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Mudar de lado ou capitular?
*por Herberson Sonkha
Circula nas redes sociais um vídeo de Ricardo Alves, um ex-filiado do Partido dos Trabalhadores, conhecido pela sua atuação social no fluido campo de esquerda.
Ricardo é bastante conhecido na cidade como um militante dos Direitos Humanos que traz consigo marcadores sociais gritantes por ser um respeitável homossexual, candoblecista e negro.
Não há nada de errado em entrar ou sair de uma organização partidária numa sociedade democrática. Mas não se vai de um extremo a outro num piscar de olhos sem cruzar a linha que separa diferentes posições ideológicas, diametralmente opostas na sociedade.
Me refiro ao crivo do mundo das ciências sociais que analisa se há ou não coerência nessa ou naquela defesa de posição. Afinal, vivemos em sociedade e pertencemos a grupos sociais com ethos definidos e se busca validade no que se defende com a intenção de formar e se tornar opinião pública.
Para quem nunca participou de nenhuma construção sociopolítica coletiva, efetivamente anticapitalista, antirracista e antifascista de negação do que está posto, viver é uma doce ilusão no mundo do faz de conta.
Geralmente, se diz que essa pessoa vive no mundo isolado por uma suposta inocência de quem desconhece as contradições e dores da sociedade burguesa capitalista.
Tudo não passa de uma festa. Não dói viver imerso no mundo da matrix ideológica burguesa e a ideia de "mudar de lado" não afeta essa parcela da sociedade porque a bolha é uma zona de conforto que filtra os conflitos que estão relacionados às pautas da esquerda.
Os chamados marcadores sociais - "elementos que podem ser tanto manifestações da natureza humana (idade, altura, gênero etc.) quanto construções sociais (classe, religião etc.)" - usados como diagnósticos servem apenas como parâmetro para distinguir diferenças de classe, raça e gênero na sociedade contemporânea.
Trocar de camisa, de par numa dança, de companhia ou de profissão não é algo normal numa sociedade (de classes, raça e gênero) marcada por valores, princípios e regras sociais determinada por quem compõem a classe detentora de capital, defensora da moral e dos bons costumes conservadores bastante rígidos.
Óbvio que estou falando de condições e condicionantes sociais, econômicos, culturais e políticos de uma determinada classe hegemônica, predominantemente branca, cristã e hétero. Há relatos pontuais de pessoas que ascenderam socialmente depois de acessarem ao ensino superior.
Dentro dos limites frágeis de uma classe média que não se sustenta enquanto classe detentora de capital. Ao menor balanço brusco no movimento de reprodução do capital, a classe média, é a única que recebe todo impacto da colisão entre o rochedo do capital e desidrata financeiramente rapidamente.
A classe média para se manter na corda bamba do capitalismo é forçada a se mover de maneira pendular. Na intercrise aproxima-se da mesa dos capitalistas burgueses para recolher alguma migalha de pão que é jogada aos cães e a classe média pensa que é pra ela.
Na crise, não acessa a mesa porque o capitalista burguês fecha a porta até terminar o movimento de adequação do movimento do capital e retomar a taxa de retorno da remuneração do capital. Esse movimento que oscila o tempo todo exige da classe média certas habilidades para escamotear suas condições e condicionantes de classe trabalhadora.
Uma delas é abandonar a natureza econômica da questão para o fluido campo cultural. Passa-se a reproduzir comportamentos, valores, princípios capitalistas burgueses como algo cultural. O que não significa que essa reprodução do ethos capitalista burguês ocorra porque detém capital.
A classe média se sustenta apenas com a venda de sua força de trabalho com valor agregado por causa da formação superior. Por isso, a necessidade inextrincável da classe média tornar a luta da sua categoria numa pauta estritamente financeira e vantagens como descontos, plano de saúde, odontológico, aquisição de imóveis, veículos e viagens de turismo.
Essa é a única motivação da classe média para defender a luta sindical como clube de serviços. Retirando totalmente o caráter ideológico do sindicato e o seu papel de organizar as massas para enfrentar o capital no curto prazo e a sua superação no médio e longo prazo.
Diante disso, é razoável considerar que a classe média está em crise existencial o tempo todo. Por isso, advoga não pertencer à classe trabalhadora, mas idealiza o pertencimento à classe detentora de capital.
Contudo, a classe média vive de sua força de trabalho. O que significa dizer que deveria compor o campo do trabalho e se organizar como trabalhador.
Essa crise vai se refletir também nas outras dimensões da vida em sociedade que é determinada por valores, princípios e hábitos burgueses predominantemente brancos.
São os marcadores sociais, atravessados pelos valores do homem branco, cristão, patriarcal e hétero. A ascensão financeira proporcionada pelo salário acima da média, alcançado pela formação superior, não torna alguém negro uma pessoa com acesso e reconhecimento dos privilégios de uma pessoa branca.
Igualmente se observa a normalização da religiosidade branca que é o cristianismo. Não se permite e aceita naturalmente outra orientação religiosa diferente da matriz cristã, sobretudo se for oriunda da África por se tratar de cultura politeísta com ethos que refuta a moral cristã.
A questão da sustentação da hegemonia da cultura da heteronormatividade é outra questão importante. A ascensão financeira não tem qualquer relação com a liberdade da orientação sexual, não há a opção de escolha fora da caixinha heteronormativa.
Quem sair desse espectro pré-determinado sofrerá as consequências previstas pela orientação cristã que além de condenar orienta a sociedade a criminalizar. Aliás, torna justificáveis a luz do cristianismo toda e qualquer forma de hostilidades ao não hétero.
Portanto, considero que não se trata de "mudar de lado" e sim de capitular. A capitulação à serviço do explorador de força de trabalho. A capitulação a serviço do opressor de classe, raça e gênero com a falsa expectativa de acessar e pertencer o mundo branco burguês.
Essa defecção política mistifica a condição do capitalismo como um sistema possível de ser humanizado como se houvesse nele algo bom, democrático a acessível às massas.
O capitalismo é um sistema que socializa a miséria, pobreza, múltiplas violências e opressão para a classe trabalhadora e o proletariado.
Não considero um problema querer melhorar de vida materialmente com acesso à riqueza. A contradição reside no fato de querer isso individualmente como propõe o liberalismo que exacerba o individualismo.
Sacrificar quem historicamente foi explorado e oprimido para obter vantagens, conseguir sucesso, dinheiro e fama é individualismo, egoísmo e oportunismo burguês.
Até porque fica mais fácil aos detentores de capital transformar um indivíduo isoladamente em espia para mostrar que ficar rico no capitalismo é perfeitamente possível.
Considero que toda a riqueza produzida pela classe trabalhadora, na forma de bens e serviços, deve ser totalmente socializada, evitando concentração de capital, quer seja meio de produção, material prima e insumos, galpão, mercadorias e dinheiro.
Isso só é possível numa outra forma de sociabilidade em que o Estado e a sociedade civil promova a emancipação coletiva em que nenhuma classe, raça, gênero e religião se sobreponha a outra, mas possa coexistir pacificamente.
Não vejo nenhuma outra sociedade que não seja o Socialismo, forma de sociedade que acolha o Ser Humano que não precise buscar na classe, na religião, na orientação sexual uma forma de sobreviver material e intelectualmente.
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