sábado, 27 de abril de 2024

A transição do Carnaval à Micareta e a apropriação mercadológica em Vitória da Conquista

Foto: Arquivo Público Municipal/1992

"[...] a importância da memória religiosa e do processo de carnavalização na constituição dos grupos negros e mestiços de Vitória da Conquista."

 

*por Herberson Sonkha


 


Continuará existindo a necessidade de voltarmos a debater criticamente o Carnaval e a Micareta de Vitória da Conquista, sobretudo depois da apropriação privada de natureza mercadológica dessas festas do povo conquistense. Por que isso exatamente às vésperas do evento privado na área nobre do Shopping Bouvard denominada de “Micareta”? Os romanos diziam que “nem tudo o que é legal é honesto” (non omne quod licet honestum est), principalmente se observado à luz da publicação do artigo "A FOTOGRAFIA NA MEMÓRIA DOS CARNAVAIS CONQUISTENSES", escrito por Alberto Bomfim da Silva e Edson Farias.


O artigo em questão, apresenta uma pesquisa em andamento para uma tese de doutoramento no Programa de Pós-graduação em Memória PPGMLS/UESB sobre as associações negras e mestiças de Vitória da Conquista entre os trânsitos políticos e culturais da carnavalização (1950-2000).


O profundo estudo aborda a importância da memória religiosa e do processo de carnavalização na constituição desses grupos, utilizando a fotografia como documento na pesquisa. Os autores destacam a efervescência dos movimentos negros no Brasil nas últimas décadas do século XX, e como em Vitória da Conquista, grupos ligados a agenciamentos discursivos retomavam, visibilizavam, reproduziam, apropriavam, ressemantizavam e construíam uma memória das representações culturais afro-brasileiras.


A pesquisa utiliza entrevistas com pessoas envolvidas com os carnavais de rua, organizadores de grupos carnavalescos, e a análise de mais de 1900 fotografias relacionadas ao carnaval encontradas no Arquivo Público Municipal de Vitória da Conquista (APMVC).


Os autores destacam a importância da fotografia como documento/monumento, guardando materialmente uma marca do passado e tornando-se símbolo daquilo que foi perenizado. A fotografia é tratada como memória artificial, guardando com relativa fidelidade um determinado recorte do tempo e do espaço, conferindo-lhe um caráter documental precioso à pesquisa historiográfica.


O estudo também aborda a importância da memória na leitura de uma imagem, destacando que a compreensão de uma imagem é variável e organizada por instrumentos mentais imersos na cultura. Além disso, os autores discutem a transformação do carnaval em micareta a partir de 1989, marcando o início do crescimento da festa em termos de "profissionalização" e o colapso em 2008.


Os escritores também analisam a virada da micareta e como grupos carnavalescos tradicionais perderam gradualmente o protagonismo nas ruas, dando lugar a blocos afros com proposições políticas mais evidentes. A pesquisa aponta para a formação dos movimentos negros que se espraiaram no final do século XX e início do XXI, demonstrando a recorrência de pessoas que desfilavam nos carnavais antigos presentes na articulação dos recentes movimentos sociais.


Em resumo, o artigo destaca a importância da memória religiosa e do processo de carnavalização na constituição dos grupos negros e mestiços de Vitória da Conquista, utilizando a fotografia como documento para compreender a evolução dos carnavais e a formação dos movimentos sociais.


No contexto cultural de Vitória da Conquista, a transição do carnaval à micareta marcou uma metamorfose festiva que reconfigurou significativamente a dinâmica das celebrações populares na cidade. A mudança, que teve início a partir de 1989, trouxe consigo não apenas alterações temporais, mas também transformações profundas no perfil e na participação da população, bem como nas influências das religiões de matriz africana.


A Micareta de Vitória da Conquista surgiu a partir de uma transformação do carnaval em micareta a partir de 1989, como mencionado no relatório de atividades da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social. Essa mudança ocorreu principalmente em relação à data de realização da festa, pois enquanto o carnaval tradicionalmente ocorre no fim da quaresma cristã, normalmente no final do mês de fevereiro, a micareta ocorre algumas semanas depois, possibilitando a contratação de músicos e equipamentos que se apresentavam na cidade de Salvador na data convencional do carnaval.


A micareta, portanto, marca o início do crescimento da festa em termos de "profissionalização", atraindo também um público mais elitizado que antes frequentava o carnaval nos clubes. Essa mudança gradual resultou na perda do protagonismo dos grupos carnavalescos tradicionais nas ruas, dando lugar a blocos com trios elétricos e a presença de celebridades artísticas midiáticas. A partir de então, o protagonismo passou a se realizar cada vez mais a partir dos blocos afros com proposições políticas mais evidentes.


A população que participa da micareta é diversificada, incluindo tanto a população negra e mestiça da cidade, que antes tinha protagonismo nos grupos carnavalescos tradicionais, quanto um público mais elitizado que passou a frequentar a festa com a sua profissionalização. As contribuições das religiões de matriz africana à micareta são significativas, uma vez que essas religiões estavam presentes nas representações simbólicas da população que fazia o carnaval de rua na segunda metade do século XX. Os ritos e símbolos religiosos de matriz africana se fizeram presentes, conferindo estabilidade à memória coletiva religiosa e se atravessaram nas construções identitárias dos grupos que participavam da festa.


Portanto, a micareta de Vitória da Conquista surge como resultado de uma transformação do carnaval, marcando uma mudança significativa no perfil da festa, na participação da população e nas influências das religiões de matriz africana. Essa evolução reflete não apenas mudanças na dinâmica da festa, mas também nas representações culturais e identitárias da comunidade, destacando a importância da memória coletiva e das práticas culturais afro-brasileiras na construção desse evento festivo.


A micareta, fruto dessa transição, representou um ponto de inflexão que marcou o início do crescimento da festa em termos de "profissionalização", atraindo um público mais diversificado, incluindo tanto a população negra e mestiça da cidade, que antes tinha protagonismo nos grupos carnavalescos tradicionais, quanto um público mais elitizado que passou a frequentar a festa com a sua profissionalização. Essa mudança gradual resultou na perda do protagonismo dos grupos carnavalescos tradicionais nas ruas, dando lugar a blocos com trios elétricos e a presença de celebridades artísticas midiáticas.


A população que participa da micareta é diversificada, refletindo a pluralidade cultural da cidade, mas também trazendo à tona questionamentos sobre a apropriação mercadológica dessa festa do povo conquistense. A profissionalização da micareta, que abriu espaço para um público mais elitizado, levanta questões sobre a autenticidade e representatividade das celebrações populares, assim como sobre a preservação das tradições culturais e religiosas que antes desempenhavam um papel central no carnaval de rua.


Nesse contexto, as contribuições das religiões de matriz africana à micareta são significativas, uma vez que essas religiões estavam presentes nas representações simbólicas da população que fazia o carnaval de rua na segunda metade do século XX. Os ritos e símbolos religiosos de matriz africana se fizeram presentes, conferindo estabilidade à memória coletiva religiosa e se atravessaram nas construções identitárias dos grupos que participavam da festa.


Portanto, a transição do carnaval à micareta em Vitória da Conquista representa não apenas uma mudança na dinâmica festiva, mas também uma reflexão sobre as transformações sociais, culturais e econômicas que impactaram as celebrações populares. A apropriação mercadológica da micareta, quase sempre promove o branqueamento, levanta questões sobre as formas capitalistas de expressão do racismo e a necessidade de preservação da autenticidade e da representatividade das festas populares, bem como sobre o papel do mercado privado na reconfiguração desses eventos festivos.


Neste contexto de transformações festivas e apropriação mercadológica da Micareta, embora seja inquestionavelmente legal o uso da “marca” por ter sido registrada logo após o fim da Miconquista, é essencial refletir sobre a subsunção e o impacto dessas mudanças na cultura popular. É sobre o modus operandi de empresários capitalistas que, ao reproduzir o capital, promove a subsunção de um rico e caudaloso processo sociohistórico e cultural do Carnaval/Micareta da cidade de Vitória da Conquista.


Fica a reflexão crítica acerca das consequências destrutíveis, promovida pelo branqueamento do capitalismo na forma de serviço que faz subsumir a cultura popular na identidade da comunidade conquistense, destacando a importância da memória coletiva e das práticas culturais afro-brasileiras na construção desses eventos festivos.


Referência bibliográfica:

Silva, A. B. & Farias, E. 2019. A fotografia na memória dos carnavais conquistenses. v.01., 15 páginas. A fotografia na memória dos carnavais conquistenses.


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