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sábado, 31 de outubro de 2020

Uma síntese: “O homem que amava os cachorros”.

"O enredo policial foi apenas o fio condutor do método narrativo, que está a serviço de desnudar um drama humano, seja do lado de Trotsky, seja do lado de Mercader(...)"

 

*por Joilson Bergher 

Prof. Joilson Bergher

O romance intitulado “O homem que amava os cachorros”, escrito pelo cubano Leonardo Padura, retrata o assassinato de Leon Trotsky pelas mãos do agente stalinista, o espanhol Ramón Mercader. Pela amplidão do tema, a excelente reconstrução do contexto histórico e a qualidade da narrativa transformaram-se num romance reconhecido e aclamado a nível internacional.

Faz jus, no geral, à figura de Leon Trotsky, reconstruindo parte de sua luta; ao mesmo tempo em que nos aproxima do lado humano de seu assassino, gerando um certo tipo de compaixão (um dos grandes embates pessoais do autor, que se reflete na obra).

A mídia burguesa elogiou o romance, mas extraiu dele muito pouco, geralmente focando na ideia de que ele foi escrito sobre a “ruína de um sonho”, “o fim de uma utopia”, aproveitando-se para salientar algumas críticas de Padura aos “regimes comunistas” ou mesmo a Trotsky; quando não ficam em uma superficialidade assustadora.

Querer, contudo, que a mídia burguesa consiga empreender uma crítica literária real a um romance cuja razão de ser é o assassinato de Trotsky – figura esta que traz consigo uma obra profunda e fundamental sobre o socialismo e a URSS – é o mesmo que querer que um dono de frigorífico faça uma crítica humana e vegetariana do consumo de carne.

O assassinato de Trotsky tomou proporções históricas, sendo comparável, pela brutalidade e deslealdade, ao de Júlio César, Abraham Lincoln ou Mahatma Gandhi. A Folha de São Paulo elogiou o livro questionando como relatar uma trama policial cujo desfecho era conhecido por todos?

Ora, justamente porque o motivo central não é o desfecho, mas sim os motivos que moveram o assassino. Mais do que isso: por trás deste assassinato está a chave para a compreensão do século XX.

Este é, precisamente, o significado do romance de Padura. O enredo policial foi apenas o fio condutor do método narrativo, que está a serviço de desnudar um drama humano, seja do lado de Trotsky, seja do lado de Mercader, ou seja, do lado de centenas de milhares de militantes trotskistas e stalinistas ao longo do século XX.

O escritor cubano constrói sua narrativa intercalando epílogos e flashbacks, reconstituindo o assassinato a partir de um fundo histórico e romanceando não apenas a história do assassino, mas a sua própria. Segundo o autor, o contato com Ramón Mercader ocorreu realmente em uma praia de Cuba, onde se sugere que ele teria rogado veladamente para que alguém “escrevesse sua história” (pode ser interpretado, também, como um pedido de compaixão).

A partir da junção de três histórias – a de Trotsky, a de Ramón e a do escritor fictício (o alter ego de Padura, Iván Cardenas Maturell) –, Padura critica o regime cubano a partir desta reaproximação romanceada com a obra trotskista. Mas não o faz com um romantismo acéfalo de “esquerda” ou um ódio aristocrático de “direita”. Nesse sentido, sua ficção é mais real do que muitas análises ditas realistas e imparciais.

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