Translate

Seguidores

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Bodas de Crizo: Vida longa à Luís Carlos e Cleide

 "A luta diária no mercado de trabalho, o reconhecimento profissional, os desafios, as vitórias e as não vitórias que constituem a vida desse casamento bem-sucedido"


*por Herberson Sonkha



O Bairro é o Alegria! Confesso que não gosto muito da ideia de se chamar o bairro Alegria de bairro Brasil e não tenho nada contra. Apenas gostaria de destacar que é um bairro com outra realidade, sobretudo porque nos arreda pela antiga Avenida Cuiabá. O Bairro Alegria, fica situado às margens da Avenida da Integração (ou antiga Rio-Bahia) e também nos separa geograficamente do Bairro Jurema.

Foi lá onde vivemos toda a nossa infância e adolescência. O bairro ainda traz algumas lembranças indeléveis de quando éramos crianças correndo livremente pelas ruas de terra ou no campo da “baixada”, brincando com todas as modalidades possíveis de brincadeiras. Ah... Quem não se lembra da aventura de escalar escondido o “buracão” profundo do lado da casa de Dona Sena?  Doces lembranças!

Ainda moro por lá e às vezes andando pelas ruas silenciosas do bairro quando chego da UESB tarde da noite, sou tomado subitamente por uma nostalgia, uma sensação perversa de uma época que não existe mais e a consciência de que não voltará  mais, causa profunda melancolia. Mas, o casal de amigos, Luís Carlos e Cleide também estão por lá há décadas e me fazem sentir parte dessa comunidade.

Esse ano, especialmente no apagar das luzes do primaveril mês de setembro, exatamente no último sábado do mês (30), estivemos (eu e meu irmão Herberg) na discreta celebração de bodas desse casal de amigos das antigas, Luís Carlos e Cleide. Ouvi pela primeira vez a expressão “Bodas de Crizo” sem saber exatamente qual o real significado, mas imaginei que fosse simbólico pelo motivo especial de que estávamos no trigésimo terceiro aniversário de casamento.

Antigamente, essas expressões “chiques” eram frequentemente utilizadas apenas por casais com padrão socioeconômico elevado, como se as pessoas da classe trabalhadora que moram em bairros geograficamente periféricos (como no nosso caso do querido bairro Alegria da infância) não pudessem constituir casamentos sólidos baseados em sobriedade, valores e princípios morais adequados. Talvez, isso explique o meu desconhecimento da referida expressão.

Embora não estivesse familiarizado, fui buscar as origens dessa palavra e tomei conhecimento de que foram os gregos antigos quem a utilizou primeiro para designar uma das 37 etapas da convivência de um casal. Diz-se que cada etapa é designada por uma pedra preciosa ou uma flor e se tornou símbolo comemorativo de cada ciclo do casamento. Então, “Bodas de Crizo” quer dizer “Pedra de ouro” porque sua aparência oscila entre o amarelo e o verde.

Já a expressão ‘boda’ [se pronuncia “bôda”] tem mais a ver com a nossa língua portuguesa porque tem origem no latim. Essa língua pertence ao ramo ocidental da família da língua indo-europeia, falada por povos lácios e antigos romanos [ século VII a.C.] que significa promessa. Sobre lácio, o poeta brasileiro Olavo Bilac abre a primeira estrofe de um dos mais belos sonetos da literatura parnasiana brasileira chamado “Língua Portuguesa” com o verso “Última flor do Lácio, inculta e bela”. Bilac presta homenagem ao idioma Português, última língua derivada do Latim Vulgar falado no Lácio, região localizada na Itália.

Portanto, “Bodas de Crizo” é uma expressão greco-romana que se tornou habitual em celebrações de aniversários de casamento. Atribui-se a cada ano um significado novo dado pelas cores de uma pedra preciosa ou de uma flor, simbolizando o começo de uma nova etapa da vida. A bem da verdade, faz todo sentido porque a relação entre Luís Carlos e Cleide foi forjada no calor do fogo, pois, quanto maior for a intensidade das chamas, mais resistente será a liga que conecta um ao outro na relação. Isso não difere do tipo de liga que sustenta a amizade que nutrimos uns pelos outros, sobretudo nesses mais de 40 anos de conhecimento e convívio.

O musicista Bituca (Milton Nascimento) disse na “Canção da América” em 1979 que “[...] amigo é coisa pra se guardar, debaixo de sete chaves, dentro do coração” e ele tem razão. Nunca foi fácil a convivência entre humanos, pois somos seres humanos e não réplicas de laboratório aperfeiçoadas de humanóides. E quando se tem a oportunidade de celebrar uma amizade duradoura sempre me lembro dessa canção como se fosse uma sinfonia da convivência humana, como é o hino da amizade de Bituca.

Por isso, guardamos as amizades no melhor lugar do mundo, o coração, como sendo um lugar simbólico que nos remete à humanidade, amenidades e reconhecimento da alteridade. Lá ficam apenas aqueles amigos que o tempo e a caminhada se encarregaram de transformá-los sentimentalmente em irmãos. Vale ressaltar que não se trata dessas novas modalidades de amizade feitas superficialmente ou por conveniência.

Herbinho, Calula e Sonkha

A amizade da gente vem de muito longe, diria até que se consolidou há algumas décadas no final do século passado. Essa longevidade existe porque não foi começado por nenhum de nós, pois a gente só deu prosseguimento ao que nossos pais (Dona Nice e Seu Luís, Dona Jacy e Seu Alício) deram início a tudo isso em uma época longínqua em que a gente nem existia. Assim como nossa amizade, o casamento de Calula e Cleide segue o mesmo curso.

Cleide disse nessa ocasião comemorativa que certa vez, lá no começo dos anos 80, meu irmão Herberg (também chamado pela alcunha de Herbinho ou apenas Binho) esteve no aniversário de outra amiga em comum, Lucinete (chamada pela alcunha de Lú) que é minha atual cunhada, acompanhado do amigo Luís Carlos (também conhecido entre nós pela alcunha de Calula). Naquele momento, o acesso à festa passava pela consulta à amiga Cleide que mediava o diálogo com a aniversariante porque Herbinho era mais amigo do irmão de Lú, Agnaldo. Óbvio, Lú não hesitou em autorizar a entrada dos amigos à festa.

Esse momento é importante porque foi a primeira vez em que Calula e Cleide se encontraram e, ao meu ver, significa o começo de um grande relacionamento. Por isso, faço memória a esse episódio marcante porque o que resulta desse encontro inesperado é a principal razão de estarmos comemorando essa trajetória de vida. Aliás, essa é a caminhada de toda uma história de vida que já ultrapassa três décadas de convivência.

Não há como não escrever sobre esse itinerário exitoso sem falar da construção coletiva (filho e filha) desses dois seres humanos extraordinários para educar sua prole. A luta diária no mercado de trabalho, o reconhecimento profissional, os desafios, as vitórias e as não vitórias que constituem a vida desse casamento bem-sucedido. Uma bússola moral para todos e todas nós. Não se pode duvidar disso, pois, como disse Caetano Veloso, “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.


Vida longa ao casal de amigos-irmãos!


0 comments :

Postar um comentário

Buscar neste blog

por autor(a)

Arquivo

Inscreva seu e-mail e receba nossas atualizações: