrizes teóricas absolutamente diferentes porque são abordadas em momentos e métodos distintas. Há uma relação dialética entre estas duas categorias dentro do processo histórico de formação- negação-formação.  Se o século XVI começa incubar formas de igualdades com More e Campanella é no século XVIII que estas propostas vão ganhar força, musculatura teórica e nome: socialismo. Neste século o pensamento sobre a igualdade passa a ser discutido a luz das obras de Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1837), Louis Blanc (1811-1882) e Robert Owen (1771-1858) denominado de socialismo. No que pese saber que a tese central destes autores, fortemente questionada pela tese de Karl Marx e Friedrich Engels, postulava uma sociedade de iguais sem, no entanto propor quaisquer caminhos factíveis para alcançá-lo, na linha da representação ideal, alienada da realidade concreta, divirjo da idéia à histórica que considera sem qualquer importância este primeiro momento da história do socialismo.

A consolidação da expressão socialismo, no plano cientifico, vai ocorrer quando a arena deste debate desloca-se do plano ideal para o campo inexoravelmente econômico, político e histórico. Para os pensadores do utopismo, cujos principais porta vozes na França era Saint-Simon, Fourier e Proudhon, as soluções para tais desigualdades poderiam advir da reforma da sociedade através da boa vontade e participação de todos, fortemente marcada pela filantropia paternalista, que promovesse melhorias de alojamentos e higiene, construção de escolas, aumentos de salários e redução de horas de trabalho.

Simon chegou a acreditar que uma indústria poderia ser conduzida por trabalhadores e patrões harmonicamente (cooperativa). Fourier propôs pequenas organizações sociais, uma espécie de comunidade denominada de falanstérios (Grande organização de produção, no meio da qual os trabalhadores vivem em comunidade) com exceção do Familistério de Gondin todas as outras experiências fracassaram. Quanto a Proudhon, cônscio do antagonismo de classe, considerou em uma de suas obras, “Propriedade é Roubo!”, que a propriedade privada significa uma expropriação do trabalho alheio, não obstante permanecer no campo do idealismo permaneceu afirmando que os preceitos da revolução francesa se dariam efetivamente através da solidariedade, porque a plena liberdade do homem ocorre quando se descobre uma relação de semelhança. Robert Owen buscou efetivar suas premissas socialistas ao reduzir a jornada de trabalho, aumentou salários dos trabalhadores de sua fabrica de New Lamarck e construiu casas para seus trabalhadores.

Apesar de despertar as mais variadas sentimentalidades nas sociedades de seu tempo, estes utopistas, não passaram de experimentos fracassados com algumas poucas experiências exitosas para seus empreendedores individualmente porque ganharam notoriedade e fama. O material produzido a partir destas experiências e a literatura disponível possibilitaram a Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) produzirem em 1848 uma obra panfletaria dirigida a classe operária bastante conhecida, “Manifesto Comunista”, que serviria de primeira crítica ao que eles denominaram de socialismo utópico e o elementar programa partidário voltado para orientar a classe trabalhadora em relação aos equívocos teóricos cometido por estes. Se a principal crítica feita aos utopistas era de que não apontavam caminhos factíveis para construção desta igualdade, coube aos dois pensadores, dirigentes e militantes da causa operária a árdua tarefa de construir esta plataforma teórica de maneira absolutamente nova.

Ao alçar a condição de cientifica, o socialismo precisaria de apetrechamento teórico necessário para torná-lo viabilidade no plano pratico. Assim, estes pensadores e militantes se colocaram a compreender os fenômenos determinantes que elucidam as sociedade capitalista e suas tendências estruturantes. Qual seria o instrumental utilizado por eles para dar o status de ciência a sua proposta de socialismo? Certamente não seria a ciência positiva liberal burguesa. Esta plataforma teórica vai ganhar musculatura com a incorporação de três contribuições essências a sua tese: a economia política inglesa, a filosofia alemã e a política francesa. O escopo desta tese tinha por objeto inalienável de estudo e pesquisa o Capitalismo.
Segundo Marx e Engels, “todos os movimentos políticos, sociais e intelectuais da história foram determinados pelo modo de produção da vida material. Este condicionaria o conjunto dos processos da vida social, política e cultural e os sistemas de valores (ideologia), ou seja, a esfera econômica prevaleceria e sobreporia outras esferas sociais: a cultura, a política.”

O caminho para o socialismo receberia do materialismo histórico a consistência necessária para compreender os processo de formação das sociedades e suas principais contradições causadoras de suas dissoluções até a modernidade e suas contradições maculadas. Esta abordagem possibilitou a estes pesquisadores compreender a dinâmica, seus nexos causais e determinar as tendências (afirmação-negação-afirmação) de cada momento histórico, quer seja na antiguidade, na medieval e moderna. Isso permitiu depreender categorias estruturantes universais e particulares de cada momento histórico.

Eles observaram que nestas diferentes sociedades houve relações de opressão, dominação e exploração das forças produtivas em condições primitivas a serviço da classe dominante. Nestes períodos foram identificados também fatores de produção, uso, apropriação e controle social das classes antagônicas. A isto a obra marxiana chamou de Materialismo Histórico, rompendo com a idéia á histórica dos tempos e a tese inalterável da historia presente.  Os homens fazema história, mas a faz de forma alienada por que não participam dos processos de decisões política, do acesso a produção de bens e dos benefícios que esta riqueza possibilita. Portanto, resgatando o próprio conceito quandi diz: "Die Menschen machen ihre eigene Geschichte, aber sie machen sie nicht aus freien Stücken, nicht unter selbstgewählten, sondern unter unmittelbar vorgefundenen, gegebenen und überlieferten Umständen.”[1]

No estudo da economia inglesa Marx e Engels vão descobrir na leitura da obra de Smith e Ricardo os mecanismos de expropriação alienada de mais-valor da classe trabalhadora, a expansão dos fatores de produção, divisão do trabalho e a apropriação do produto por parte de uma classe que se reivindica dono deste resultado porque investiu capital e espera-se retirá-lo aumentado. A partir desta leitura observou-se que o trabalho, desprendimento de enérgica criativa, está presente em todas as épocas da história da humanidade e sua realização, em ultima instancia, dá sentido ontológico ao ser humano. A divisão do trabalho retira do ser sua participação em todo ciclo da produção, reduzindo-o a mero assessório, criando o sentimento de estranhamento e insatisfação com o que realiza. Esta relação é reproduzida no âmbito da sociedade fossilizando a classe trabalhadora à condição de alienação. Portanto, não consegue compreender que a riqueza possui sua força de trabalho subsumida.

“A teoria da mais-valia completa o alicerce do socialismo científico. O principal intuito dessa teoria foi demonstrar como os trabalhadores foram explorados pelos capitalistas. A mais-valia seria o valor adicionado à mercadoria (produto) pela força de trabalho do operário (mão de obra). Ela se expressa na diferença entre o valor da riqueza que o trabalhador produzia (valor de mercado dos produtos produzidos) e o que ele recebia na forma de pagamento (salário). Portanto, todos os produtos e os valores de mercado agregado (lucro e riquezas) eram produzidos pelos trabalhadores, porém os trabalhadores nunca recebiam o valor total do fruto do seu trabalho. Eles recebiam salários que dariam para manter a sobrevivência precária sua e de seus filhos (família). Sendo assim, a mais-valia é a exploração do trabalhador em cima do que ele produz, ou seja, o trabalhador nunca recebe seu pagamento de acordo com a riqueza que produz com o fruto do seu trabalho.”

Na filosofia alemã, Marx e Engels, vão dialogar com a obra de Hegel que trata de dois aspectos do pensamento: A dialética hegeliana e a do Estado que funda a Sociedade Civil. A dialética em Hegel possui movimento de pêndulo que se movimenta de um lado a outro sem que haja qualquer alteração, o que justifica a dualidade mecânica. Marx apropriar-se criticamente desta premissa hegeliana e desenvolver o que ele considera como movimento de negação-afirmação-negação, sendo que a terceira condição é uma superação das duas anteriores. Assim, Marx utiliza-se da crítica de Feuerbach a Hegel, no sentido de quê não é o Estado que funda a sociedade civil, interesses privados, como reino da miséria e desregramento e sim o inverso. Portanto, Marx vai dizer que é a sociedade civil que funda o Estado para manter as relações estabelecidas. Assim Marx resolve a questão do materialismo histórico incorporando à dialética e destrona das hostes celestes a inviolabilidade do direito natural, tornando factível ao homem mudar seus destinos.

“A principal ideia dessa teoria é que nunca devemos pensar que o mundo pode ser considerado um complexo de teorias e fenômenos acabados, mas de processos que estão em constantes transformações, ou seja, a tese, a antítese e a síntese, o princípio dialético: Tese X Antítese = Síntese → Tese X Antítese = Síntese (...), um princípio sem fim, em permanente transformação.”

Assim o socialismo ganha uma elaboração cientifica e subsidia a classe trabalhadora na disputa de classe com a sua antagônica classe dominante. Expressão como revolução proletária passa a pertencer o léxico da classe trabalhadora. Mas, por ser considerada como cientifica, Marx adverte que o socialismo não é obra da imaginação ou intelectualização dos homens não, e sim da condição antagônica de classe. Portanto, a defesa do socialismo não se dará pela conscientização, como feito no plano ideal, pois Marx a retirou do pano ideal e a colocou no centro das disputas políticas das classes antagônicas.

Ciência em Marx não significa um conjunto de princípios ideais, e sim expressões categóricas extraídas das relações sociais concretas. Por isso que se constitui crime dizer que Marx criou alguma coisa, como se a ciência fosse algo pronto na cabeça das pessoas. Aqui vai outra critica de Marx no sentido de disparar contra Descartes ao contrapor-se à máxima filosófica, “penso logo existo”, pois o pensamento não cria nada e sim uma representação no plano das idéias dos reflexos do concreto, aliás, o que é primário na obra marxiana é o real concreto.

Portanto, para o socialismo marxiano, a melhora das condições de vida e trabalho dos trabalhadores se dá na perspectiva da luta de classes, da revolução dos trabalhadores e da via armada. Essa consideração leva em conta todas as transições das sociedades realizadas até o momento histórico dado. Mudanças estruturais não ocorrerão por concessão ou solidariedade da classe dominante. Basta observar como a imprensa trata os movimentos sociais que promoverão quebra-quebra em patrimônios privados e qual é a postura da polícia? Diferente dos utópicos, liberais burgueses, os socialistas marxistas assumem a luta de classe e a ruptura radical como meio necessário as mudanças estruturais na sociedade burguesa, enquanto os utópicos buscam reformas sociais por concessão.

Por ultimo, faz-se necessário desmistificar a idéia de que é possível construir o socialismo fazendo políticas públicas (uma nova versão de socialismo utópico?!) ou da reforma por concessão. A expressão socialismo não foi ressignificado, porque o capitalismo existe, continua expropriando e mantendo as desigualdades sociais cada vez maiores, mesmo em países como maior ou menor grau de miséria como Suíça, Genebra, EUA, Suécia, Europa, Japão e outras nações ricas. Enquanto houver o capitalismo, a classe trabalhadora continua sendo o motor capaz de transformar a história. A superação do capitalismo e a construção de uma sociabilidade sem opressão, exploração e domínio de classes dominantes só poderia se daria por via da revolução socialista, conduzida por trabalhadores e não por oportunistas burgueses capitalistas filiados a partidos de esquerda, isso serve ao PT, PCdoB, PSB, PSOL. Por ISS, agora mais do que nunca o socialismo é cientifico!



[1] “Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem, não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado." MARX, Karl. “Dezoito Brumário de Louis Bonaparte (1852).

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